«A principal motivação por detrás da teoria da justiça como equidade é o desejo de Rawls formular uma alternativa poderosa ao utilitarismo. Parecia-lhe que o utilitarismo era a teoria mais sistemática e abrangente disponível para fornecer uma base de comparação entre instituições e práticas sociais alternativas. No entanto, para Rawls, o utilitarismo é insatisfatório pelo menos por duas razões.
Em primeiro lugar e de acordo com a sua avaliação da teoria utilitarista, esta falha por não concordar com os nossos juízos ponderados sobre o facto de os direitos individuais não deverem estar sujeitos ao cálculo dos interesses sociais. A proposição central do utilitarismo, pelo menos na sua forma clássica, é o princípio da maior felicidade. De acordo com este princípio, o melhor resultado é aquele que maximiza a felicidade agregada dos membros de uma sociedade tomada como um todo. Todavia, em algumas circunstâncias plausíveis pode acontecer que a maneira de maximizar a felicidade agregada signifique impor um sofrimento considerável a um ou a alguns membros de uma sociedade. Suponhamos que eu e tu pertencemos a uma sociedade de cem pessoas. Suponhamos que noventa e cinco de nós podem ficar mais felizes escravizando os restantes cinco, forçando-os a realizar tarefas que a nossa sociedade considera desagradáveis e aviltantes, mas que nos libertam para realizar tarefas mais agradáveis e recompensadoras. Pode acontecer que este curso de acção venha a produzir mais felicidade agregada do que a alternativa de não escravizar ninguém, mesmo considerando a miséria dos infelizes escravizados. De acordo com o utilitarismo clássico, o melhor resultado é aquele que maximiza a felicidade agregada. Se o máximo de felicidade agregada pode ser alcançado através do curso de acção que implica a escravização de alguns para produzir a maior felicidade para a maioria, então o utilitarismo clássico defenderá que esse curso de acção é o melhor. Rawls defende que resultados deste tipo chocam com os nossos juízos ponderados sobre os direitos que os indivíduos possuem e que não devem ser sacrificados no cálculo dos interesses sociais.
Em segundo lugar, Rawls acredita que o utilitarismo (…), pressupõe uma concepção monista do bem. Para Rawls, é uma premissa da teoria utilitarista que se todos os indivíduos forem totalmente informados e racionais, concordarão que existe apenas um bem. No utilitarismo clássico, o bem é o prazer mental ou então e tomado de uma forma mais ampla, o bem-estar psicológico. Na opinião de Rawls, ainda que os utilitaristas aceitem que diferentes coisas contribuam para o bem, assumem que estas coisas fazem-no por contribuir para o bem-estar psicológico, e que sozinho constitui o bem. Rawls acredita que este pressuposto está errado. Na sua perspectiva existe uma concepção pluralista de diferentes e até incomensuráveis concepções de bem e assim continuaria a ser mesmo que todas as pessoas fossem altamente informadas e racionais. As pessoas possuem diferentes valores e formulam diferentes projectos. Alguns destes valores e projectos estendem-se para além da sua própria vida e experiência individual. Isso é, alguns indivíduos – muito indivíduos, de facto – valorizam outras coisas para além de estados mentais ou estados de bem-estar psicológico. Os utilitaristas podem tentar explicar estes valores afirmando que devem estar baseados em inferências desinformadas ou irracionais. No entanto, segundo Rawls, este esforço será infrutífero. As pessoas formulam de facto diferentes e em muitos casos até, irreconciliáveis concepções de bem. Uma teoria da justiça satisfatória, acredita ele – correctamente na minha opinião – deve ter em conta este facto.
Então o ponto de partida da teoria rawlsiana da justiça é esta rejeição do utilitarismo e, em particular, destas duas características da teoria utilitarista. Estes dois aspectos têm sido as duas âncoras principais para a totalidade da teoria da justiça como equidade, tanto na sua forma original como na sua formulação mais recente em que a teoria é apresentada como representativa do género do liberalismo político. Por outras palavras, o objectivo da teoria é o de fornecer um conjunto de princípios, que poderíamos usar para determinar se as instituições e as acções de uma sociedade são justas, consistente com a nossa intuição ou os nossos juízos ponderados sobre o facto de os indivíduos possuírem direitos que não devem ser sacrificados no cálculo dos interesses sociais e o reconhecimento do facto de nem todos os indivíduos informados e racionais poderem aceitar uma única concepção de bem, e que as concepções de bem das pessoas são irredutivelmente plurais.»
Johnston, David (1996). The Idea of a Liberal Theory. A Critique and Reconstruction. New Jersey: Princeton Universtity Press, pp. 101-3 (Traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira)
Em primeiro lugar e de acordo com a sua avaliação da teoria utilitarista, esta falha por não concordar com os nossos juízos ponderados sobre o facto de os direitos individuais não deverem estar sujeitos ao cálculo dos interesses sociais. A proposição central do utilitarismo, pelo menos na sua forma clássica, é o princípio da maior felicidade. De acordo com este princípio, o melhor resultado é aquele que maximiza a felicidade agregada dos membros de uma sociedade tomada como um todo. Todavia, em algumas circunstâncias plausíveis pode acontecer que a maneira de maximizar a felicidade agregada signifique impor um sofrimento considerável a um ou a alguns membros de uma sociedade. Suponhamos que eu e tu pertencemos a uma sociedade de cem pessoas. Suponhamos que noventa e cinco de nós podem ficar mais felizes escravizando os restantes cinco, forçando-os a realizar tarefas que a nossa sociedade considera desagradáveis e aviltantes, mas que nos libertam para realizar tarefas mais agradáveis e recompensadoras. Pode acontecer que este curso de acção venha a produzir mais felicidade agregada do que a alternativa de não escravizar ninguém, mesmo considerando a miséria dos infelizes escravizados. De acordo com o utilitarismo clássico, o melhor resultado é aquele que maximiza a felicidade agregada. Se o máximo de felicidade agregada pode ser alcançado através do curso de acção que implica a escravização de alguns para produzir a maior felicidade para a maioria, então o utilitarismo clássico defenderá que esse curso de acção é o melhor. Rawls defende que resultados deste tipo chocam com os nossos juízos ponderados sobre os direitos que os indivíduos possuem e que não devem ser sacrificados no cálculo dos interesses sociais.
Em segundo lugar, Rawls acredita que o utilitarismo (…), pressupõe uma concepção monista do bem. Para Rawls, é uma premissa da teoria utilitarista que se todos os indivíduos forem totalmente informados e racionais, concordarão que existe apenas um bem. No utilitarismo clássico, o bem é o prazer mental ou então e tomado de uma forma mais ampla, o bem-estar psicológico. Na opinião de Rawls, ainda que os utilitaristas aceitem que diferentes coisas contribuam para o bem, assumem que estas coisas fazem-no por contribuir para o bem-estar psicológico, e que sozinho constitui o bem. Rawls acredita que este pressuposto está errado. Na sua perspectiva existe uma concepção pluralista de diferentes e até incomensuráveis concepções de bem e assim continuaria a ser mesmo que todas as pessoas fossem altamente informadas e racionais. As pessoas possuem diferentes valores e formulam diferentes projectos. Alguns destes valores e projectos estendem-se para além da sua própria vida e experiência individual. Isso é, alguns indivíduos – muito indivíduos, de facto – valorizam outras coisas para além de estados mentais ou estados de bem-estar psicológico. Os utilitaristas podem tentar explicar estes valores afirmando que devem estar baseados em inferências desinformadas ou irracionais. No entanto, segundo Rawls, este esforço será infrutífero. As pessoas formulam de facto diferentes e em muitos casos até, irreconciliáveis concepções de bem. Uma teoria da justiça satisfatória, acredita ele – correctamente na minha opinião – deve ter em conta este facto.
Então o ponto de partida da teoria rawlsiana da justiça é esta rejeição do utilitarismo e, em particular, destas duas características da teoria utilitarista. Estes dois aspectos têm sido as duas âncoras principais para a totalidade da teoria da justiça como equidade, tanto na sua forma original como na sua formulação mais recente em que a teoria é apresentada como representativa do género do liberalismo político. Por outras palavras, o objectivo da teoria é o de fornecer um conjunto de princípios, que poderíamos usar para determinar se as instituições e as acções de uma sociedade são justas, consistente com a nossa intuição ou os nossos juízos ponderados sobre o facto de os indivíduos possuírem direitos que não devem ser sacrificados no cálculo dos interesses sociais e o reconhecimento do facto de nem todos os indivíduos informados e racionais poderem aceitar uma única concepção de bem, e que as concepções de bem das pessoas são irredutivelmente plurais.»
Johnston, David (1996). The Idea of a Liberal Theory. A Critique and Reconstruction. New Jersey: Princeton Universtity Press, pp. 101-3 (Traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira)
1 comentário:
Excelente síntese. Obrigado pela partilha.
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