terça-feira, 4 de março de 2008

Philippa Foot, "Eutanásia" (Parte II)

«Continuamos a insistir que quando falamos de eutanásia, estamos referir-nos a uma morte entendida como um acontecimento bom e feliz para aquele que morre. Este conceito parte da etimologia da palavra, mas não está de modo algum ligado à prática corrente, que parte do pressuposto de que a morte não deve ser um punição, mas antes deve constituir um bem. Para mostrar que é este o conceito comum entre as pessoas, há o caso de Karen Ann Quinlan e de outras pessoas em estados de coma permanente, muitas vezes discutidos sobre a égide da eutanásia. Talvez não seja tarde de mais para nos começarmos a opor ao uso que se faz da palavra neste sentido. Além do corte com as origens gregas da palavra, existem outras conotações infelizes que lhe são atribuídas. Se entendemos que a morte deve constituir um bem para o sujeito, também podemos acrescentar que é para o seu próprio bem que um acto de eutanásia é levado a cabo. Se apenas dizemos que a morte não constituirá dano para si, não poderemos determinar que a razão que tornará a eutanásia legítima será o seu benefício. Dada a pertinência da questão, estamos a agir para o bem de quem? Seria bom se definíssemos eutanásia de uma forma que incluísse apenas os casos de escolha pela morte para o bem daquele que morre. Talvez o mais importante seja dizer ou que a eutanásia deve ser aplicada para o bem do sujeito ou, pelo menos, que a morte não seja um dano ou um mal para ele, recusando-nos a usar a linguagem do Hitler. Porém, é condição primordial deste texto que se entenda o acto de eutanásia como a acção de causar ou de outro modo de optar pela morte para o bem daquele que está para morrer.
Precisamos de esclarecer um conjunto de aspectos menos significativos. Em primeiro lugar, cabe-nos dizer que a palavra “acto” não deve excluir a ideia de omissão; falaremos de um acto de eutanásia quando, para o seu próprio bem, alguém é levado deliberadamente à morte, e não apenas quando são efectivamente tomadas medidas nesse sentido. Queremos veicular a ideia de que há opção por um acto ou não-acto relativo à morte de outra pessoa e que é consequentemente efectiva, no sentido em que, conjugada com circunstâncias reais, constitui condição suficiente para a morte. Não será necessário abordar complicações como, por exemplo, o excesso de determinação.
Um segundo aspecto claramente de menor importância, mas que diz respeito à definição de eutanásia liga-se com a relação facto – crença. Já foi aqui sugerido que aquele que provoca a eutanásia, pensa que a morte será piedosa para o sujeito e é com base nesta ideia que acontece. Mas será ela suficiente, e têm as circunstâncias de ser de facto tal como o sujeito pensa que elas são? Se uma pessoa mata outra ou permite que a outra morra, assumindo que esta se encontra numa fase terminal de uma doença terrível, apesar de efectivamente não haver cura, estamos ou não perante um acto de eutanásia? Nada mais acresce dizer sobre a nossa decisão nesta matéria. O mesmo princípio deve ser tido em linha de conta na definição desta ideia quer como um elemento factual, quer como um elemento subjacente à crença do agente. E seja como for que definamos eutanásia, a culpabilidade ou razoabilidade do acto será a mesma: se alguém age por ignorância, esta condição permitirá ou não imputar-lhe culpa
[1]

[1] Sobre a discussão da ignorância com ou sem culpa, ver T. Aquino, Summa Theologica, Primeira parte da Segunda parte, Questão 6, artigo 8, e Questão 19, artigo 5 e 6.

Sem comentários: