«Para o fazer, a ética do cuidado precisa recorrer a algumas noções que desempenham um papel importante no pensamento de Hume e de outras figuras importantes do século XVIII, mas que têm sido amplamente negligenciadas por todos aqueles que procuraram desenvolver uma ética do cuidado sistemática. Hume defende (especialmente no seu Tratado da Natureza Humana) que a nossa preocupação com os outros ocorre através de um mecanismo que designa de “simpatia”, mas que a noção com que estamos a trabalhar aqui (lá) está mais próxima do termo contemporâneo “empatia”, e esta diferença ou a disparidade pode ser explicada, pelo menos em parte, pelo facto do termo só ter entrado no Inglês no início do século XX. Hume não possuía a terminologia necessária para distinguir entre simpatia e empatia, mas o fenómeno que ele designava de simpatia parece mais próximo do que entendemos hoje por empatia do que por simpatia.
Estes termos não são fáceis de definir, mas penso que “simpatia” significa um tipo de atitude favorável relativamente a alguém. Sentimos simpatia por uma pessoa que está em sofrimento, por exemplo, se sentimos por essa pessoa (ou pela sua dor), que não estivesse a sofrer ou que o seu sofrimento acabasse. Por outro lado, penso que “empatia” significa um estado ou um processo através do qual alguém assume os sentimentos de outra pessoa: sentimos empatia por quem está a sofrer, se “sentimos a sua dor” (como oposto ao que sentimos pela sua dor). É óbvio que bastante mais pode ser dito quanto a esta distinção, mas dada a prevalência destas noções nos discursos contemporâneos, espero que o leitor acompanhe rápida e facilmente o que entendo por empatia. Hume via a simpatia/empatia como um tipo de contágio através do qual os sentimentos de uma pessoa passavam para (causavam sentimentos similares em) outra pessoa, mas nos anos recentes tem ocorrido um enorme interesse pela questão da empatia por parte dos psicólogos sociais e, na bibliografia, o aspecto “contagioso” da empatia é apenas um de entre os muitos aspectos considerados. Têm sido publicados numerosos estudos sobre os factores que afectam a empatia e sobre o modo como ela se desenvolve, e diversos psicólogos apresentaram diferentes interpretações para o papel que a empatia desempenha na psicologia e na vida humana. Mas um dos aspectos centrais desta bibliografia é essencial para a ética do cuidado e é esse que passarei a apresentar.
As investigações recentes sobre a empatia têm-se centrado, de uma forma substancial, na questão de saber se o desenvolvimento da empatia é necessário para a preocupação altruística de um indivíduo para com os outros – esta é a chamada “hipótese do altruísmo-empático”. Muitos psicólogos (mas seguramente não todos) viram nos trabalhos recentes a base de suporte para a hipótese do altruísmo-empático, e são relevantes para este ensaio pelo menos em parte, já que é possível defender que o cuidado opera pela via da empatia e que os contornos da moralidade do cuidado correcto podem ser especificados através do modo como a empatia humana se desenvolve ou se pode desenvolver. Acredito que uma ética das virtudes baseada no cuidado que fundamenta o cuidado na empatia humana, como mostram estudos recentes da psicologia, pode fornecer uma resposta para os argumentos de Singer. Mas antes de apelar para esses estudos recentes e interessantes, deixem-me dizer como percebi a utilidade do apelo (para o desenvolvimento humano) da empatia na construção de uma ética das virtudes baseada no cuidado.
Uma ética do cuidado pode facilmente afirmar que temos uma obrigação maior de ajudar os seres humanos (nascidos) do que os animais ou os fetos, e um tal juízo comparativo possui o tipo de força ou plausibilidade intuitiva que pode fundar a ética das virtudes baseada no cuidado (embora assuma que a intuição sobre humanos nascidos e fetos possa funcionar pior ou ser totalmente recusada por alguém que possua fortes convicções religiosas quanto ao facto do feto possuir uma alma imortal). Contudo, há alguns anos atrás fui condizido numa outra direcção por causa de ter dirigido a minha atenção para um artigo do pensador católico (e juiz dos Tribunais Comuns dos EUA) John Noonan, em que (disseram-me) o aborto é criticado não por causa de não respeitar os direitos do feto, mas por não demonstrar empatia pelo feto. Fiquei bastante galvanizado com o artigo de Noonan porque (por um lado) imediatamente me ocorreu que a noção ou o fenómeno da empatia é uma espada de dois gumes, e a leitura do próprio artigo não serviu para perturbar esta conclusão. Se acreditarmos que a empatia possui força ou relevância moral, então uma vez que é mais fácil para nós sentir empatia por um seres humanos nascidos (incluindo recém-nascidos) do que por um feto, podemos argumentar que é por esta razão mais condenável do ponto de vista moral negligenciar ou prejudicar um ser humano nascido do que um feto ou um embrião. E esta conclusão pode acabar por sustentar mais a posição pró-escolha relativamente ao problema do aborto do que a posição pró-vida.
Mais do que isso, quase que me ocorreu imediatamente que a ética das virtudes baseada no cuidado, em vez de se basear nas nossas intuições sobre o facto de possuirmos obrigações morais mais fortes para com os seres humanos nascidos do que para com os embriões, fetos ou animais, pode explicar as intuições, as obrigações diferenciais, incorporando a ideia da empatia. (Ao pensar assim estava implicitamente a considerar que a hipótese altruísmo-empático tem pelo menos alguma plausibilidade.) Em vez de defender que as acções são certas ou erradas em função de exibirem ou reflectirem o que a intuição nos diz ser o cuidado devidamente fundado e profundo, podemos dizer que as acções são certas ou erradas em função de exibirem ou reflectirem a falta de uma motivação empática normal e completa para cuidar. Em igualdade de circunstâncias, seria moralmente mais condenável preferir um feto ou um embrião a um ser humano nascido, uma vez que essa preferência contraria o modo como se desenvolve a empatia humana ou a motivação para cuidar dos outros que é moldada por uma tal empatia. Da mesma forma, podem surgir outras questões relativas às nossas relações morais com animais inferiores.»
Estes termos não são fáceis de definir, mas penso que “simpatia” significa um tipo de atitude favorável relativamente a alguém. Sentimos simpatia por uma pessoa que está em sofrimento, por exemplo, se sentimos por essa pessoa (ou pela sua dor), que não estivesse a sofrer ou que o seu sofrimento acabasse. Por outro lado, penso que “empatia” significa um estado ou um processo através do qual alguém assume os sentimentos de outra pessoa: sentimos empatia por quem está a sofrer, se “sentimos a sua dor” (como oposto ao que sentimos pela sua dor). É óbvio que bastante mais pode ser dito quanto a esta distinção, mas dada a prevalência destas noções nos discursos contemporâneos, espero que o leitor acompanhe rápida e facilmente o que entendo por empatia. Hume via a simpatia/empatia como um tipo de contágio através do qual os sentimentos de uma pessoa passavam para (causavam sentimentos similares em) outra pessoa, mas nos anos recentes tem ocorrido um enorme interesse pela questão da empatia por parte dos psicólogos sociais e, na bibliografia, o aspecto “contagioso” da empatia é apenas um de entre os muitos aspectos considerados. Têm sido publicados numerosos estudos sobre os factores que afectam a empatia e sobre o modo como ela se desenvolve, e diversos psicólogos apresentaram diferentes interpretações para o papel que a empatia desempenha na psicologia e na vida humana. Mas um dos aspectos centrais desta bibliografia é essencial para a ética do cuidado e é esse que passarei a apresentar.
As investigações recentes sobre a empatia têm-se centrado, de uma forma substancial, na questão de saber se o desenvolvimento da empatia é necessário para a preocupação altruística de um indivíduo para com os outros – esta é a chamada “hipótese do altruísmo-empático”. Muitos psicólogos (mas seguramente não todos) viram nos trabalhos recentes a base de suporte para a hipótese do altruísmo-empático, e são relevantes para este ensaio pelo menos em parte, já que é possível defender que o cuidado opera pela via da empatia e que os contornos da moralidade do cuidado correcto podem ser especificados através do modo como a empatia humana se desenvolve ou se pode desenvolver. Acredito que uma ética das virtudes baseada no cuidado que fundamenta o cuidado na empatia humana, como mostram estudos recentes da psicologia, pode fornecer uma resposta para os argumentos de Singer. Mas antes de apelar para esses estudos recentes e interessantes, deixem-me dizer como percebi a utilidade do apelo (para o desenvolvimento humano) da empatia na construção de uma ética das virtudes baseada no cuidado.
Uma ética do cuidado pode facilmente afirmar que temos uma obrigação maior de ajudar os seres humanos (nascidos) do que os animais ou os fetos, e um tal juízo comparativo possui o tipo de força ou plausibilidade intuitiva que pode fundar a ética das virtudes baseada no cuidado (embora assuma que a intuição sobre humanos nascidos e fetos possa funcionar pior ou ser totalmente recusada por alguém que possua fortes convicções religiosas quanto ao facto do feto possuir uma alma imortal). Contudo, há alguns anos atrás fui condizido numa outra direcção por causa de ter dirigido a minha atenção para um artigo do pensador católico (e juiz dos Tribunais Comuns dos EUA) John Noonan, em que (disseram-me) o aborto é criticado não por causa de não respeitar os direitos do feto, mas por não demonstrar empatia pelo feto. Fiquei bastante galvanizado com o artigo de Noonan porque (por um lado) imediatamente me ocorreu que a noção ou o fenómeno da empatia é uma espada de dois gumes, e a leitura do próprio artigo não serviu para perturbar esta conclusão. Se acreditarmos que a empatia possui força ou relevância moral, então uma vez que é mais fácil para nós sentir empatia por um seres humanos nascidos (incluindo recém-nascidos) do que por um feto, podemos argumentar que é por esta razão mais condenável do ponto de vista moral negligenciar ou prejudicar um ser humano nascido do que um feto ou um embrião. E esta conclusão pode acabar por sustentar mais a posição pró-escolha relativamente ao problema do aborto do que a posição pró-vida.
Mais do que isso, quase que me ocorreu imediatamente que a ética das virtudes baseada no cuidado, em vez de se basear nas nossas intuições sobre o facto de possuirmos obrigações morais mais fortes para com os seres humanos nascidos do que para com os embriões, fetos ou animais, pode explicar as intuições, as obrigações diferenciais, incorporando a ideia da empatia. (Ao pensar assim estava implicitamente a considerar que a hipótese altruísmo-empático tem pelo menos alguma plausibilidade.) Em vez de defender que as acções são certas ou erradas em função de exibirem ou reflectirem o que a intuição nos diz ser o cuidado devidamente fundado e profundo, podemos dizer que as acções são certas ou erradas em função de exibirem ou reflectirem a falta de uma motivação empática normal e completa para cuidar. Em igualdade de circunstâncias, seria moralmente mais condenável preferir um feto ou um embrião a um ser humano nascido, uma vez que essa preferência contraria o modo como se desenvolve a empatia humana ou a motivação para cuidar dos outros que é moldada por uma tal empatia. Da mesma forma, podem surgir outras questões relativas às nossas relações morais com animais inferiores.»
Sem comentários:
Enviar um comentário