«O meu palpite é que quem quer que leia estas palavras seja rico comparativamente com os milhões de pessoas mais pobres do nosso planeta. Não só temos dinheiro suficiente para comprar alimentos, roupa, casa e outros bens, como sobra uma quantia razoável para produtos menos importantes como cd’s, roupas elegantes, viagens, bebidas, filmes e outras coisas mais. E, como se não bastasse, não temos por hábito pensar se devemos ou não gastar o nosso dinheiro nestes luxos em vez de o dar aos mais necessitados; presumimos pura e simplesmente que é nosso e que o podemos gastar como bem nos apetecer.
Peter Singer defende em “Fome, Riqueza e Moralidade”, que esta presunção está errada, que não devemos comprar artigos luxuosos quando há quem esteja a passar necessidades extremas. Mas estará [ele] correcto? […]
Defende em primeiro lugar que há dois princípios morais gerais que são amplamente aceites e depois que esses princípios implicam uma obrigação de acabar com a fome.
O primeiro princípio é simplesmente que “o sofrimento e a morte por causa da falta de alimento, abrigo e cuidados médicos, são maus”. Alguns podem estar inclinados a pensar que a mera existência de um tal mal cria por si só uma obrigação para com os outros, só que esse é, de facto, o problema que Singer enfrenta. Não acredito que ele esteja a cometer uma petição de princípio tão óbvia ao deduzir da existência de um mal a obrigação dos outros o eliminarem. Mas como, exactamente, é que ele estabelecesse isto? O segundo princípio, pensa ele, mostra a conexão, só que é aqui que a controvérsia surge.
Este princípio, que chamarei a regra moral do mal maior, é o seguinte:
Peter Singer defende em “Fome, Riqueza e Moralidade”, que esta presunção está errada, que não devemos comprar artigos luxuosos quando há quem esteja a passar necessidades extremas. Mas estará [ele] correcto? […]
Defende em primeiro lugar que há dois princípios morais gerais que são amplamente aceites e depois que esses princípios implicam uma obrigação de acabar com a fome.
O primeiro princípio é simplesmente que “o sofrimento e a morte por causa da falta de alimento, abrigo e cuidados médicos, são maus”. Alguns podem estar inclinados a pensar que a mera existência de um tal mal cria por si só uma obrigação para com os outros, só que esse é, de facto, o problema que Singer enfrenta. Não acredito que ele esteja a cometer uma petição de princípio tão óbvia ao deduzir da existência de um mal a obrigação dos outros o eliminarem. Mas como, exactamente, é que ele estabelecesse isto? O segundo princípio, pensa ele, mostra a conexão, só que é aqui que a controvérsia surge.
Este princípio, que chamarei a regra moral do mal maior, é o seguinte:
Se está nas nossas mãos evitar que um grande mal aconteça, sem com isso sacrificar algo de importância moral comparável, devemos, de um ponto de vista moral, fazê-lo.
Por outras palavras, as pessoas têm o direito de conservar os seus rendimentos se, ao dá-los, não estão a evitar um mal maior. Assegurar que os outros tenham alimentos, roupa e casa será, em geral, mais importante do que comprar produtos luxuosos, pelo que a regra moral do mal maior exige uma substancial redistribuição da riqueza.
Certamente que serão poucos ou nenhuns aqueles que vivem de acordo com esta regra, embora isso dificilmente mostre que o nosso estilo de vida esteja justificado; raramente conseguimos estar à altura dos nossos padrões morais. Porque pensará Singer que a moralidade que partilhamos exige a regra moral do mal maior? Que argumentos apresenta?
Singer começa com uma analogia. Suponha que se cruza com uma criança que se está a afogar num lago pouco profundo. Certamente que pensaria que seria errado não a ajudar. Mesmo que salvar a criança seja equivalente a sujar as suas roupas, deve-se sublinhar que isso não é comparável com o valor da vida da criança. A regra moral do maior mal parece, por isso, a via natural para perceber em que medida pensamos que seria errado não ajudar a criança.
Mas os argumentos para a regra moral do mal maior não estão limitados à tese de Singer sobre os nossos sentimentos relativamente à criança afogada e ao facto de parecer “incontroversa”. A equivalência moral também entra em cena. Para além da ideia jeffersoniana de que partilhamos igualmente certos direitos, muitos de nós sentem-se atraídos por outro tipo de igualdade, a saber, que quantidades equivalentes de sofrimento (ou de felicidade) possuem igual valor, independentemente de quem o(a) esteja a experienciar. Não posso dizer que, pelo facto de a minha dor ser maior do que a do leitor, sou de alguma forma especial e que é, por isso, mais importante que a minha dor seja aliviada. A objectividade obriga que admitamos o oposto, que todas as pessoas possuem um estatuto único que justifica esta reivindicação especial. Por isso, a igualdade exige igualdade na consideração de interesses e no respeito por certos direitos.
Mas se em vez de contribuir para a eliminação da fome, formos comprar um carro novo quando o antigo ainda serve, ou comprar roupas elegantes para um amigo quando as que ele tem são mais do que adequadas, não estaremos a presumir que o menor contentamento que eu e os meus amigos possamos vir a sentir é tão importante como a vida de uma qualquer pessoa? E isso é uma forma de preconceito; estaremos a agir como se as pessoas não fossem iguais no sentido em que os seus interesses merecem igual consideração. Estaremos a dar uma atenção especial a nós e ao nosso grupo, tal como um racista faz. A ideia de igualdade na consideração de interesses conduz-nos naturalmente à regra moral do mal maior.»
Certamente que serão poucos ou nenhuns aqueles que vivem de acordo com esta regra, embora isso dificilmente mostre que o nosso estilo de vida esteja justificado; raramente conseguimos estar à altura dos nossos padrões morais. Porque pensará Singer que a moralidade que partilhamos exige a regra moral do mal maior? Que argumentos apresenta?
Singer começa com uma analogia. Suponha que se cruza com uma criança que se está a afogar num lago pouco profundo. Certamente que pensaria que seria errado não a ajudar. Mesmo que salvar a criança seja equivalente a sujar as suas roupas, deve-se sublinhar que isso não é comparável com o valor da vida da criança. A regra moral do maior mal parece, por isso, a via natural para perceber em que medida pensamos que seria errado não ajudar a criança.
Mas os argumentos para a regra moral do mal maior não estão limitados à tese de Singer sobre os nossos sentimentos relativamente à criança afogada e ao facto de parecer “incontroversa”. A equivalência moral também entra em cena. Para além da ideia jeffersoniana de que partilhamos igualmente certos direitos, muitos de nós sentem-se atraídos por outro tipo de igualdade, a saber, que quantidades equivalentes de sofrimento (ou de felicidade) possuem igual valor, independentemente de quem o(a) esteja a experienciar. Não posso dizer que, pelo facto de a minha dor ser maior do que a do leitor, sou de alguma forma especial e que é, por isso, mais importante que a minha dor seja aliviada. A objectividade obriga que admitamos o oposto, que todas as pessoas possuem um estatuto único que justifica esta reivindicação especial. Por isso, a igualdade exige igualdade na consideração de interesses e no respeito por certos direitos.
Mas se em vez de contribuir para a eliminação da fome, formos comprar um carro novo quando o antigo ainda serve, ou comprar roupas elegantes para um amigo quando as que ele tem são mais do que adequadas, não estaremos a presumir que o menor contentamento que eu e os meus amigos possamos vir a sentir é tão importante como a vida de uma qualquer pessoa? E isso é uma forma de preconceito; estaremos a agir como se as pessoas não fossem iguais no sentido em que os seus interesses merecem igual consideração. Estaremos a dar uma atenção especial a nós e ao nosso grupo, tal como um racista faz. A ideia de igualdade na consideração de interesses conduz-nos naturalmente à regra moral do mal maior.»
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