sexta-feira, 28 de março de 2008

Michael Slote, "Fome, Riqueza e Empatia" (Parte IV)

«A ideia de que ver e perceber são relevantes para despertar ou provocar empatia e reacções altruísticas não é de forma alguma nova. Hume afirma-o de forma clara (embora utilizando o termo “simpatia”) no Tratado; e parece defender também que as diferenças daquilo que natural e normalmente desperta simpatia/empatia afecta a força das nossas obrigações morais e daquilo que a virtude reclama[1]. Mais ainda, há estudos psicológicos recentes sobre a empatia que sustentam as observações/especulações de Hume. O recente livro de Martin Hoffman, Empatia e Desenvolvimento Moral: Implicações para o Cuidado e para a Justiça, sintetiza e reflecte de forma construtiva sobre os numerosos estudos psicológicos sobre o desenvolvimento da empatia e sobre o seu papel na criação e na manutenção do cuidado/preocupação pelos outros, e uma coisa que tanto Hoffman como os estudos anteriores valorizam é a diferença que a imediatez perceptiva tende a provocar no fortalecimento de respostas empáticas[2]. (Contudo, Hoffman é mais cauteloso do que Hume e do que eu quero ser sobre as implicações morais destas diferenças psicológicas.)
Para o esclarecimento da relevância moral da empatia, devemos considerar agora o que Kamm e Unger dizem sobre diversos casos. Por exemplo, na discussão da notoriedade/visibilidade que Unger invoca na explicação das nossas (equívocas segundo ele) intuições, Kamm distingue notoriedade subjectiva e objectiva. Depois, centro-me nesta, ela refere um caso de ficção científica em que alguém com uma visão de longo alcance tem a capacidade de ver um estrangeiro a sofrer
[3]. O sofrimento seria notório, visível, ou vívido para o indivíduo com visão de longo alcance, mas Kamm diz que isso é (intuitivamente) suficiente para que esse indivíduo “desligue a sua visão de longo alcance (e deixe de se preocupar com o destino de quem está longe e que não vê). Mas se ele pode desligar essa capacidade, também pode presumivelmente apenas virar a cara e desviar a atenção: e é isso seguramente o que Kamm defende sobre o que a relevância da proximidade implica.
Contudo, não penso que esta conclusão seja moralmente intuitiva, e acredito que considerações sobre a empatia podem explicar porquê. Fugir de alguém que estamos a ver (mesmo a uma distância mínima) parece pior que ignorar alguém que conhecemos apenas por descrição; mesmo assumindo, por exemplo, que possuímos os meios necessários para ajudar imediatamente uma pessoa em perigo ou em dificuldade que podemos ver através de uma visão de longo alcance ou de que só ouvimos falar. Penso que seria considerado desumano ignorar uma pessoa em dificuldade e depois decidir (friamente) ajudar alguém de que apenas ouvimos falar. É discutível que o que é aqui desumano tenha que ver com a empatia, com a incapacidade de responder empaticamente a alguém que vemos estar em dificuldades. A imediatez ou vívidez da percepção de uma tal dificuldade clama pela nossa empatia humana (normal e completamente desenvolvida) de forma mais profunda e energética do que pela dificuldade que só conhecemos por descrição, pelo que uma moralidade que se centre na empatia segundo as formas que tenho vindo a sugerir pode explicar melhor as nossas reacções morais aos caso de Kamm do que o seu apelo (complexidade à parte) à distância ou à proximidade, sendo difícil ver como Kamm pode usar este exemplo para refutar com sucesso a visão de que a notoriedade ou a vívidez subjectiva é relevante para as nossas intuições morais.
É interessante que Kamm afirme que um estrangeiro que vemos à distância determina a pressão psicológica para o ajudarmos. Mas, de alguma forma, coloca essa pressão fora das nossas intuições morais, porque pensa que não possuímos qualquer intuição que nos diga que temos mais obrigações para com a pessoa que vemos do que para com aquela que não vemos. Se, contudo, como acabei de afirmar, possuímos uma tal intuição, então o que ela designa como mera pressão psicológica é de facto uma intuição moral que a sua ênfase na distância não contempla, ao contrário de uma visão baseada na empatia.
Kamm vira-se depois para um exemplo de notoriedade objectiva do tipo sugerido por Unger. Ela imagina que a pessoa que possui a visão de longo alcance vê um grupo de pessoas em apuros e que uma delas está a usar um facto de palhaço e a exibir as suas dificuldades de forma mais dramática do que as outras. Kamm defende que isso não deve fazer diferença moral relativamente àqueles que sentimos possuir o dever de ajudar, e usa este exemplo para defender a distância como oposta à notoriedade objectiva. Mas uma perspectiva que valoriza a empatia também pode (e porventura de forma mais completa) contemplar as nossas intuições sobre este tipo de caso. A pessoa em perigo de afogamento ou de morrer à fome que está com o fato de palhaço e a agitar os seus braços ou a fazer gestos histriónicos, pode ser mais visivelmente obstrutiva; mas essa pessoa pode estar a simular medo ou dor (exagerando), enquanto que outra pessoa mais calma ou mais apagada pode possuir marcas de sofrimento ou ansiedade mais genuínas do que a da pessoa que está vestida de palhaço e, por essa razão, provocará mais fortemente a nossa empatia. Um tal caso cria problemas à perspectiva ungeriana da notoriedade objectiva sobre as nossas intuições morais, mas não a uma teoria moral baseada na empatia; e também acredito que esta pode explicar reacções intuitivas diversas às variantes deste tipo de casos do que a perspectiva que valoriza a distância.
Agora imagine que a pessoa vestida de palhaço não está a exagerar. Ela e todas as outras estão genuinamente a sofrer, mas reparou primeiro nela por causa do fato de palhaço e percebe que a sua atenção está completamente centrada nela. Partindo do princípio que só pode ajudar uma pessoa do grupo, será que consideraríamos igualmente aceitável deixar de lado a pessoa vestida de palhaço e decidir que poderíamos ajudar qualquer outra pessoa do grupo, em vez de a ajudar a ela? Não creio. Penso, novamente, que seria revelador de uma falha ou contrário ao normal desenvolvimento humano da empatia, desumano até, se se virasse para outra pessoa em vez de ajudar a que está vestida de palhaço como resposta ao seu vívido reconhecimento da sua dificuldade. Se a sua dificuldade possuía mais imediatez inicial para si, então, dado que só é possível ajudar uma pessoa, essa seria um razão intuitivamente forte para agir de acordo com a empatia e ajudá-la. Mas a perspectiva da distância de Kamm não permite este tipo de razão. Contudo, deixem-me considerar mais um exemplo.
Unger nega que exista uma diferença real ou intuitiva entre o caso em que podemos ajudar uma vítima de acidente próxima e visível e o caso em que a vítima está distante e que conhecemos apenas porque ficamos a saber da sua dificuldade através de código Morse
[4]. Mas Kamm pensa que existe aqui uma confusão quanto às nossas intuições e defende que a diferença se deve ao factor distância[5]; e embora concorde com Kamm há um diferença significativa entre estes casos, pelo que me parece mais plausível – ou talvez deva dizer mais favorável – explicá-la em termos de empatia[6]

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[1] Sobre estes aspectos ver Treatise, ed., L. A. Shelby-Bigge, Oxdord: Clarendon Press, 1958, pp.370. 439, 441, 483 e ss., 488 e ss., 518 e ss.
[2] New York: Cambridge University Press, 200, pp. 209 e ss..
[3] Pp. 182 e ss..
[4] Op. cit., esp. p. 36.
[5] Op. cit., esp. p. 184.
[6] Unger observa de facto (p. 36) que tais casos diferem quanto ao “impacto experiencial”, uma noção que se relaciona com a empatia. Mas não presta muita atenção ao impacto, provavelmente porque pensa (equivocamente) que não é significativamente relevante para as nossas intuições.

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