quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Mais ecos do debate sobre a tolerância religiosa

«No meu recente debate com o meu colega Ludwig Krippahl, na Escola Secundária de Oliveira do Bairro, sobre o tema “Será que a tolerância religiosa faz sentido?”, dei uma resposta positiva a esta pergunta.
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1. Procurei num primeiro ponto esclarecer que para a Igreja Católica a tolerância religiosa para com as religiões não cristãs se baseia no facto de em todas elas haver manifestações autênticas da aspiração dos povos a Deus. Numa intervenção nas Nações Unidas (2002), o representante do Vaticano afirmou:
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O mistério de Deus e a fé n’Ele estão no centro de cada cultura e constituem o maior de todos os mistérios. A religião exprime os sonhos, as esperanças e as aspirações mais profundos da pessoa humana. A fé religiosa ajuda a formar a visão do homem em relação ao mundo e diz respeito ao seu relacionamento com o próximo. Com efeito, na história do mundo inteiro, os diferentes povos e culturas dão testemunho dos muitos e diversificados modos de a humanidade abordar o significado da criação, da história e da sua existência pessoal.
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Por outro lado, na mesma intervenção se repudiam todas as formas de intolerância religiosa:
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"O recurso á violência, em nome do credo religioso, constitui uma perversão do próprio ensinamento das principais religiões. Hoje, a Santa Sé confirma aquilo que muitos líderes religiosos repetiram com tanta frequência: "O uso da violência nunca deve ter uma justificação religiosa, nem pode fomentar o crescimento do sentimento religioso autêntico".As diferenças entre as tradições religiosas devem ser aceites, respeitadas e toleradas. A prática de qualquer credo há-de ser vivida no respeito pelas outras tradições religiosas. A tolerância religiosa deve fundamentar-se na convicção de que Deus deseja ser adorado por pessoas livres. Esta convicção exige que respeitemos e honremos a nossa consciência pessoal, onde todas as pessoas encontram Deus."
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2. Em segundo lugar, afirmei que esta posição da Igreja Católica é consensual mesmo entre pessoas não crentes, excepto aquelas que adoptaram um fundamentalismo científico. Autores como Sam Harris (O Fim da Fé), e Richard Dawkins, (A Ilusão de Deus), para só dar dois exemplos) exprimem a sua intolerância religiosa sem meios termos aos afirmarem que a religião só faz mal, é um veneno que é preciso extirpar imediatamente e a todo o custo. Ludwig Krippahl crê que eu considero fundamentalismo científico a mera crítica da religião, mas eu afirmo que a crítica à religião, mesmo que venha do lado da ciência, só pode ser benéfica. Nenhum crente bem informado teme a crítica de uma ciência bem informada. Este não é o caso dos fundamentalismos científicos a que me referi.
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3. Finalmente, citei o caso da posição de um prestigiado cientista, Edward Wilson, que. Apesar de ser um não crente considera que a religião tem um papel importante a desempenhar, juntamente com a ciência, na defesa na natureza. Afirma ele no final da obra A Criação:
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“O que poderemos fazer? Esquecer as diferenças, digo eu. Encontrarmo-nos em terreno comum. Isso pode não ser tão difícil como parece a princípio. …Independentemente daquilo que venha a acontecer às tensões entre as nossas mundividências opostas, sejam quais forem os altos e baixos pelos quais a ciência e a religião passem nas mentes dos homens, perdura ainda a obrigação terreal e, porém, transcendente, que estamos moralmente obrigados a partilhar… o amor pela criação”.
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O fundamentalismo científico e intolerante de Harris e Dawkins para com a religião, contrasta com a tolerância construtiva e inteligente de Wilson. Tenho a sensação de que o Ludwig se aproxima mais de Harris e Dawkins que de Wilson. Estarei enganado?
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Gostei de encontrar de novo o Ludwig, e de voltar mais uma vez à Escola Secundária de Oliveira do Bairro. Agradeço o extraordinário acolhimento recebido por parte dos docentes, em particular pelo nosso anfitrião o Dr. Vítor Oliveira, pela Directora e Vice-Directora da Escola, pelos alunos que nos serviram gentilmente o almoço, pelos que introduziram o debate com uma excelente representação teatral e, finalmente, pelos que seguiram o debate com claro interesse. A todos desejo um bom ano escolar.
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Alfredo Dinis
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«O debate de segunda feira com o Alfredo Dinis, na Escola Secundária de Oliveira do Bairro, foi um pouco curto. Tivemos que respeitar os horários da escola e houve primeiro uma apresentação preparada por alguns alunos, pelo que o tempo não deu para tudo. Mas valeu a pena. O auditório estava cheio e a encenação dos alunos mostrou que tiveram cuidado em pesquisar várias religiões e ilustrou a importância desse conhecimento para a tolerância religiosa. Quanto mais cedo se aprende que a religião dos pais é apenas uma entre muitas mais fácil é ser tolerante para com os crentes das outras.
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No debate em si, o Alfredo criticou como intolerância aquilo a que chamou de “fundamentalismo ateu”, referindo-se a escrever livros que dizem mal da religião. Não sendo tendencioso, repudiou também o extremismo religioso como atentados à bomba e a tortura de pessoas durante a Inquisição. Eu salientei a diferença qualitativa entre exprimir opiniões e fazer mal às pessoas e defendi que a tolerância é a defesa das liberdades individuais e não o direito de exigir que não se diga mal das coisas que gostamos.
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Este é um problema recorrente aqui no blog, onde de vez em quando me chamam intolerante por dizer o que penso. Sempre me pareceu estranho. Exprimir uma opinião, seja em tom neutro ou ofensivo, com ironia, humor ou condescendência, é no máximo um teste à tolerância. Mas nunca pode ser intolerante por si. Intolerante é aquele que se refugia num beiço de ofendido por não ter resposta, reclamando que certas coisas não se dizem. Decidir o que os outros podem ou não podem dizer é que é intolerância.
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Mas concordo com o que o Alfredo apontou, que os ateus muitas vezes ridicularizam e caricaturam as religiões, fazendo-as parecer superstições irracionais. Os religiosos raramente tentam fazer isto do ateísmo, pelo menos intencionalmente. Mas há uma razão. É que a maioria das crenças de qualquer religião é mesmo um monte de superstições irracionais. E ridículas. Quando um padre afirma convicto que Maria era virgem está a defender uma hipótese ginecológica que é tão infundada quanto implausível. E baseando-se apenas no testemunho imputado aos amigos do filho que, em nome da decência, se espera não terem estado em posição para averiguar tal coisa. O critério do coração não justifica afirmar que a hóstia virou deus nem o espirito santo consegue mostrar que alguém tem alma. O apego a tais superstições fazem da religião um alvo ideal para a zombaria. Assumindo, é claro, que não se vai para a prisão por isso, que é o que acontece quando se deixa aos religiosos a definição de tolerância.
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Obrigado ao Vítor Oliveira pelo convite e pela iniciativa, ao Alfredo Dinis por mais esta oportunidade para conversarmos, à directora e vice-directora da ESOB pela simpatia com que nos receberam e aos alunos do curso profissional de empregado de mesa pelo requinte com que nos serviram o almoço.
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Ludwig Krippahl
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quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Ecos do debate sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo

O Ciclo de Debates, promovido pelo Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Escola Secundária c/ 3º CEB de Oliveira do Bairro, é um projecto extra-curricular de carácter transversal e sistemático, concordante com os pressupostos e as finalidades da escola, que procura concretizar uma concepção dinâmica de abertura da instituição à comunidade. Será dinamizado sempre por um conjunto de pessoas de reconhecido mérito científico, social e cultural de áreas diversas, consequentes com o propósito de educar para a cidadania. O objectivo essencial desta iniciativa é proporcionar à comunidade educativa momentos informais de discussão, reflexão e aprendizagem significativos que contribuam para uma efectiva educação na e para a cidadania.

O primeiro evento deste ciclo de debates ocorreu no auditório da ESOB no passado dia 15 de Novembro, pelas 10 horas e 30 minutos. O tema foi o casamento entre pessoas do mesmo sexo e contou com a participação de Miguel Nogueira de Brito e Pedro Múrias, ambos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e co-autores do livro “Casamento entre pessoas do mesmo sexo: sim ou não? Não ou sim?”, editado em 2008 pela Entrelinhas. O debate constituiu uma oportunidade para os presentes assistirem a uma discussão construtiva entre duas pessoas que defendem teses fortemente opostas, pelo que e desde logo estavam ambos obrigados a provar de forma imparcial a sua tese. Para além disso ficou claro que defendiam teses francamente opostas, pelo que estavam igualmente empenhados em negar, questionar ou não aceitar as tentativas para provar a tese contrária. Portanto, foi possível assistir a um diálogo persuasivo simétrico e assimétrico, em que o ónus da prova foi simultaneamente assumido, quer dizer, foi assumido o dever positivo de provar uma tese, mas também o dever negativo de levantar dúvidas em relação às provas da tese contrária.

Para além dos aspectos formais da discussão, há naturalmente a destacar os aspectos substantivos. Assim, além de apresentar as respostas habituais ao problema do casamento entre pessoas do mesmo sexo, Miguel Nogueira de Brito defendeu que o problema subjacente ao tema do casamento entre pessoas do mesmo sexo é o da presença de “dados ético-sociais” ou de valores, no direito, e que o casamento é uma instituição intergeracional com uma conexão necessária com a procriação. A aceitação desta versão forte do casamento, impossibilita, segundo Miguel Nogueira de Brito, que o casamento entre pessoas do mesmo sexo seja aceitável. Para Pedro Múrias, o que está em causa no tema do casamento entre pessoas do mesmo sexo é um problema de um dado tipo de reconhecimento e de legitimação, sendo o casamento apenas um bem jurídico simbólico que o Estado pode, à luz da constituição portuguesa, justificadamente atribuir a qualquer pessoa independentemente da sua orientação sexual.
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O principal ponto de fricção entre ambos foi o argumento da conexão necessária entre casamento e procriação. Para Miguel Nogueira de Brito, esta conexão é uma consequência natural de um conceito de casamento. Para Pedro Múrias, esta conexão é uma invenção arbitrária cuja função retórica é inviabilizar a admissibilidade de pessoas do mesmo sexo a um bem jurídico simbólico - o casamento. Para Miguel Nogueira de Brito, a redução que Pedro Múrias faz do casamento a um bem simbólico, transforma o casamento num símbolo de nada, para ninguém, o qual, em vez de promover a igualdade, consegue apenas submeter o casamento a uma linguagem empobrecedora onde nenhuma identidade se revê. Para Pedro Múrias, a posição de Miguel Nogueira de Brito é conceptualista e invoca apenas, contra o casamento homossexual, uma dificuldade definitória e um resultado social que todos reconheceríamos como mau. Por outro lado, Pedro Múrias considerou que o facto de Miguel Nogueira de Brito não cuidar da distinção entre casamento e comunhão de vida, e não explicar a relação entre uma e outra ideia, acaba por o levar a defender o resultado estranho de, ao negar o casamento aos casais do mesmo sexo que o desejem, negar o próprio sentido do casamento. Mas para Miguel Nogueira de Brito, considerar inconstitucional uma norma legislativa que consagre o casamento entre pessoas do mesmo sexo seria uma atitude com escasso apoio na Constituição, tal como o seria considerar inconstitucional a norma em vigor que o exclui, pelo que o que está verdadeiramente em causa é uma concepção abrangente e complexa que não pode excluir a heterossexualidade em razão da sua relação à procriação, sob pena de termos uma outra qualquer coisa que já não será seguramente casamento.

O debate estendeu-se depois à audiência e Miguel Nogueira de Brito e Pedro Múrias tiveram a oportunidade de esclarecer com maior detalhe os pressupostos, teses e argumentos das suas posições. No final, a escola e os presentes agradeceram a oportunidade de poder presenciar uma discussão empenhada e rigorosa entre duas pessoas solidamente informadas sobre o tema, em que houve seguramente momentos de maior tensão argumentativa, mas que foram sempre acompanhados de um profundo respeito intelectual pelo valor positivo da divergência e do pluralismo razoável.
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domingo, 2 de novembro de 2008

Será o egoísmo psicológico plausível? Porquê?

Foi esta a questão que coloquei aos meus alunos. Deviam responder em 400 palavras tendo o manual apenas como fonte. Esta é a resposta da Ana Grifo:

«Para iniciar, é essencial definir o egoísmo psicológico como uma perspectiva segundo a qual agimos sempre unicamente em função daquilo que julgamos ser do nosso interesse, ou seja, tudo o que fazemos tem por trás o interesse próprio. Seguidamente, há a esclarecer que esta teoria é apenas descritiva sobre o nosso comportamento, e nada nos diz sobre como devemos agir. Trata-se, portanto, de uma teoria que nos mostra como realmente agimos, não sendo por isso teoria normativa.

O defensor do egoísmo psicológico acredita que nós, humanos, apenas realizamos acções que nos irão beneficiar de alguma forma, sendo essa a causa do acto voluntário, que se baseia nos nossos desejos. Este egoísta não admite a possibilidade da existência de actos altruístas, e invoca novamente o interesse próprio como motor daquilo que fazemos. Ele sabe que há pessoas que dedicam grande parte da sua vida a ajudar os outros e a fazer-lhes bem, abdicando de prazeres que contribuiriam para o seu bem-estar, mas afirma que essas pessoas só o fazem com vista a serem recompensadas pelos seus esforços (fama, reconhecimento, esperança de um lugar no Céu,... ). O egoísta psicológico também afirma que o altruísmo é uma ilusão, pois nunca realizamos acções genuinamente altruístas. Concluindo, defende que por obtermos prazer sempre que fazemos bem aos outros, só realizamos essas acções essa satisfação, logo, somos todos egoístas.

Para refutar estes argumentos, temos as críticas ao egoísmo psicológico, que acabam por ser muito mais consistentes que os argumentos a favor. O crítico desta teoria defende que mesmo que as pessoas se limitem a agir voluntariamente de acordo com os seus desejos, isso não quer dizer que todos os seus actos sejam egoístas. Além disso, também diz que o sentimento de prazer que experimentamos quando fazemos bem aos outros pode não ter sido a causa da acção, mas sim o seu efeito. Por outro lado, há ainda que chamar a atenção para o facto de haver uma certa confusão conceptual na defesa do egoísmo psicológico, já que esta teoria toma como sinónimos “interesse próprio” e “egoísta” e ainda “prazer” e “interesse próprio”. Por outras palavras e usando exemplos práticos, podemos dizer que lavar os dentes é uma acção motivada pelo nosso interesse próprio, mas daí não se segue que seja uma acção egoísta. Na mesma linha, fumar também não será uma acção egoísta, apesar de dar prazer a quem o faz. Mas há ainda a salientar que os motivos de uma acção nem sempre são os nossos desejos, pois também agimos por dever. Finalmente, por estarmos perante uma teoria que é sempre capaz de explicar as nossas acções segundo motivos egoístas, torna-a numa teoria irrefutável, só que uma teoria assim é vazia, pois se explica tudo, acaba por não ter qualquer utilidade.

Apesar do egoísmo psicológico ser uma teoria bastante atraente, sobretudo por ser uma teoria parcimoniosa, não é plausível. E será sempre ao defensor do egoísmo psicológico que cabe o ónus da prova, isto é, é ele que tem de provar que todas as acções humanas são motivadas pelo interesse próprio
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