«Em suma, o terrorismo em geral viola ambos os aspectos do direito dos seus alvos a serem tratados como pessoas morais. No terrorismo predatório e moralista/religioso, isso não é menos verdade para as vítimas ou para os vitimados que são, num certo grau, moralmente responsáveis pelo mal que precipitou o ataque terrorista, do que para as que são completamente inocentes. No terrorismo predatório, os actos terroristas violam os direitos humanos de todos os que directa ou indirectamente são por eles atingidos. Para os terroristas, a vida das vítimas imediatas e os seus direitos humanos são irrelevantes. O mesmo vale para a vida dos vitimizados. Os terroristas usam ambos os grupos, contra a sua vontade, como meros meios para os seus fins.[1] Esta questão pode ainda ser encarada em termos do uso comum dos conceitos de justiça e injustiça. O terror dirigido a pessoas inocentes é uma injustiça grave. Isso é ainda mais verdadeiro quando os terroristas imputam às suas vítimas imediatas ou aos vitimizados culpa por associação. É igualmente verdade quando as vítimas são representantes de um ou de vários governos anteriores que cometeram atrocidades em larga escola, tais como tentativas de genocídio, contra os compatriotas ou antepassados dos terroristas. É verdade que um governo actual será manchado pelos crimes originais se, citando um caso presente, recuse categoricamente reconhecer a culpa dos seus antecessores e nada faça para compensar os seus males repugnantes. Também se reconhece verbalmente a culpa dos seus predecessores, mas lava as suas mãos de qualquer responsabilidade moral ou legal no sentido de compensar os que sobreviveram às atrocidades ou os seus familiares, baseados na ideia de que se trata de um novo governo, cuja existência é posterior em várias décadas à dos perpetradores. Seriam em algum grau culpados apenas se os representantes visados do governo actual fossem eles próprios de alguma forma responsáveis pela posição do governo. Doutro modo responsabilizá-los pelo desejo de vingança será equivalente a assassínio puro ou a tentativa de assassínio.
Sempre que as vítimas imediatas ou os vitimizados sejam pessoas inocentes, o terrorismo dirigido contra eles constitui uma injustiça grave, como “punir” uma pessoa inocente por um crime que não cometeu. Neste sentido, a justiça consiste em alguém receber o que merece, em resultado de um acto ou de uma omissão.
Pode defender-se que alguns actos terroristas podem constituir uma punição justa pelos males cometidos pelas próprias vítimas imediatas ou pelos vitimizados, contra os terroristas ou contra as pessoas que lhe são próximas. Mas, em primeiro lugar, a punição não pode ser justa se estiver baseada na negação dos direitos humanos ou outros por parte dos malfeitores. Em segundo lugar, existe uma grande diferença entre a “punição” terrorista e a punição justa da lei, que pressupõe o estabelecimento da culpa baseado na prova. Por definição, os terroristas não respeitam ou não podem respeitar os direitos e as protecções legais das vítimas imediatas e dos vitimizados, mas erguem-se a si mesmos como juízes e júri – e executantes – não dando oportunidade de os “acusados” se defenderem a si próprios ou de serem defendidos por um advogado contra as alegações dos terroristas, acabando por não ter qualquer possibilidade de se defenderem fisicamente dos seus assaltantes.[2] Isso é o corolário adicional da negação por parte dos terroristas dos direitos morais e legais das vítimas imediatas e dos vitimizados.
Estas críticas aplicam-se igualmente ao terrorismo a partir de cima e ao terrorismo a partir de baixo. O caso de naquele a “organização” terrorista ser o próprio governo ou algum seu braço armado (por exemplo, a polícia secreta), e do terrorismo ser praticado contra os cidadãos considerados perigosos ou subversivos, não altera moralmente a situação. É terrorismo com outro nome qualquer. Foi o que aconteceu no Brasil (na década de sessenta), na Argentina (na década de setenta), e em outros países latino-americanos, quando esquadrões da morte anti-comunistas de extrema-direita mataram e executaram pessoas suspeitas de simpatizar com ideias de esquerda. Em alguns países “a igreja e as organizações de defesa dos direitos humanos foram particularmente atingidas.”[3]
Concluindo: a discussão da natureza do terrorismo prepara o caminho para a questão central: saber se o terrorismo é ou não moralmente certo, moralmente justificável. Para responder a essa questão foram apresentados dois tipos de princípios/regras éticas, (A) direitos humanos aplicáveis, e (B) princípios/regras da guerra justa aplicáveis. (…) Tanto em relação a (A) como em relação a (B), provou-se que o terrorismo em geral, e toda a diversidade de tipos e formas, é sempre moralmente errado.
Uma vez que o terrorismo predatório e retaliatório, tal como a pilhagem e a retaliação em geral, são claramente errados, a investigação centrou-se no terrorismo político e moralista/religioso, o qual é defendido por alguns – com aparente plausibilidade – como sendo, em determinadas circunstâncias, moralmente justificado. Contudo, argumentou-se que estes dois tipos de terrorismo são errados, uma vez que ambos violam certos direitos humanos básicos e princípios ou regras aplicáveis da guerra justa.»
[1] Cfr. A condenação do terrorismo de Abraham Edel com base no princípio kantiano de que “as pessoas devem ser tratadas como fins em si mesmas e não como meros meios”. Os terroristas tratam necessariamente os seres humanos como meios para alcançar os seus fins políticos, económicos e sociais”. Citado por Burton M. Leiser na introdução à secção sobre o terrorismo no seu Values in Conflict (New York, 1981), 343.
[2] Ver Haig Khatchadourian, “Is Political Assassination Ever Morally Justified?” in Assassiantion, Harold Zellner, ed. (Boston, 1975), 41-55, a propósito de uma crítica similar ao assassinato político.
[3] Leonard B. Weinberg and Paul B. Davis, Introduction to Political Terrorism (New York, 1989), 72.
Sempre que as vítimas imediatas ou os vitimizados sejam pessoas inocentes, o terrorismo dirigido contra eles constitui uma injustiça grave, como “punir” uma pessoa inocente por um crime que não cometeu. Neste sentido, a justiça consiste em alguém receber o que merece, em resultado de um acto ou de uma omissão.
Pode defender-se que alguns actos terroristas podem constituir uma punição justa pelos males cometidos pelas próprias vítimas imediatas ou pelos vitimizados, contra os terroristas ou contra as pessoas que lhe são próximas. Mas, em primeiro lugar, a punição não pode ser justa se estiver baseada na negação dos direitos humanos ou outros por parte dos malfeitores. Em segundo lugar, existe uma grande diferença entre a “punição” terrorista e a punição justa da lei, que pressupõe o estabelecimento da culpa baseado na prova. Por definição, os terroristas não respeitam ou não podem respeitar os direitos e as protecções legais das vítimas imediatas e dos vitimizados, mas erguem-se a si mesmos como juízes e júri – e executantes – não dando oportunidade de os “acusados” se defenderem a si próprios ou de serem defendidos por um advogado contra as alegações dos terroristas, acabando por não ter qualquer possibilidade de se defenderem fisicamente dos seus assaltantes.[2] Isso é o corolário adicional da negação por parte dos terroristas dos direitos morais e legais das vítimas imediatas e dos vitimizados.
Estas críticas aplicam-se igualmente ao terrorismo a partir de cima e ao terrorismo a partir de baixo. O caso de naquele a “organização” terrorista ser o próprio governo ou algum seu braço armado (por exemplo, a polícia secreta), e do terrorismo ser praticado contra os cidadãos considerados perigosos ou subversivos, não altera moralmente a situação. É terrorismo com outro nome qualquer. Foi o que aconteceu no Brasil (na década de sessenta), na Argentina (na década de setenta), e em outros países latino-americanos, quando esquadrões da morte anti-comunistas de extrema-direita mataram e executaram pessoas suspeitas de simpatizar com ideias de esquerda. Em alguns países “a igreja e as organizações de defesa dos direitos humanos foram particularmente atingidas.”[3]
Concluindo: a discussão da natureza do terrorismo prepara o caminho para a questão central: saber se o terrorismo é ou não moralmente certo, moralmente justificável. Para responder a essa questão foram apresentados dois tipos de princípios/regras éticas, (A) direitos humanos aplicáveis, e (B) princípios/regras da guerra justa aplicáveis. (…) Tanto em relação a (A) como em relação a (B), provou-se que o terrorismo em geral, e toda a diversidade de tipos e formas, é sempre moralmente errado.
Uma vez que o terrorismo predatório e retaliatório, tal como a pilhagem e a retaliação em geral, são claramente errados, a investigação centrou-se no terrorismo político e moralista/religioso, o qual é defendido por alguns – com aparente plausibilidade – como sendo, em determinadas circunstâncias, moralmente justificado. Contudo, argumentou-se que estes dois tipos de terrorismo são errados, uma vez que ambos violam certos direitos humanos básicos e princípios ou regras aplicáveis da guerra justa.»
[1] Cfr. A condenação do terrorismo de Abraham Edel com base no princípio kantiano de que “as pessoas devem ser tratadas como fins em si mesmas e não como meros meios”. Os terroristas tratam necessariamente os seres humanos como meios para alcançar os seus fins políticos, económicos e sociais”. Citado por Burton M. Leiser na introdução à secção sobre o terrorismo no seu Values in Conflict (New York, 1981), 343.
[2] Ver Haig Khatchadourian, “Is Political Assassination Ever Morally Justified?” in Assassiantion, Harold Zellner, ed. (Boston, 1975), 41-55, a propósito de uma crítica similar ao assassinato político.
[3] Leonard B. Weinberg and Paul B. Davis, Introduction to Political Terrorism (New York, 1989), 72.
Haig Khatchadourian, “The Morality of Terrorism” in White, James E. (2006). Contemporary Moral Problems: War and Terrorism. Belmont: Thompson Wadsworth, pp. 34-47 (Traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira)
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