domingo, 23 de março de 2008

Michael Slote, "Fome, Riqueza e Empatia" (Parte III)

«Acredito que o conceito ou fenómeno da empatia também pode auxiliar-nos a formular uma resposta baseada numa ética das virtudes às questões levantadas por Singer em “Fome, Riqueza e Moralidade” (e noutros textos). Uma ética do cuidado de tal forma expandida e reconfigurada que se funde numa ideia de empatia humana desenvolvida tal que nos dê razão para defender, ao contrário de Singer, que nada fazer para salvar uma criança distante através, digamos, de uma pequena contribuição para a Oxfam não é moralmente tão censurável ou errado como nada fazer para salvar a vida de uma criança que se está a afogar mesmo à nossa frente. Veremos como uma tal ética sentimentalista do cuidado empático poderá permitir estabelecer outras distinções morais importantes, e depois especularei brevemente sobre as possibilidades de uma tal teoria enquanto sistema geral e sistemático de aproximação à moralidade e à metaética.
Os filósofos morais recentes têm escrito bastante sobre a questão levantada pelo ensaio de Singer, a saber: que quantidade do nosso tempo, dinheiro e outros recursos, estamos obrigados a gastar para salvar as vidas de pessoas que nos são desconhecidas mas que estamos em condições de salvar? Mas esta questão, como sugeri, depende de saber se estamos mais obrigados a salvar uma criança que se está a afogar mesmo à frente dos nossos olhos do que uma qualquer criança que conhecemos apenas indirectamente (como parte de um grupo identificado e não por conhecimento pessoal directo). Como Singer refere no seu artigo, a diferença mais óbvia entre a criança que se está a afogar e a criança que podemos salvar através de uma contribuição para a Oxfam é apenas de distância espacial, e o próprio Singer defende que a mera distância não pode ser moralmente relevante para as nossas obrigações de ajudar (ou em que medida é moralmente errado ou censurável não ajudar). Em resultado disso, ele conclui que estamos tão obrigados a contribuir para a Oxfam como a salvar a criança que se está a afogar, e a repetição deste argumento levou-o a concluir que a maioria de nós está moralmente obrigado a sacrificar enormes quantidades de tempo, dinheiro, conforto, etc., para ajudar outras pessoas longínquas (ou próximas) que estejam em piores condições do que nós.
Contudo, a forma apressada como Singer desvaloriza a distância tem sido recentemente criticada com base em considerações que pretendo examinar aqui ao mesmo tempo que defenderei que a empatia fornece de facto uma base mais firme do que a distância para distinguir a força das nossas obrigações para com a criança que se está a afogar e as nossas obrigações para com aqueles que podemos ajudar apenas (digamos) através de organizações como a Oxfam. A distância espacial e a (diminuição) da empatia estão de facto correlacionadas entre si numa grande variedade de casos, e este facto tem servido para ajudar a obscurecer o papel potencial que a empatia tem na explicação de tipos de distinções que as pessoas, intuitiva ou comummente, querem fazer relativamente aos casos apresentados por Singer. Mas antes de dizer alguma coisa sobre o papel da empatia, será útil dizer algo mais sobre o papel que a mera distância espacial pode ter em casos do tipo Singer.
Alguns dos que acabaram por considerar a relevância moral da distância, encararam esse problema como envolvendo efectivamente duas questões separadas: primeiro, saber se intuitivamente encaramos a distância como relevante para as nossas obrigações e, segundo, saber se reacções intuitivas diferentes relativamente a casos de terceiros ou das próprias pessoas que envolvem a distância mostrarão alguma coisa de importante (sobre as diferenças) nas nossas obrigações actuais. Por exemplo, no seu livro Vivendo bem e Deixando Morrer, Peter Unger considera ambos os aspectos e defende uma resposta negativa para ambas as questões
[1]. Ele pensa que a nossas intuições superficiais sobre os casos podem, em última análise, não ser importantes para a teoria moral determinar em que se fundam de facto as nossas obrigações. Mas também defende que as nossas intuições morais divergentes sobre casos relevantes não consideram a distância (diz ele) como algo notável ou visível.
Contudo, Frances Kamm discorda destas posições. Ela pensa que (uma noção bastante complexa de) distância ajuda de facto a explicar as nossas intuições morais diferentes sobre os mesmos casos, ao mesmo tempo que é relevante para as nossas obrigações morais nesses casos
[2]. Singer pede-nos para considerar que a diferença entre a situação em que podemos salvar uma criança de afogamento com poucos custos para nós e a situação em que podemos salvar uma criança distante de morrer à fome fazendo uma pequena contribuição para uma organização de luta contra a fome, e observa, mas também deplora a nossa tendência inicial para pensar que salvar uma criança é mais obrigatório no primeiro caso do que no segundo. Mas Kamm acredita que o factor distância (ou proximidade) possui relevância moral nestes dois casos, e para determinar que outros factores podem ser considerados determinantes para os nossos juízos morais nestes casos (como saber se há outras pessoas que estão em posição privilegiada para ajudar), apresenta outros exemplos que poderão permitir identificar a força moral intuitiva e real do factor distância (ou proximidade).
Tanto o livro de Unger como o ensaio de Kamm são ricos e extremamente complexos, e o que quero aqui afirmar não se aproxima nem de perto nem de longe do que defenderam. Mas acho interessante e um pouco surpreendente que nenhum deles tenha considerado a importância moral das nossas tendências ou capacidades empáticas. Por exemplo, ao negar a relevância moral intuitiva ou actual da distância, Unger acaba por apresentar uma categoria da notoriedade/visibilidade (também uma categoria do dramático e do emocionante que discutirei um pouco mais tarde) que considera relevante para os nossos juízos intuitivos, mas nunca considera como aquilo que pode ser considerado uma noção afim – que podemos rápida e imediatamente empatizar com – pode ser ou pensar-se ser relevante aqui. Kamm considera e rejeita o que Unger afirma sobre a notoriedade e a visibilidade (também fala em vívidez) a favor da ideia de que (compreendida a complexidade) a distância é relevante para distinguir entre casos como o da criança afogada e da criança esfomeada referidos anteriormente, mas por algum motivo o tema da empatia nunca é aflorado
[3].
Mas acredito que a noção de empatia pode ajudar-nos a encontrar as nossas melhores reacções intuitivas para o tipo de casos descritos por Singer, Unger e Kamm, do que os factores explicativos que apresentam, e deixem-me dizer algo mais a este respeito. Nos exemplos de afogamento familiares, o perigo ou a dificuldade de alguém possui notoriedade, visibilidade, vívidez, e imediatez (um termo que por razões que mencionarei a seguir, prefiro, mas que Singer, Unger e Kamm não usam) que envolve uma empatia humana normal (e que consequentemente provocam simpatia e preocupação) de uma forma tal que perigos similares que apenas conhecemos não possuem. Se a moralidade é uma questão de preocupação ou cuidado empático para/com a pessoa, podemos não só explicar por que razão não ajudar no caso do afogamento nos parece pior do que não ajudar na erradicação da fome, mas também justificar essa intuição moral comum.»

[1] New York: Oxford University Press, 1996.
[2] Cfr. o seu “Famine Ethics” in Jamieson, Dale, ed., Singer and Hits Critics, Oxford: Basil Blackwell, 199, pp. 162-208.
[3] Não penso que Kamm ignore a empatia por pensar que é demasiado subjectiva. A notabilidade de Unger, como ela refere, possui um aspecto subjectivo, mas também pode ser vista de uma forma mais objectiva enquanto o que é ou pode ser mais saliente para um observador normal. Mas a empatia também permite tal distinção, e a perspectiva que pretendo defender focaliza-se no que se designa (mais ou menos) por empatia (ou envolvendo preocupações empáticas) num ser humano com uma capacidade completamente desenvolvida para empatizar.

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