«A ética ambiental trata de um ponto de vista racional os problemas morais relacionados com o ambiente. Este ramo da ética tem cada vez mais importância, uma vez que os problemas ambientais estão hoje bastante presentes porque a nossa capacidade de intervenção sobre o meio é cada vez maior. A ideia de que a ética ambiental é apenas ética aplicada é errada. Em primeiro lugar, porque a ética constrói-se de baixo para cima, da experiência moral para os princípios mais abstractos e não ao contrário. A palavra "ética" procede do grego (ethos), que significava no início morada e depois costume ou carácter. A palavra "moral" vem do latim (mos, moris) e quer dizer praticamente o mesmo, pois está relacionada com a morada e os costumes. Pois bem, a moral, como a morada, não se pode começar pelo telhado, como sugere a ideia de ética aplicada. Considerando a ética ambiental como ética aplicada damos a entender que já dispomos de um conjunto de princípios gerais, de validade universal e que a única coisa que temos a fazer é aplicá-los aos casos concretos a que se reduzem os problemas de ética ambiental. Esta imagem da ética dá origem a confusão. Os tais princípios, quando os há, são fruto da experiência moral decorrente da acção concreta em circunstâncias concretas. Aristóteles afirmava que apenas realizando acções justas se faz algo justo e que "o que há a fazer depois de ter aprendido, aprendemo-lo fazendo"[1].
Em segundo lugar, como todos sabemos, a posse de princípios gerais não garante que actuemos correctamente nos casos concretos, pois é necessária prudência e equidade para aplicar os princípios gerais, caso contrário, a sua aplicação mecânica pode dar origem a injustiças maiores. Por sua vez, a prudência e a equidade não podem ser reduzidas a princípios gerais, porque são saberes vivos.
Em terceiro lugar, a relação entre os princípios e os casos particulares é de ida e volta, dialéctica. Falando em concreto de ética ambiental, pode dar origem a que a ética geral acabe por sofrer modificações importantes por causa do aparecimento de um novo núcleo de problemas. De facto, isto é o que está a acontecer. As questões de ética ambiental estão a ameaçar as mais reputadas tradições do pensamento ético, incluindo, defendem alguns, a própria tradição ética ocidental. Veja-se o exemplo: a tradição contratualista moderna, com prestigiados representantes actuais, como John Rawls, defende que uma sociedade é justa se as suas normas de convivência podem ser pensadas como um contrato aceite livremente em condições de igualdade por todos os afectados. Pensa-se, por isso, em pessoas livres e iguais que convivem. Nada disto nos ajuda quando falamos de justiça nas relações entre gerações muito distantes, ou entre pessoas e animais não humanos. Como consequência, o novo domínio de problemas ambientais não é meramente um campo de aplicação de normas éticas pré-existentes, mas um banco de testes para estas e uma fonte de sugestões para um novo pensamento ético.
Poderíamos perguntar porque faz falta uma reflexão ética ambiental? Não serão suficientes as nossas intuições e sentimentos? Não podemos, nem devemos deles prescindir, mas sem uma discussão racional não é possível decidir correctamente sobre os problemas básicos nem sobre os conflitos. As políticas do meio ambiente procuram manter um meio limpo e utilizável para as pessoas, preservar alguns espaços naturais e proteger a biodiversidade. Mas pode haver sempre quem se pergunte porque devemos pagar impostos ou aceitar restrições para favorecer a biodiversidade. Além disso, estes três objectivos podem entrar em conflito e ameaçar-se mutuamente, de maneira que às vezes tenhamos que decidir entre um ou outro, ou conciliá-los criativamente: para manter a diversidade ou a limpeza pode fazer falta a intervenção humana, com a qual se reduz o carácter natural de um meio envolvente. Como escolher nestes casos e com que critérios? A natureza e os seres naturais têm valor em si ou tudo se reduz à sua utilidade para o ser humano? Quais têm valor e porquê e como se pode comparar esse valor com o bem-estar dos seres humanos quando há que conciliar ambos? Será que se deve decretar uma moratória na experimentação de medicamentos em animais ou o interesse humano justifica o sofrimento dos animais não humanos? O que acontece quando o interesse da espécie se opõe ao de certos indivíduos? O que vale mais, um indivíduo com maior valor intrínseco (por exemplo, um primata) ou um vivente que pertença a uma espécie em perigo de extinção? Sob que critérios se deve decidir o conflito de interesses entre gerações diferentes? Como distribuir com justiça riscos ambientais entre pessoas e nações diferentes? Dificilmente se podem abordar todas estas questões apenas com as nossas intuições morais e bons sentimentos (ainda que evidente sem eles também não seja possível responder-lhes).
Em definitivo, a reflexão ética é necessária também quando se discutem questões ambientais. É necessária uma base racional para tomar decisões ambientais boas e correctas de um ponto de vista moral.»
Em segundo lugar, como todos sabemos, a posse de princípios gerais não garante que actuemos correctamente nos casos concretos, pois é necessária prudência e equidade para aplicar os princípios gerais, caso contrário, a sua aplicação mecânica pode dar origem a injustiças maiores. Por sua vez, a prudência e a equidade não podem ser reduzidas a princípios gerais, porque são saberes vivos.
Em terceiro lugar, a relação entre os princípios e os casos particulares é de ida e volta, dialéctica. Falando em concreto de ética ambiental, pode dar origem a que a ética geral acabe por sofrer modificações importantes por causa do aparecimento de um novo núcleo de problemas. De facto, isto é o que está a acontecer. As questões de ética ambiental estão a ameaçar as mais reputadas tradições do pensamento ético, incluindo, defendem alguns, a própria tradição ética ocidental. Veja-se o exemplo: a tradição contratualista moderna, com prestigiados representantes actuais, como John Rawls, defende que uma sociedade é justa se as suas normas de convivência podem ser pensadas como um contrato aceite livremente em condições de igualdade por todos os afectados. Pensa-se, por isso, em pessoas livres e iguais que convivem. Nada disto nos ajuda quando falamos de justiça nas relações entre gerações muito distantes, ou entre pessoas e animais não humanos. Como consequência, o novo domínio de problemas ambientais não é meramente um campo de aplicação de normas éticas pré-existentes, mas um banco de testes para estas e uma fonte de sugestões para um novo pensamento ético.
Poderíamos perguntar porque faz falta uma reflexão ética ambiental? Não serão suficientes as nossas intuições e sentimentos? Não podemos, nem devemos deles prescindir, mas sem uma discussão racional não é possível decidir correctamente sobre os problemas básicos nem sobre os conflitos. As políticas do meio ambiente procuram manter um meio limpo e utilizável para as pessoas, preservar alguns espaços naturais e proteger a biodiversidade. Mas pode haver sempre quem se pergunte porque devemos pagar impostos ou aceitar restrições para favorecer a biodiversidade. Além disso, estes três objectivos podem entrar em conflito e ameaçar-se mutuamente, de maneira que às vezes tenhamos que decidir entre um ou outro, ou conciliá-los criativamente: para manter a diversidade ou a limpeza pode fazer falta a intervenção humana, com a qual se reduz o carácter natural de um meio envolvente. Como escolher nestes casos e com que critérios? A natureza e os seres naturais têm valor em si ou tudo se reduz à sua utilidade para o ser humano? Quais têm valor e porquê e como se pode comparar esse valor com o bem-estar dos seres humanos quando há que conciliar ambos? Será que se deve decretar uma moratória na experimentação de medicamentos em animais ou o interesse humano justifica o sofrimento dos animais não humanos? O que acontece quando o interesse da espécie se opõe ao de certos indivíduos? O que vale mais, um indivíduo com maior valor intrínseco (por exemplo, um primata) ou um vivente que pertença a uma espécie em perigo de extinção? Sob que critérios se deve decidir o conflito de interesses entre gerações diferentes? Como distribuir com justiça riscos ambientais entre pessoas e nações diferentes? Dificilmente se podem abordar todas estas questões apenas com as nossas intuições morais e bons sentimentos (ainda que evidente sem eles também não seja possível responder-lhes).
Em definitivo, a reflexão ética é necessária também quando se discutem questões ambientais. É necessária uma base racional para tomar decisões ambientais boas e correctas de um ponto de vista moral.»
[1] Ética a Nicómaco, 1103b 32 e ss.
Marcos, Alfredo (2001). Ética ambiental. Valladolid: Universidad de Valladolid, pp. 17-9 (Traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira)
Sem comentários:
Enviar um comentário