«É crucial separar três importantes problemas filosóficos acerca do terrorismo[1]. O primeiro é o problema da natureza do terrorismo. O segundo diz respeito à justificação moral do terrorismo. O terceiro diz respeito ao possível papel do terrorismo. Alguns filósofos confundem estes problemas nas suas tentativas de discussão do terrorismo. Não vêem que a natureza do terrorismo e o que o torna moralmente justificável (ou não) são questões diferentes. Por exemplo, C. A. J. Coady escreve,
Qual é a lição desta digressão para a nossa discussão do terrorismo e da violência revolucionária? Seguramente esta, que devemos continuar a distinguir entre dois tipos abrangentes de violência revolucionária, a que é dirigida para o que serão alvos legítimos se a revolução é justificada e a que é dirigida para os não-combatentes. Devemos reservar o termo “terrorismo” apenas para esta e pode ser inequivocamente condenada.[2]
É surpreendente, então, que tais pensadores não tenham sequer considerado a possibilidade de o terrorismo possuir um papel (positivo). Pois dos seus pontos de vista, o terrorismo envolve essencialmente fazer mal a pessoas inocentes. Por isso, “atingir pessoas inocentes é o traço essencial do terrorismo, tanto conceptual como moralmente”[3], pois viola a intuição fundamental de que pessoas inocentes não devem ser alvos ou vítimas de ataques físicos violentos[4]. Como pode então ser moralmente justificado?[5] Que papel possível pode ter o terrorismo numa sociedade para além de um papel negativo?
O terrorismo tem sido entendido de diversas formas:
O terrorismo tem sido entendido de diversas formas:
(a) “Um acto político, habitualmente cometido por um grupo organizado, que envolve a morte intencional ou outros danos severos de civis ou a sua ameaça ou ataque severo e intencional à propriedade de civis ou a sua ameaça.”[6]
(b) “A expressão de desdém pelas instituições da sociedade civil em geral e, especificamente, pelo objectivo de limitar a prática da violência.”[7]
(c) Uma acção ou sequência de acções políticas … para suscitar na população “alvo” o terror, por intermédio de actos arbitrários de violência.”[8]
(d) Um acto terrível usado para coagir através da ameaça de um sério mal a um ou mais pessoas se a ameaça não for considerada.”[9]
(e) “O terrorismo é o uso de meios coercivos contra populações civis com vista a alcançar fins políticos, religiosos ou outros.”[10]
A dificuldade com estas definições de terrorismo relaciona-se com facto de incluir de forma não avisada para na definição de terrorismo (por implicação ou mais directamente) de uma característica que é obviamente (segundo a maioria) ou moralmente problemática ou injustificada. Ao incluir na definição ou na concepção de “terrorismo” elementos como “Prejudicar os civis” em (a), “desdém, … pelo objectivo de limitar a prática da violência” em (b), “actos arbitrários de violência” em (c), a vagueza do referente a “pessoas” em (d) [bem como o facto de que (d) não reconhece que a propriedade pode ser um alvo terrorista], e “contra populações civis” em (e), cada uma das definições remete para ideia tanto de mal adverso ou injustificável contra pessoas inocentes (entendidos como alvos não legítimos/civis).[11] Não admira que a maior parte dos filósofos que escreveram sobre este tópico não acreditem que o terrorismo possa ser alguma vez moralmente justificado.
Talvez os filósofos concebam o terrorismo como dano necessário ou a ameaça de dano terrorista a civis ou inocentes a partir da convicção de que o terrorismo decorre de motivos ou razões que não consideram seriamente a ideia de que os inocentes não devem ser atingidos sempre que tal seja possível. Mas mesmo que o terrorismo seja indiferente a esta ideia, dificilmente se poderá seguir que o terrorismo deve dirigir-se contra inocentes. Com efeito, a maioria da actividade terrorista, moralmente justificada ou não, dirige-se contra um malfeitor ou grupo de malfeitores. Deste modo, o terrorismo implica, ou pode razoavelmente implicar, um elemento essencial que implique a tentativa de evitar alvos inocentes. A simples plausibilidade de conceber algum terrorismo como resultante de certos motivos contra aqueles que são percebidos como culpados de acções significativamente más, então sugere que o terrorismo não implique por natureza o ataque a alvos inocentes.»
Talvez os filósofos concebam o terrorismo como dano necessário ou a ameaça de dano terrorista a civis ou inocentes a partir da convicção de que o terrorismo decorre de motivos ou razões que não consideram seriamente a ideia de que os inocentes não devem ser atingidos sempre que tal seja possível. Mas mesmo que o terrorismo seja indiferente a esta ideia, dificilmente se poderá seguir que o terrorismo deve dirigir-se contra inocentes. Com efeito, a maioria da actividade terrorista, moralmente justificada ou não, dirige-se contra um malfeitor ou grupo de malfeitores. Deste modo, o terrorismo implica, ou pode razoavelmente implicar, um elemento essencial que implique a tentativa de evitar alvos inocentes. A simples plausibilidade de conceber algum terrorismo como resultante de certos motivos contra aqueles que são percebidos como culpados de acções significativamente más, então sugere que o terrorismo não implique por natureza o ataque a alvos inocentes.»
[1] Existe, de algum modo, o reconhecimento de que os problemas da definição do “terrorismo” e da sua justificação precisam ser considerados separadamente. Por exemplo, Virginia Held afirma que a questão da definição é amiúde confundida com as questões relacionadas com a justificação legal do terrorismo enquanto prática de mudança política [V. Held, “Terrorism, Rights, and Political Goals”, in R. G. Frey e C. Morris, Editors, Violence, Terrorism, and Justice (Cambridge: Cambridge University Press, 1991), p. 59]. Mas isto não é o mesmo que considerar o conflito entre problemas da definição do “terrorismo” e da sua justificação moral, tal como eu defendo. Além de que, R. G. Frey e C. Morris reconhecem que existem de facto duas questões separadas, mas que são “difíceis de separar” (R. G. Frey e C. Morris, Editors, Violence, Terrorism, and Justice, p. 1). Não insistem, no entanto, que as duas questões sejam, como eu fiz, separadas em função da análise do terrorismo. Finalmente, Terrence L. Moore defende que se construirmos o “terrorismo” como sendo por definição imoral, então inevitáveis desacordos sobre a moralidade do terrorismo conduzirão a desacordos sobre a que de facto o terrorismo se refere [Terrence L. Moore, “The Nature and Evaluation of Terrorism”, Ph.D., University os Pittsburgh, 1987, p. 59]. O que defendo, obviamente, não é apenas o facto de que introduzir o dano a não combatentes ou inocentes na definição de “terrorismo” conduz a desacordos futuros na discussão do terrorismo, mas que ao fazê-lo deixa por responder a questão moral contra o terrorismo. Este aspecto é reconhecido por G. Wallace. Contudo, enquanto que Wallace tenta evitar o problema de misturar a natureza e a justificação do terrorismo sem que haja “uma definição formal de terrroismo,” [G. Wallace, “Terrorism and the Argument from Analogy”, Internacional Journal of Moral and Social Issues, 6 (1999), p. 150], e propus e expliquei uma definição de “terrorismo” em que distingo as questões da natureza, da justificação moral e do papel possível do terrorismo.
[2] C.A.J Coady, “The Morality of Terrorism”, Philosophy, 60 (1985), p. 65.
[3] Igor Primoratz, “What is Terrorism?”, Journal of Applied Philosophy, 7 (1990), p. 123. é de destacar que na sua crítica da definição de “terrorismo” de Igor Primoratz, Walter Sinnott-Armstrong não desafia a ideia de Primoratz de que o dano de inocentes é essencial ao terrorismo [Walter Sinnot-Armstrong, “On Primoratz’s Defnition of Terrorism”, Journal of Applied Philosophy, 8 (1991), pp. 115-20]. Para uma outra crítica da definição de “terrorismo” de Primoratz, ver Tony Dardis “Primoratz on Terrorism”, Journal of Applied Philosophy, 9 (1992), pp. 93-7.
[4] Michael Walzer, Just and Injust Wars; (Harmondsworth: Penguin Books, 1980=, p. 145. Held defende que não só o uso de uma linguagem comum tem escavado a definição da natureza do terrorismo, mas também contribuiu para introduzir essas definições do terrorismo um (pré)juízo moral contra ele. Este viés torna impossível para questionar, até de um ponto de vista filosófico, se o terrrorismo pode ou não alguma vez ser moralmente justificado. Até pensadores respeitáveis como Walzer assumiram que o terrorismo é moralmente errado sem apresentar argumentos contra a sua imoralidade (Veja-se Held, “Terrorism, Rights, and Political Goals”, p. 65).
[5] Uma outra posição contra a justificação moral do terrorismo é apresentada por H. Khatchadourian em “Terrorism and Morality”, Journal of Applied Philosophy, 5 (1988), pp. 131-45; The Morality of Terrorism (New York: Peter Lang Publishing, 1988), Capítulos 2-4. è de destacar, contudo, que mesmo que o dano intencional de pessoas acabe por ser essencial ao terrorismo, não é óbvio que o terrorismo seja sempre moralmente injustificado, como defende G. Wallace, “Area Bombing, Terrorism and The Death os innocents”, Journal of Applied Philosophy, 6 (1989), pp. 3-15.
[6] Coady, “The Morality of Terrorism”, p. 52. Um outro autor que procura fundir as duas questões da definição do terrorismo e da justificação moral do terrorismo é Martin Hughes, “Terrorism and national Security”, Philosophy, 57 (1982), p. 5.
[7] Loren Lomasky, “The Political Significance of Terrorism”, in R. G. Frey and Christopher Morris, Editors, Violence, Terrorism, and Justice (Cambridge: Cambridge University Press, 1991), pp. 100, 104.
[8] Jan Narveson, “Terrorism and Morality”, in R. G. Frey and Christopher Morris, Editors, Violence, Terrorism, and Justice (Cambridge: Cambridge University Press, 1991), pp. 119.
[9] Carl Wellman, “On Terrorism Itself”, in Joe P. White, Editor, Assent/Dissent (Dubuque: Kendall/Hunt Publishing Company, 1984), pp. 254-5.
[10] Noam Chomsky, 9/11 (New York: Seven Stories Press), p. 57.
[11] Para além disso, A definição de terrorismo de Chomsky ignora erradamente o facto de que o terrorismo pode ser dirigido a alvos militares, como provam os exemplos do 11 de Setembro de 2001, como o ataque ao Edifício do Pentágono, a resistência judaica ao militarismo Nazi durante a II Guerra Mundial, ou mesmo os ataques terroristas de nativos americanos aos militares dos EUA durante as campanhas anti-Índios no século XIX.
[2] C.A.J Coady, “The Morality of Terrorism”, Philosophy, 60 (1985), p. 65.
[3] Igor Primoratz, “What is Terrorism?”, Journal of Applied Philosophy, 7 (1990), p. 123. é de destacar que na sua crítica da definição de “terrorismo” de Igor Primoratz, Walter Sinnott-Armstrong não desafia a ideia de Primoratz de que o dano de inocentes é essencial ao terrorismo [Walter Sinnot-Armstrong, “On Primoratz’s Defnition of Terrorism”, Journal of Applied Philosophy, 8 (1991), pp. 115-20]. Para uma outra crítica da definição de “terrorismo” de Primoratz, ver Tony Dardis “Primoratz on Terrorism”, Journal of Applied Philosophy, 9 (1992), pp. 93-7.
[4] Michael Walzer, Just and Injust Wars; (Harmondsworth: Penguin Books, 1980=, p. 145. Held defende que não só o uso de uma linguagem comum tem escavado a definição da natureza do terrorismo, mas também contribuiu para introduzir essas definições do terrorismo um (pré)juízo moral contra ele. Este viés torna impossível para questionar, até de um ponto de vista filosófico, se o terrrorismo pode ou não alguma vez ser moralmente justificado. Até pensadores respeitáveis como Walzer assumiram que o terrorismo é moralmente errado sem apresentar argumentos contra a sua imoralidade (Veja-se Held, “Terrorism, Rights, and Political Goals”, p. 65).
[5] Uma outra posição contra a justificação moral do terrorismo é apresentada por H. Khatchadourian em “Terrorism and Morality”, Journal of Applied Philosophy, 5 (1988), pp. 131-45; The Morality of Terrorism (New York: Peter Lang Publishing, 1988), Capítulos 2-4. è de destacar, contudo, que mesmo que o dano intencional de pessoas acabe por ser essencial ao terrorismo, não é óbvio que o terrorismo seja sempre moralmente injustificado, como defende G. Wallace, “Area Bombing, Terrorism and The Death os innocents”, Journal of Applied Philosophy, 6 (1989), pp. 3-15.
[6] Coady, “The Morality of Terrorism”, p. 52. Um outro autor que procura fundir as duas questões da definição do terrorismo e da justificação moral do terrorismo é Martin Hughes, “Terrorism and national Security”, Philosophy, 57 (1982), p. 5.
[7] Loren Lomasky, “The Political Significance of Terrorism”, in R. G. Frey and Christopher Morris, Editors, Violence, Terrorism, and Justice (Cambridge: Cambridge University Press, 1991), pp. 100, 104.
[8] Jan Narveson, “Terrorism and Morality”, in R. G. Frey and Christopher Morris, Editors, Violence, Terrorism, and Justice (Cambridge: Cambridge University Press, 1991), pp. 119.
[9] Carl Wellman, “On Terrorism Itself”, in Joe P. White, Editor, Assent/Dissent (Dubuque: Kendall/Hunt Publishing Company, 1984), pp. 254-5.
[10] Noam Chomsky, 9/11 (New York: Seven Stories Press), p. 57.
[11] Para além disso, A definição de terrorismo de Chomsky ignora erradamente o facto de que o terrorismo pode ser dirigido a alvos militares, como provam os exemplos do 11 de Setembro de 2001, como o ataque ao Edifício do Pentágono, a resistência judaica ao militarismo Nazi durante a II Guerra Mundial, ou mesmo os ataques terroristas de nativos americanos aos militares dos EUA durante as campanhas anti-Índios no século XIX.
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