sexta-feira, 28 de março de 2008

Problema da Sociedade Justa

Para entenderes o que é o problema da sociedade justa vou recorrer a uma analogia habitual. Supõe que vais participar numa corrida de carros. O que será legítimo esperar? Naturalmente que a corrida seja justa. Mas o que será para ti, para mim ou para qualquer outra pessoa, uma corrida justa? O que estará qualquer pessoa disposta a aceitar para considerar justa uma corrida? Percebes intuitivamente que se partires um metro atrás dos outros concorrentes, a corrida não será justa. Percebes intuitivamente que se alguém durante a corrida for ajudado, permitindo-lhe terminar em primeiro lugar, a corrida também não será justa. Portanto, não parece difícil compreender que uma corrida será sempre justa se for garantido que os corredores corram num plano de liberdade e igualdade. Portanto, parece não haver dúvidas quanto ao facto do que seja uma corrida justa. Se estiver garantida uma absoluta igualdade na partida e uma absoluta liberdade durante a corrida, para que um qualquer corredor possa terminar no melhor lugar possível, então a corrida terá sido justa. Portanto, a justiça de uma corrida dependerá da capacidade que os seus organizadores tiverem de equilibrar a igualdade e a liberdade.
Mas não nos precipitemos nas conclusões, porque garantir que uma corrida seja justa é uma tarefa bem mais complexa do que parece à partida, já que garantir o equilíbrio entre igualdade e liberdade é uma tarefa que, bem vistas as coisas, parece impossível. Repara. Para que uma corrida de carros seja justa deve ser garantida ao corredor mais rápido a possibilidade de se adiantar e deixar para trás o corredor mais lento. Mas como podes ter a certeza que uma corrida assim será justa, quer dizer, como podes ter a certeza que o corredor que ficou para trás não está limitado por carregar “pesos adicionais”? Por exemplo, há que saber que tipo de carro tem ou então se esse corredor teve algum tipo de preparação. Imagina que o corredor mais rápido corre com um Ferrari de Março de 2008, porque nasceu numa família rica que lho pode comprar, e que o corredor mais lento corre com um Renault 5 de 1975, que já foi do seu avô, que depois passou para o seu pai e que agora herdou. Se assim for, achas que a corrida será justa? Achas justa uma corrida em que um dos corredores é rico e pode comprar o carro mais rápido que há no mercado, enquanto que o outro é pobre e corre com o carro mais velho e lento que se pode imaginar? Será justo que um dos corredores tenha garantido à partida uma vantagem inicial que não resultou do seu esforço nem da sua escolha? Será justo que um dos corredores parta com uma desvantagem inicial que não resultou do seu esforço ou da sua escolha? As nossas intuições morais levam-nos a responder que não, pois parece que uma corrida justa terá que garantir que os corredores corram em condições de igualdade.
Ora, aqueles que defendem a igualdade absoluta (e que se chamam igualitaristas) certamente que quererão proteger de uma corrida injusta aqueles que estão em desvantagem. E isso pode ser conseguido impedindo que o corredor que tem um Ferrari possa correr com ele. Os organizadores podem decidir que esse corredor não pode correr com o Ferrari e que todos devem correr em carros iguais. Mas será justo que os organizadores da corrida limitem dessa forma a liberdade dos corredores? Será que o corredor do Ferrari tem alguma responsabilidade por ter um Ferrari? As nossas intuições morais levam-nos uma vez mais a responder que não, pois limitar dessa forma o seu desempenho constitui uma violação grave da sua liberdade e aqueles que defendem em absoluto a liberdade (e que se chamam libertários) quererão proteger a liberdade dos corredores mais rápidos para que possam ganhar todos os troféus que puderem.
Se numa corrida, os concorrentes são recompensados pela sua habilidade para correr, na vida reconhecemos uma grande variedade de talentos e atributos – força, beleza, criatividade, compaixão e inteligência entre outros – que queremos igualmente recompensar. Mas será que não queremos proteger as fronteiras dos diferentes campos de competição? Por exemplo, estamos dispostos a aceitar que alguém com talento para ganhar dinheiro possa acumular riqueza. Mas estaremos dispostos a aceitar que essa mesma pessoa possa concorrer a um cargo público com a expectativa de que este possa ser comprado? Seguramente que a tua resposta imediata será negativa.
Ora, na analogia que estamos a considerar pressupõe-se que em toda a competição há sempre quem compete. A competição leva a que tenhamos que desenvolver um certo tipo de talentos, que noutras circunstâncias não faríamos. Mas será que não queremos desenvolver igualmente a capacidade para cooperar com os outros corredores? Será que não queremos garantir apenas as diferenças naturais que nos dividem, mas também as semelhanças naturais que nos unem como seres humanos? Muitos de nós serão fracos concorrentes em algum tipo de competição, mas mesmo assim, todos partilhamos a mesma dignidade enquanto seres humanos e merecemos, por isso, igual respeito. Mas como é possível assegurar a cada pessoa e ao mesmo tempo a liberdade de se adiantar na vida e a igualdade e respeito que lhe são devidos enquanto ser humano? E como é possível assegurar que as desigualdades inevitáveis numa sociedade livre não privem aqueles que estão em desvantagem de oportunidades iguais para serem bem sucedidos? Ou, de uma forma mais sintética: como é possível uma sociedade justa de pessoas livres e iguais? Estas são as questões que dominam a filosofia política actual e são as questões a que John Rawls tentou responder em Uma Teoria da Justiça. Para isso, perguntou especificamente: Como deve a estrutura básica de uma sociedade democrática caracterizada pela escassez de bens primários sociais e pelo egoísmo, distribuir as vantagens e os encargos resultantes da cooperação social, de um modo que seja justo? Respondeu propondo uma concepção de justiça distributiva, que chamou de justiça como equidade, defendendo que devemos pensar os termos de uma sociedade justa a partir de dois princípios que permitam reconciliar a liberdade com a igualdade ao estabelecer o adequado equilíbrio quanto às reivindicações respeitantes às vantagens (benefícios) e encargos (ónus, custos) da cooperação social, quer em termos de direitos e liberdades básicas, quer ainda em matéria económica e social.

1 comentário:

Anónimo disse...

É interessante o seu ponto de vista, entretanto o maior problema da sociedade consiste no instinto de rebanho. O povo diz: quero meus direitos! Mas eu pergunto: e os deveres? Não há mais aquela luta pelo direito, como Ihering dizia ser necessário, a burguesia fez a luta por eles e tomou o poder. Logo é legítimo a atuação do direito, que em alguns dos casos anteriores, se aplica muito bem como um dos responsáveis (na verdade um laranja) do traficante-mor é a tendência de evasão da sociedade nas questões que se diz respeito ao bom convívio (não necessariamente pela moral que é um modelo padrão contingente) mas pela razão. Fala-se em direito, mas para se antingí-los é necessário que as obrigações que regem o bom convivio sejam cumpridas.