terça-feira, 4 de março de 2008

Haig Khatchadourian, "A Moralidade do Terrorismo" (Parte VIII)

«Princípios da Proporção e Terrorismo
Para além da violação dos princípios morais considerados, o terrorismo parece violar dois outros princípios da guerra justa: (1) o princípio político da proporção na jus ad bellum e (2) o princípio militar da proporção na jus in bello. O anterior é afirmado por William O’Brien como exigindo que “o bem a ser alcançado pela realização da guerra deve ser proporcional ao mal que dela resulta”
[1]. E “o cálculo da proporcionalidade na causa justa [que é, para fins políticos, a raison d’état, “os altos interesses do estado] corresponde ao bem total que se pode esperar se for correctamente equilibrado com o mal que a guerra provavelmente provocará”[2] Lackey descreve o princípio político da proporcionalidade como estipulando que “uma guerra não pode ser justa a não ser que o mal que razoavelmente se pode esperar alcançar com ela seja inferior ao que o mal que se pode razoavelmente esperar alcançar com a não realização da guerra.”[3]
O correlativo militar do princípio político é descrito por Lackey como a ideia de que “a quantidade de destruição permitida na prossecução do objectivo militar deve ser proporcional para a importância do objectivo. Segue-se do princípio da proporcionalidade militar que certos objectivos devem ser avaliados com base na quantidade de destruição que seria obtida na sua prossecução.”[4]
Como no caso da guerra, o principal problema que enfrenta qualquer tentativa de aplicação do princípio político da proporcionalidade ao terrorismo assenta na dificuldade de alcançar uma estimativa aproximada do total de bem esperado vis-a-vis com o total de mal provavelmente causado por uma série de eventos relacionados com actos de terrorismo político ou moralista/religioso. As estimativas mais grosseiras do bem esperado de alguma causa do terrorismo político-moralista/religioso relativamente ao sofrimento ou morte, mesmo no caso de se tratar de uma só vítima imediata ou vitimizada, são difíceis de concretizar. E se deixarmos de considerar actos isolados de terrorismo político-moralista/religioso e passarmos a considerar séries completas destes actos ao longo de um período de anos ou décadas, como no caso do terrorismo Árabe ou do IRA, a tarefa parece condenada ao fracasso. Como podemos sequer medir o bem esperado resultante da criação, por exemplo, de uma Irlanda do Norte Católica independente ou de uma Irlanda do Norte Católica unida com a República da Irlanda, e compará-lo com a quantidade total de mal provável para os Protestantes de Ulster nessa eventualidade ou em cenários diferentes do seu destino eventual - depois somar este mal aos males que consistem e decorrem dos actos de terrorismo que supostamente ajudam a realizar o bem desejável? Não vejo como possa ser possível quantificar estes factores através de uma soma ou de uma subtracção.[5]
Parece que não podemos determinar se o terrorismo político ou moralista/religioso viola o princípio da proporcionalidade algumas vezes ou sempre. Contudo, é um facto patente que nenhum movimento terrorista político ou moralista/religioso neste século – seja Palestiniano, Libanês, Líbio, Sírio, Iraniano ou Argelino – tenha conseguido alcançar os seus objectivos políticos ou moralistas últimos ou globais. Para além disso, estes movimentos não têm mais hipóteses de ser bem sucedidos no futuro do que têm sido até agora. O terrorismo Palestiniano é um exemplo típico disso. Uma vez que, se em Israel e no Ocidente, o terrorismo é quase sempre sinónimo de assassínio, não é surpreendente que em vez de ajudar a causa palestiniana eminentemente justa, os actos terroristas palestinianos (e que se distinguem da resistência palestiniana, por exemplo, a intifada) têm, desde o início, prejudicado a causa de forma quase irreparável. O terrorismo não só impediu que os Palestinianos ganhassem a sua causa humanitária e outros direitos, como os afastou da auto-determinação: criou na opinião pública uma forte simpatia por Israel e provocou atitudes de forte resistência aos Palestinianos, ou pelo menos às suas lideranças, e aumentou as preocupações de segurança de Israel[6]. Creio que, no fim de contas, isso permite-nos concluir que os tipos de terrorismo anteriores constituem violações sérias do princípio político da proporcionalidade. O resultado da ponderação do peso que os males dos actos terroristas têm na dor e no sofrimento humano, na morte e na destruição, contra a inexistência de benefícios globais, deixa uma grande quantidade de mal absoluto no lado negativo da balança. Refiro-me não só ao mal infligido pelos terroristas às suas vítimas imediatas ou aos vitimizados, mas também ao mal que lançam sobre si próprios e sobre as suas famílias ao arriscar perder as suas vidas, os seus membros, ou a liberdade na perseguição inútil de objectivos perigosos e violentos.
Vou considerar agora o princípio militar da proporcionalidade - nas palavras de O’Brien, o princípio de que “os meios militares discretos (…) quando encarados de forma independente com base nos seus fins militares intermédios (raison de guerre), devem (…) ser proporcionais (…) ao fim militar para que foi usado, independentemente do fim último da guerra ao nível da raison d’état.”
[7] Este princípio, aplicado aos meios militares discretos, observa O’Brien, está na linha da lei de Nuremberga, que julgou “a legitimidade de actos discretos das forças Alemãs, (…) inter alia, no que diz respeito à sua proporcionalidade dos objectivos militares intermédios, raison de guerre. (…) É uma forma razoável para avaliar a substância ou as alegações de que ocorreram crimes de guerra.”[8]
A forma actual do princípio pode ser aplicada, mutatis mutandis, aos actos de terrorismo discretos desde que os seus resultados intermédios prováveis possam ser aproximadamente avaliados. Por exemplo, na avaliação da moralidade do sequestro do Achille Lauro, devem ser ponderados os ganhos “políticos” de curto prazo e intermédios esperados, se possível relativamente à morte de algum passageiro inocente ou ao terror sentido pelos outros passageiros a bordo. Pode afirmar-se com segurança que, para além do mal que o sequestro causou à OLP e à globalidade do processo de paz no Médio Oriente, qualquer que tenham sido os benefícios que os sequestradores esperavam alcançar com os seus actos[9], como a publicidade e a dramatização da condição dos palestinianos nos territórios ocupados pelas forças militares de Israel, foram largamente ultrapassados pelos males que resultaram do sequestro.[10] Mais importante ainda, o resultado actual (segundo a formulação do princípio de O’Brien) e não o mero resultado esperado dos actos de terrorismo, seja ele bom ou mau, devem ser ponderados, se possível, entre si. Quer dizer, a proporcionalidade actual deve ser obtida se, em retrospectiva, os actos puderem ser objectivamente avaliados. Mas fazer isso equivale precisamente a avaliar os resultados dos actos segundo critérios consequencialistas, o que será considerado mais tarde.
Os mesmos factores gerais devem ser ponderados para a avaliação de outros actos de terrorismo discretos relativamente ao princípio militar da proporcionalidade; por exemplo, o assassinato dos membros da Equipa Olímpica Israelita nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, o sequestro do vôo 847 da TWA em Atenas, Grécia, em 1985, a queda do voo 103 da Pan Am em Lockerbie, em 1989, e assim por diante.»


[1] O’Brien, “Just-War Theory”, 37.
[2] Ibid.
[3] Lackey, Ethics, 40.
[4] Ibid., 59.
[5] Para perceber o significado especial desta relação no terrorismo revolucionário, ver Capítulo 4.
[6] Uma nota pessoal: A minha própria condenação moral do terrorismo e a minha convicção de que se destinava prejudicar a causa Palestiniana em vez de a ajudar, levou-me, logo a seguir ao primeiro sequestro palestiniano, a enviar uma carta aberta ao líder da OLP. Nessa carta referi estas coisas e pedi que a OLP pusesse fim a esses actos. Por razões claramente óbvias, a publicação de Beirute, para a qual enviei a carta, não a quis publicar.
[7] O’Brien, “Just-War Theory”, 37.
[8] Ibid., 38.
[9] Um dos sequestradores afirmou depois de ser capturado que o objectivo inicial era uma missão suicida contra Israel. Esse objectivo, obviamente, não foi concretizado.
[10] Note-se que a questão de saber se a captura, julgamento e a quase certa condenação dos sequestradores e de outros implicados nessa acção se deve julgar boa ou má e acrescentar a um ou ao outro lado da balança, depende em parte da avaliação do acto em si como moralmente justificado ou injustificado. Digo “depende em parte” porque as implicações legais da acção são relevantes.

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