«Princípio da Necessidade e Terrorismo
O princípio da necessidade afirma que “a crueldade destrutiva [na guerra] é proibida. Mais precisamente, o princípio (…) especifica que uma operação militar é proibida se houver alguma operação alternativa que cause menos destruição, mas que possua a mesma probabilidade de produzir um resultado militar bem sucedido.”[1] Pace Lackey, que o encara como uma forma mais precisa da condição, embora algo aparentado, é diferente do princípio de que a crueldade destrutiva é proibida na guerra. Se a guerra é o último recurso, segue-se que, embora a destruição da vida e da propriedade seja necessária, não é arbitrária. Mas se é necessária, é-o apenas em último recurso.
É claro que o terrorismo predatório é sempre destruição arbitrária da vida e da propriedade, e o mesmo é verdade para o terrorismo retaliatório; contudo, o conceito de “último recurso” não se lhes aplica. Se o Irão tivesse escolhido processar os Estados Unidos pelo abate de um avião comercial iraniano durante a guerra Irão-Iraque para obter uma compensação ou reparação no Tribunal Internacional de Justiça de Haia, isso teria constituído uma alternativa pacífica, não-violenta, a qualquer retaliação terrorista contra os Estados Unidos, que o Irão possa ter patrocinado depois daquela desgraça, como a acção de destruição do voo 103 da Pan Am sobre Lockerbie, na Escócia, que muitos acreditam ter sido instigada e financiada pelo Irão e levada a cabo por um notório terrorista palestiniano. (Os Estados Unidos responsabilizaram de forma firme a Líbia, e, possivelmente, a Síria, por essa atrocidade.) É lógico que a retaliação é completamente diferente da reparação, compensação, ou restituição, ou outras formas pacíficas de rectificação o mal.
Princípio da Discriminação e Terrorismo
Em muitos actos de terrorismo, algumas ou todas as vítimas imediatas e/ou vitimizadas são pessoas inocentes, sem qualquer relação ou sem qualquer grau de responsabilidade pelo mal que o terrorismo moralista pretende rectificar, através do mal físico e mental que os terroristas lhes infligem. No terrorismo predatório, as vítimas imediatas e os vitimizados são, quase sem excepção, pessoas inocentes. Isso é também frequentemente verdade para o terrorismo retaliatório, pelo menos no que diz respeito às vítimas imediatas. Dois exemplos bastante trágicos que ainda estão na nossa memória recente são o sequestro do Achille Lauro e a destruição do avião da Pan Am sobre Lockerbie. No terrorismo político e político-moralista, seja em tempos de guerra seja em tempos de paz, algumas das vítimas imediatas ou alguns dos vitimizados são provavelmente pessoas inocentes; mas algumas podem ser culpadas, como é o caso dos membros das forças militares (especialmente aqueles com patente mais elevada), que são moralmente responsáveis pelo mal real ou imaginário que deu origem ao acto terrorista.
O problema de distinguir as pessoas inocentes das culpadas relativamente aos diferentes tipos e formas de terrorismo, excepto o terrorismo na guerra, é no final contas menos difícil do que o amplamente discutido problema correspondente em relação à guerra. A minha posição em relação à guerra é, mutatis mutandis, simplesmente: (1) a “inocência” e a “culpa” referem-se à inocência e à culpa moral, relativa a actos particulares, tipos ou formas de terrorismo T. (2) A inocência e a culpa são matéria de grau. (3) Uma pessoa perfeitamente inocente será alguém que não possui responsabilidade moral, a fortiori, nenhum tipo de responsabilidade causal por qualquer mal que provocou T.[2] Entre os culpados extremos e paradigmáticos deve haver, teoricamente, casos de graus de responsabilidade causal decrescente. Aqui os alvos seriam aqueles que possuam algum tipo de culpa embora em grau menor do que os casos de culpa paradigmáticos. (4) A responsabilidade moral pode ser directa ou indirecta, em virtude do papel directo ou indirecto na causação de T – em que T é provocado ou possui a(s) sua(s) causa(s) em alguma injustiça ou mal. Os graus em que difere a inocência das pessoas pode variar dessa forma. Qualquer pessoa cujas acções sejam a causa próxima de um mal é culpada num grau mais elevado do que aquelas cuja responsabilidade é mais indirecta. Em princípio é sempre possível determinar nos casos particulares se um indivíduo está causal e directamente envolvido. Embora seja geralmente possível, fazê-lo efectivamente é frequentemente bastante difícil. Determinar quem é directamente responsável e quem não é de todo responsável é completamente diferente. Uma vez que estamos sobretudo preocupados com o problema teórico da moralidade do terrorismo, isso não é particularmente perturbador. Mas é essencial para o ponto de vista dos que se podem vir a ser terroristas ou para o da lei – a menos que os terroristas possam estar perturbados e atinjam pessoas ou grupos inocentes, que imaginam ser moralmente responsáveis pelas injustiças que querem vingar ou reparar. Para além disso, a própria vida de alguns indivíduos pode depender da capacidade dos terroristas distinguirem as pessoas e os grupos inocentes daqueles que são culpados. Os terroristas políticos, retaliatórios ou moralistas, motivados pela paixão ou pela paranóia, amplificam frequentemente de forma infundada, por vezes com uma extensão tragicamente absurda, o círculo das pessoas alegadamente culpadas. Por vezes atingem indivíduos, grupos ou nações inteiras baseados apenas numa relação ténue, amiúde de um tipo completamente inocente, entre estes e aqueles que prejudicaram os seus compatriotas ou antepassados, roubaram a sua terra, e assim por diante. O exemplo que dei anteriormente dos terroristas que atacam os altos oficiais de um governo cujos antecessores cometeram crimes contra o seu povo, ilustra isso. Um outro exemplo surge quando o terrorismo ataca pessoas inocentes presumivelmente culpadas por associação, só porque ou são da mesma raça, nacionalidade, religião, ou partilham a mesma herança étnica daqueles que foram responsáveis pelo mal.
Apercebi-me de um tipo de justificação extrema e horrível para o ataque a pessoas completamente inocentes por intermédio de Anthony O’Heare[3]. Diz respeito ao tipo de justificação que ouvimos por vezes aquando da morte de turistas, viajantes, e outros, em Israel e em outros alvos terroristas, “com base no (…) próprio facto de que o contributo que dão [inadvertidamente] para a economia e a moral do país atacado os implica”. Como refere O’Heary, esta defesa é “uma amostra nojenta de casuística”. Posso acrescentar que tem implicações positivamente assustadoras. Se, como reclamam, os viajantes e os turistas são culpados de algum tipo de crime contra, digamos, o povo palestiniano, então, seguindo o mesmo raciocínio, todos os indivíduos, instituições, grupos ou povos, todos os países ou nações que tenham qualquer tipo de relação económica com Israel, contribuindo dessa forma para a sua economia, seriam igualmente culpados de um crime contra o povo palestiniano e podiam, por isso, ser justamente atacados! Mas se é esse o caso, que razões existirão para isentar de culpa os Árabes que vivem em Israel e até aqueles palestinianos que residem no West Bank ou na Faixa de Gaza, mas que têm empregos em Israel (ou mesmo todos aqueles que gastam qualquer quantia lá)?
Finalmente, para ser capaz de proteger os indivíduos do terrorismo, os agentes da lei, bem como os governos em geral, têm que ser capazes de proteger os indivíduos contra o terrorismo, têm que ser capazes de fazer previsões confiáveis sobre quem poderá ser um alvo provável das organizações terroristas conhecidas. No entanto, poucos são os tipos de coerção ou de outros usos da força em que o elemento de imprevisibilidade e da maior surpresa produza um ataque tão emotivo e passional como acontece no terrorismo. Este problema será mais tarde retomado aquando da discussão das respostas ao terrorismo.»
O princípio da necessidade afirma que “a crueldade destrutiva [na guerra] é proibida. Mais precisamente, o princípio (…) especifica que uma operação militar é proibida se houver alguma operação alternativa que cause menos destruição, mas que possua a mesma probabilidade de produzir um resultado militar bem sucedido.”[1] Pace Lackey, que o encara como uma forma mais precisa da condição, embora algo aparentado, é diferente do princípio de que a crueldade destrutiva é proibida na guerra. Se a guerra é o último recurso, segue-se que, embora a destruição da vida e da propriedade seja necessária, não é arbitrária. Mas se é necessária, é-o apenas em último recurso.
É claro que o terrorismo predatório é sempre destruição arbitrária da vida e da propriedade, e o mesmo é verdade para o terrorismo retaliatório; contudo, o conceito de “último recurso” não se lhes aplica. Se o Irão tivesse escolhido processar os Estados Unidos pelo abate de um avião comercial iraniano durante a guerra Irão-Iraque para obter uma compensação ou reparação no Tribunal Internacional de Justiça de Haia, isso teria constituído uma alternativa pacífica, não-violenta, a qualquer retaliação terrorista contra os Estados Unidos, que o Irão possa ter patrocinado depois daquela desgraça, como a acção de destruição do voo 103 da Pan Am sobre Lockerbie, na Escócia, que muitos acreditam ter sido instigada e financiada pelo Irão e levada a cabo por um notório terrorista palestiniano. (Os Estados Unidos responsabilizaram de forma firme a Líbia, e, possivelmente, a Síria, por essa atrocidade.) É lógico que a retaliação é completamente diferente da reparação, compensação, ou restituição, ou outras formas pacíficas de rectificação o mal.
Princípio da Discriminação e Terrorismo
Em muitos actos de terrorismo, algumas ou todas as vítimas imediatas e/ou vitimizadas são pessoas inocentes, sem qualquer relação ou sem qualquer grau de responsabilidade pelo mal que o terrorismo moralista pretende rectificar, através do mal físico e mental que os terroristas lhes infligem. No terrorismo predatório, as vítimas imediatas e os vitimizados são, quase sem excepção, pessoas inocentes. Isso é também frequentemente verdade para o terrorismo retaliatório, pelo menos no que diz respeito às vítimas imediatas. Dois exemplos bastante trágicos que ainda estão na nossa memória recente são o sequestro do Achille Lauro e a destruição do avião da Pan Am sobre Lockerbie. No terrorismo político e político-moralista, seja em tempos de guerra seja em tempos de paz, algumas das vítimas imediatas ou alguns dos vitimizados são provavelmente pessoas inocentes; mas algumas podem ser culpadas, como é o caso dos membros das forças militares (especialmente aqueles com patente mais elevada), que são moralmente responsáveis pelo mal real ou imaginário que deu origem ao acto terrorista.
O problema de distinguir as pessoas inocentes das culpadas relativamente aos diferentes tipos e formas de terrorismo, excepto o terrorismo na guerra, é no final contas menos difícil do que o amplamente discutido problema correspondente em relação à guerra. A minha posição em relação à guerra é, mutatis mutandis, simplesmente: (1) a “inocência” e a “culpa” referem-se à inocência e à culpa moral, relativa a actos particulares, tipos ou formas de terrorismo T. (2) A inocência e a culpa são matéria de grau. (3) Uma pessoa perfeitamente inocente será alguém que não possui responsabilidade moral, a fortiori, nenhum tipo de responsabilidade causal por qualquer mal que provocou T.[2] Entre os culpados extremos e paradigmáticos deve haver, teoricamente, casos de graus de responsabilidade causal decrescente. Aqui os alvos seriam aqueles que possuam algum tipo de culpa embora em grau menor do que os casos de culpa paradigmáticos. (4) A responsabilidade moral pode ser directa ou indirecta, em virtude do papel directo ou indirecto na causação de T – em que T é provocado ou possui a(s) sua(s) causa(s) em alguma injustiça ou mal. Os graus em que difere a inocência das pessoas pode variar dessa forma. Qualquer pessoa cujas acções sejam a causa próxima de um mal é culpada num grau mais elevado do que aquelas cuja responsabilidade é mais indirecta. Em princípio é sempre possível determinar nos casos particulares se um indivíduo está causal e directamente envolvido. Embora seja geralmente possível, fazê-lo efectivamente é frequentemente bastante difícil. Determinar quem é directamente responsável e quem não é de todo responsável é completamente diferente. Uma vez que estamos sobretudo preocupados com o problema teórico da moralidade do terrorismo, isso não é particularmente perturbador. Mas é essencial para o ponto de vista dos que se podem vir a ser terroristas ou para o da lei – a menos que os terroristas possam estar perturbados e atinjam pessoas ou grupos inocentes, que imaginam ser moralmente responsáveis pelas injustiças que querem vingar ou reparar. Para além disso, a própria vida de alguns indivíduos pode depender da capacidade dos terroristas distinguirem as pessoas e os grupos inocentes daqueles que são culpados. Os terroristas políticos, retaliatórios ou moralistas, motivados pela paixão ou pela paranóia, amplificam frequentemente de forma infundada, por vezes com uma extensão tragicamente absurda, o círculo das pessoas alegadamente culpadas. Por vezes atingem indivíduos, grupos ou nações inteiras baseados apenas numa relação ténue, amiúde de um tipo completamente inocente, entre estes e aqueles que prejudicaram os seus compatriotas ou antepassados, roubaram a sua terra, e assim por diante. O exemplo que dei anteriormente dos terroristas que atacam os altos oficiais de um governo cujos antecessores cometeram crimes contra o seu povo, ilustra isso. Um outro exemplo surge quando o terrorismo ataca pessoas inocentes presumivelmente culpadas por associação, só porque ou são da mesma raça, nacionalidade, religião, ou partilham a mesma herança étnica daqueles que foram responsáveis pelo mal.
Apercebi-me de um tipo de justificação extrema e horrível para o ataque a pessoas completamente inocentes por intermédio de Anthony O’Heare[3]. Diz respeito ao tipo de justificação que ouvimos por vezes aquando da morte de turistas, viajantes, e outros, em Israel e em outros alvos terroristas, “com base no (…) próprio facto de que o contributo que dão [inadvertidamente] para a economia e a moral do país atacado os implica”. Como refere O’Heary, esta defesa é “uma amostra nojenta de casuística”. Posso acrescentar que tem implicações positivamente assustadoras. Se, como reclamam, os viajantes e os turistas são culpados de algum tipo de crime contra, digamos, o povo palestiniano, então, seguindo o mesmo raciocínio, todos os indivíduos, instituições, grupos ou povos, todos os países ou nações que tenham qualquer tipo de relação económica com Israel, contribuindo dessa forma para a sua economia, seriam igualmente culpados de um crime contra o povo palestiniano e podiam, por isso, ser justamente atacados! Mas se é esse o caso, que razões existirão para isentar de culpa os Árabes que vivem em Israel e até aqueles palestinianos que residem no West Bank ou na Faixa de Gaza, mas que têm empregos em Israel (ou mesmo todos aqueles que gastam qualquer quantia lá)?
Finalmente, para ser capaz de proteger os indivíduos do terrorismo, os agentes da lei, bem como os governos em geral, têm que ser capazes de proteger os indivíduos contra o terrorismo, têm que ser capazes de fazer previsões confiáveis sobre quem poderá ser um alvo provável das organizações terroristas conhecidas. No entanto, poucos são os tipos de coerção ou de outros usos da força em que o elemento de imprevisibilidade e da maior surpresa produza um ataque tão emotivo e passional como acontece no terrorismo. Este problema será mais tarde retomado aquando da discussão das respostas ao terrorismo.»
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