sábado, 15 de março de 2008

David Luban, "A Guerra contra o Terrorismo e o fim dos Direitos Humanos (Parte VI)

«A ameaça aos Direitos Humanos
O que acontece aos direitos humanos na Guerra contra ao Terrorismo? Parece indiscutível que o modelo da guerra representa uma ameaça aos direitos humanos, porque na prática e na teoria não é possível honrá-los durante a guerra. Os combatentes são alvos legítimos; os não-combatentes que são atingidos por acidente ou por engano, são encarados como danos colaterais em vez de vítimas de atrocidades; e os casos de confusão de identidade acabam na morte ou no encarceramento sem julgamento, uma vez que o contexto da guerra impede os procedimentos necessários. Para que não haja dúvidas, as leis da guerra especificam um mínimo de direitos humanos, mas que são bem menos robustos do que em tempos de paz – e o modelo híbrido guerra-direito reduz esta escala de direitos ainda mais ao classificar o inimigo como combatentes fora-da-lei.
Um exemplo cabal da erosão dos direitos humanos é a tolerância relativamente à tortura. Deve recordar-se que em 1995 o plano da Al-Qaida para bombardear onze companhias de aviação americanas foi frustrado em virtude da informação dada por um suspeito paquistanês depois de ter sido torturado pela polícia filipina – uma estranha versão verídica de uma experiência mental familiar. O Washington Post refere que desde o 11 de Setembro que os EUA se empenharam na transferência sumária de dezenas de terroristas suspeitos para países em que seriam interrogados sob tortura. Mas os EUA não foram os únicos a tolerar a tortura por razões de segurança. Em Dezembro passado, o governo sueco capturou um extremista islâmico suspeito ao qual havia antes sido concedido asilo político e transferiu-o no mesmo dia para o Egipto, onde, segundo a Amnistia Internacional, foi torturado até ao ponto de praticamente deixar de poder andar. E a Suécia não é, seguramente, uma nação rígida em matéria de direitos humanos. Nenhum destes transportes internacionais é legítimo – de facto, violam obrigações decorrentes de tratados internacionais segundo a Convenção contra a Tortura, que, nos EUA, até possui o estatuto constitucional de “suprema lei da nação” – mas isso pode ser irrelevante do ponto de vista do modelo da guerra, segundo o qual até os direitos constitucionais podem ser eliminados.
É natural sugerir que esta suspensão dos direitos humanos é uma medida de emergência excepcional para lidar com uma ameaça sem precedentes. Isto levanta a questão de saber durante quanto tempo ficarão suspensos os direitos humanos. Quando terminará esta guerra?
O problema central é agora o de que a Guerra contra o Terrorismo não é como as outras guerras. O inimigo, o Terrorismo, não é um estado territorial nem uma nação ou um governo, pelo que não há com quem negociar, a quem declarar tréguas ou um cessar-fogo, nem ninguém autorizado a render-se. Nas guerras tradicionais entre estados, o objectivo da guerra é, segundo defende Clausewitz, impor a vontade política de um estado a outro. O objectivo da guerra não é matar o inimigo – matar o inimigo é o meio para atingir um fim concreto, que é forçar a capitulação. Na Guerra contra o Terrorismo não é possível qualquer capitulação, o que significa que o verdadeiro fim da guerra é, simplesmente, matar ou capturar os terroristas – e continuar a matar e a matar, a capturar e a capturar, até que desapareçam.
É claro que ninguém espera erradicar definitivamente o terrorismo. Qualquer pessoa entende que os novos extremistas anti-americanos, os novos terroristas, aparecerão sempre e estarão sempre disponíveis para serem recrutados e para combater. Qualquer pessoa compreende que mesmo que a Al-Qaida seja destruída e decapitada, outros grupos e outros líderes surgirão no seu lugar. Segue-se então que a Guerra contra o Terrorismo é uma guerra que pode ser abandonada, mas que não pode ser concluída. É uma Guerra que não se interrompe naturalmente, nem tem qualquer momento de vitória ou finalidade. Requer missões de morte e captura em territórios em qualquer parte do globo, e continuará eternamente. Segue-se, desse modo, que a suspensão dos direitos humanos, implícita no modelo híbrido guerra-direito, não é temporária, mas permanente.
Talvez por recear isto, a autorização do Congresso para a campanha militar do Presidente Bush limita o seu âmbito àqueles que são responsáveis pelo 11 de Setembro e aos seus patrocinadores. Mas a Guerra contra o Terrorismo ganhou vida própria o transformou a autorização do Congresso em pouco mais do que um pormenor técnico. Por causa da ameaça do terrorismo nuclear, a liderança Americana discute activamente a guerra ao Iraque independentemente do Iraque estar ou não envolvido no 11 de Setembro; e a inclusão do Iraque, do Irão e da Coreia do Norte num eixo do mal único por causa de financiar o terror, sugere que a Guerra contra o Terrorismo pode eventualmente envolver todas estas nações. Se os EUA alguma vez descobrirem provas do envolvimento de qualquer um destes países na protecção e no apoio a terroristas com armas de destruição maciça, não restarão dúvidas de que o Congresso aprovará uma acção militar. Da mesma forma, a Rússia invoca a Guerra americana contra o Terrorismo para justificar os seus ataques aos rebeldes Tchechenos, a China usa-a para contornar as críticas à sua campanha contra os separatistas Uighur, e o Primeiro Ministro Israelita Sharon relaciona explicitamente os rebeldes palestinianos à Guerra americana contra o Terrorismo. Não há dúvida de que existe oportunismo político em todas estas colagens à campanha americana, mas isso não seria possível se a “Guerra contra o Terrorismo” fosse apenas o nome de código de uma operação americana discreta e limpa. Em vez disso, a Guerra contra o Terrorismo tornou-se num modelo da política, numa visão do mundo com premissas e consequências específicas. Como defendi, inclui um novo modelo de acção do estado, o modelo híbrido guerra-direito, que reduz o padrão dos direitos humanos em tempos de paz ao padrão dos direitos humanos em tempos de guerra, ou ainda menos. Desde que continue, a Guerra contra o Terrorismo significa o fim dos direitos humanos, pelo menos para aqueles que estão à beira de sentir o calor da batalha.»

David Luban, “The War on Terrorism and the End of Human Rights” in White, James E. (2006). Contemporary Moral Problems: War and Terrorism. Belmont: Thompson Wadsworth, pp. 54-60 (Traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira)

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