segunda-feira, 3 de março de 2008

Philippa Foot, "Eutanásia" (Parte I)

No ensaio que começarei hoje a publicar, a Professora de Filosofia de Griffin, Philipa Foot, tem o cuidado de estabelecer a distinção entre eutanásia activa e passiva quando utiliza a noção de “direito à vida”. Discorda de Rachels, que defende que essa distinção é moralmente irrelevante e desumana na prática. Foot contrapõe este ponto de vista dando evidência à importância desta distinção. Foot considera, todavia, essencial a questão sobre as circunstâncias em que temos a legitimidade moral para matar pessoas alegando o seu próprio bem. Ao responder a esta questão, Foot analisa o conceito de “vida humana comum” e explora a ideia de quando podemos tomar a vida de outrem como indigna de continuar. Não defende que temos legitimidade para decidir isso pelos outros. Na sua perspectiva, todos temos o direito à vida; o que importa é o que cada um de nós quer para si. Assim, se pensarmos que morrer seria melhor para uma pessoa, mas se essa pessoa deseja viver, então não temos o direito de a matar. Concluindo esta ideia, Foot não defende a eutanásia activa involuntária. Do mesmo modo, se uma a pessoa quer viver e tem direito a tratamento médico, também não é aplicável a eutanásia passiva involuntária. Mas então o que dizer sobre casos que envolvem aqueles cujos desejos desconhecemos, de pacientes em estado de coma por exemplo? Foot é de opinião que tirar a vida a tais pessoas seria infringir os seus direitos. Daí rejeitar a aplicação da eutanásia activa involuntária nestes casos. Porém não admite que existam casos em que o paciente em coma, caso tivesse meios, pudesse ter determinado não desejar que a sua vida continuasse a ser sustentada por meios artificiais. Isto leva-a a concluir que a eutanásia passiva involuntária pode ser por vezes moralmente aceite. Embora Foot admita ambas as formas de eutanásia (activa e passiva) como moralmente legitimas, não promove a ideia de que temos o dever de matar pessoas que decidiram que as suas vidas deixaram de ser dignas. Na sua opinião, o consentimento explícito destas pessoas apenas nos dá a garantia de que, ao seguirmos os seus desejos, não estaríamos a violar o seu direito à vida.

«O sobejamente conhecido Shorter Oxford English Dictionary apresenta três significados para a palavra “eutanásia”: o primeiro, “uma morte doce e fácil”; o segundo, “os meios para a conseguir”; e o terceiro, “ a acção de aplicar uma morte doce e fácil”. É curioso que nenhum dos três ofereça uma definição adequada da palavra tal como ela é geralmente entendida. Pois “eutanásia” significa muito mais do que isso tudo. A definição do dicionário especifica apenas o modo como a morte ocorre, e se esse fosse o caso, ao drogar a sua vítima um assassino poderia alegar ser o seu acto um caso de eutanásia. Pensamos que isto está fora de questão, pois defendemos que na eutanásia é a morte em si que deve ser suave e doce para com aquele que morre e não o modo como ela acontece. Para compreendermos porque é que a eutanásia não pode der entendida nos termos em que o dicionário a apresenta, temos apenas que recordar que o programa de “eutanásia” de Hitler tirava vantagens desta ambiguidade. Na sequência deste programa, projectado antes da guerra mas concretizado por decreto a 1 de Setembro de 1939, cerca de 275.000 pessoas foram gaseadas em centros, cuja estrutura, mais tarde, viria a servir de modelo a outros onde os Judeus seriam exterminados. Quem quer que estivesse internado em instituições hospitalares do estado poderia ser enviado para as câmaras de gás, se se considerasse que essa pessoa não estaria em condições de ser “reabilitado” para a realização de trabalho útil. Tal como o Dr. Leo Alexander refere, baseado em testemunhos de neuropatologistas que receberam 500 cérebros de um dos centros da morte, “O extermínio humano na Alemanha incluía os mentalmente incapazes, os psicóticos (especialmente os esquizofrénicos), epilépticos e pacientes com problemas resultantes da velhice e de várias perturbações orgânicas e neurológicas, tais como paralisia infantil, doença de Parkinson, esclerose múltipla e tumores cerebrais.... No fundo, eram mortos todos os que eram incapazes de trabalhar e considerados não-reabilitáveis.”[1] Estas pessoas eram mortas por serem consideradas “inúteis” e “um peso para a sociedade”; apenas o modo como morriam podia ser tomado como relativamente doce e fácil.»

[1] Leo Alexander, “Medical Science under Dictatorship”, New England Journal of Medicine, 14 de Julho de 1994, p. 40.

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