«Estas são questões que se resolvem com relativa facilidade, porém há uma bastante delicada e assustadora que tem sido deixada de lado nesta análise e precisa ser enfrentada. Será fácil dizer, uma vez que não levanta questões de grande monta, que a eutanásia é por definição uma acção que visa a promoção do bem da pessoa cuja morte está em causa, e que é para o seu próprio benefício que se deseja a sua morte. Mas como se explica isto? Provavelmente pensamos que a morte é uma forma de a libertarmos de um mal que nela existe ou que sobre ela pode cair se continuar a viver. Porém esta ideia não é suficiente. A maior parte das vidas das pessoas contém males como a dor e o sofrimento, mas não partimos do princípio de que a morte seria uma bênção nestes casos. Pelo contrário, a vida é considerada como uma dádiva mesmo para aqueles que são afectados por uma grande infelicidade ou frustração. Então como podemos desejar a morte em nome do bem-estar de quem está a morrer? Esta questão difícil é central na discussão sobre a eutanásia, e não saberemos literalmente do que estamos a falar se perguntarmos se os actos de eutanásia, tal como os definimos, são moralmente aceitáveis sem primeiro aprofundarmos a razão pela qual dizemos que a vida é uma dádiva, e enfrentarmos a possibilidade de que nem sempre é assim.
Se alguém salvasse a minha vida, essa pessoa seria o meu benfeitor. Em circunstâncias normais este pressuposto é claramente verdadeiro; mas será que estamos sempre a beneficiar alguém quando lhe salvamos a vida? Parece que nem sempre é assim. Suponhamos, por exemplo, que alguém estaria a ser torturado até à morte e lhe tivesse sido administrada uma droga que prolongasse o seu sofrimento; neste caso não seria um benefício, mas o contrário. Ou então que num ghetto na Alemanha Nazi um médico salvava a vida de alguém que estava ameaçado pela doença, mas que, logo que recuperado, fosse transportado para um campo de extermínio; o médico poderia ter desejado que este paciente tivesse morrido da doença. Nem sempre o prolongamento da vida constitui um benefício para aquele que o recebe. Ao comparar os campos de extermínio de Hitler com os de Estaline, Dmitri Panin constata que, nos últimos, o método de extermínio era agravado pelo prolongamento da agonia dos prisioneiros durante meses.
“A morte resultante de ferimento de bala teria sido o paraíso comparado com o sofrimento que milhões tiveram que suportar enquanto morriam de fome. O tipo de morte ao qual eram condenados, não tem comparação ao nível do sadismo e crueldade.”[1]
Estes exemplos dão evidência ao facto de que nem sempre quando salvamos ou prolongamos a vida a alguém, estamos a fazer-lhe bem: poderia ser melhor para essa pessoa se morresse mais cedo. Embora possamos concordar que a vida é uma dádiva para aquele que a detém, nem sempre assim acontece.
É muito fácil fazer juízos de valor sobre se a vida é ou não um bem para alguém, todavia o seu fundamento é difícil de encontrar. Com que fundamento definimos a vida como um bem ou uma dádiva?
Esta dificuldade deixará de ter importância se partirmos do princípio que o problema deriva do facto de que aquele que está morto não possui coisa alguma, sendo que o bem que constitui a condição de estarmos vivos não pode ser comparado com o que teríamos em circunstâncias opostas. E para que servirá esta comparação em particular? Certamente que serviria o seu propósito se pudéssemos prever até que ponto alguém cuja vida foi prolongada, experimentaria mais bem ou mal nesse período de tempo. Embora tais estimativas nem sempre sejam possíveis, são-no com frequência; por vezes dizemos “Ele foi muito feliz nos últimos anos”, ou, “Naquela altura já não tinha mais nada senão infortúnios”. Se ao ponderarmos o bem e o mal pudéssemos determinar se a vida tinha sido boa para alguém, poderíamos encontrar uma correlação entre os juízos de valor. Mas é óbvio que não é possível encontrá-la. Primeiro, alguém que não duvida que a sua existência constitui um bem para si, pode não fazer ideia do equilíbrio que existe na sua vida entre momentos de felicidade e infelicidade, ou de quaisquer outros factores positivos ou negativos que possam ser sugeridos. Deste modo, os critérios que se supunham existir, nem sempre estão subjacentes quando o juízo de valor ocorre. E em segundo lugar, a aplicação dos critérios conduz-nos frequentemente a resultados errados. A maioria das pessoas tem mais infortúnios na vida do que momentos agradáveis, mas não será por isso que podemos afirmar que lhes estamos a prestar um serviço ao salvá-las da morte.»
Se alguém salvasse a minha vida, essa pessoa seria o meu benfeitor. Em circunstâncias normais este pressuposto é claramente verdadeiro; mas será que estamos sempre a beneficiar alguém quando lhe salvamos a vida? Parece que nem sempre é assim. Suponhamos, por exemplo, que alguém estaria a ser torturado até à morte e lhe tivesse sido administrada uma droga que prolongasse o seu sofrimento; neste caso não seria um benefício, mas o contrário. Ou então que num ghetto na Alemanha Nazi um médico salvava a vida de alguém que estava ameaçado pela doença, mas que, logo que recuperado, fosse transportado para um campo de extermínio; o médico poderia ter desejado que este paciente tivesse morrido da doença. Nem sempre o prolongamento da vida constitui um benefício para aquele que o recebe. Ao comparar os campos de extermínio de Hitler com os de Estaline, Dmitri Panin constata que, nos últimos, o método de extermínio era agravado pelo prolongamento da agonia dos prisioneiros durante meses.
“A morte resultante de ferimento de bala teria sido o paraíso comparado com o sofrimento que milhões tiveram que suportar enquanto morriam de fome. O tipo de morte ao qual eram condenados, não tem comparação ao nível do sadismo e crueldade.”[1]
Estes exemplos dão evidência ao facto de que nem sempre quando salvamos ou prolongamos a vida a alguém, estamos a fazer-lhe bem: poderia ser melhor para essa pessoa se morresse mais cedo. Embora possamos concordar que a vida é uma dádiva para aquele que a detém, nem sempre assim acontece.
É muito fácil fazer juízos de valor sobre se a vida é ou não um bem para alguém, todavia o seu fundamento é difícil de encontrar. Com que fundamento definimos a vida como um bem ou uma dádiva?
Esta dificuldade deixará de ter importância se partirmos do princípio que o problema deriva do facto de que aquele que está morto não possui coisa alguma, sendo que o bem que constitui a condição de estarmos vivos não pode ser comparado com o que teríamos em circunstâncias opostas. E para que servirá esta comparação em particular? Certamente que serviria o seu propósito se pudéssemos prever até que ponto alguém cuja vida foi prolongada, experimentaria mais bem ou mal nesse período de tempo. Embora tais estimativas nem sempre sejam possíveis, são-no com frequência; por vezes dizemos “Ele foi muito feliz nos últimos anos”, ou, “Naquela altura já não tinha mais nada senão infortúnios”. Se ao ponderarmos o bem e o mal pudéssemos determinar se a vida tinha sido boa para alguém, poderíamos encontrar uma correlação entre os juízos de valor. Mas é óbvio que não é possível encontrá-la. Primeiro, alguém que não duvida que a sua existência constitui um bem para si, pode não fazer ideia do equilíbrio que existe na sua vida entre momentos de felicidade e infelicidade, ou de quaisquer outros factores positivos ou negativos que possam ser sugeridos. Deste modo, os critérios que se supunham existir, nem sempre estão subjacentes quando o juízo de valor ocorre. E em segundo lugar, a aplicação dos critérios conduz-nos frequentemente a resultados errados. A maioria das pessoas tem mais infortúnios na vida do que momentos agradáveis, mas não será por isso que podemos afirmar que lhes estamos a prestar um serviço ao salvá-las da morte.»
[1] D. Panin, The Notebooks of Solodgin (Londres, 1976), pp. 66-7.
Sem comentários:
Enviar um comentário