"A proibição do acto de matar
(a) A Proibição Bíblica
Um argumento simples e habitual a favor do pacifismo é o que a Bíblia, a palavra revelada por Deus, apresenta a todos através do mandamento “Não matarás” (Êxodo, 20:13). Alguns pacifistas interpretam-no como a afirmação de que ninguém deve matar seja em que circunstância for, a não ser que o próprio Deus indique a sua suspensão, como fez quando ordenou a Abraão que matasse Isaac. A justificação desta interpretação reside nas palavras do próprio mandamento “Não matarás”, bruscamente apresentado na Bíblia sem qualquer qualificação, não apenas no Êxodo como também no Deuteronómio (5:17).
Este argumento, contudo, está sujeito a inúmeras críticas. A língua original do Êxodo e do Deuteronómio é o hebraico, e os especialistas defendem que a frase hebraica do Êxodo 20:13, “Lo Tirzach”, é melhor traduzida por “Não deves cometer assassínio” e não por “Não matarás”. Se esta tradução estiver correcta, então o Êxodo 20:13 não proíbe todo o acto de matar, mas apenas aqueles actos que são assassínios. Para além disso, há muitas passagens na Bíblia em que Deus ordena aos seres humanos que matem em circunstâncias especificadas. Deus apresenta ao todo 613 comandos, que incluem, por exemplo, “A feiticeira não deixarás viver” (Êxodo 22:18); “E aquele que blasfemar o nome do Senhor certamente morrerá; toda a congregação, certamente, o apedrejará…” (Levítico, 24:16); “E quem matar alguém, certamente morrerá” (Levítico, 24:17). É difícil defender que estes comandos são como a ordem específica que Deus deu a Abraão para matar Isaac: estes são comandos gerais a ser aplicados pelas pessoas ao longo das suas vidas. São pelo menos tão gerais e divinamente sancionados como o comando traduzido por “Não matarás”.
Há outras dificuldades para os pacifistas que depositam as suas esperanças nas proibições da Bíblia hebraica. Mesmo que o comando “Não matarás”, devidamente interpretado, proíba de facto qualquer acto de matar, os cépticos podem sempre perguntar se ele prova, por si só, que todo o acto de matar seja imoral. Primeiro, como podemos saber se as afirmações contidas na Bíblia hebraica são mesmo a palavra de Deus em vez de simples conjecturas de tribos antigas? Segundo, mesmo que os comandos da Bíblia exprimam de facto a visão de Deus, por que estaremos moralmente obrigados a obedecer-lhes? (Dizer que se não obedecermos a Deus, seremos punidos, constitui um apelo ao medo e ao auto-interesse, não a sentimentos morais.) Terceiro, serão os mandamentos do Antigo Testamento leis para todas as pessoas ou apenas leis para os filhos de Israel? Se são leis para todas as pessoas, então todos aqueles que comam pão não levedado na Páscoa ou estão enganados ou são perversos. Se são apenas leis para os filhos de Israel, então são leis religiosas, não são leis morais, uma vez que lhes falta a universalidade que todas as leis morais devem possuir.
Finalmente, o argumento assume a existência de Deus e os filósofos dizem que não é fácil demonstrá-la. Mesmo entre os crentes há quem esteja mais convencido da verdade dos juízos morais básicos como “É proibido torturar crianças pequenas por puro prazer”, do que da existência de Deus. Para essas pessoas, qualquer tentativa para justificar princípios morais com base em princípios religiosos parece bizarra, uma vez que a evidência destes é mais fraca do que a evidência dos princípios morais que supostamente deveriam justificar."
(a) A Proibição Bíblica
Um argumento simples e habitual a favor do pacifismo é o que a Bíblia, a palavra revelada por Deus, apresenta a todos através do mandamento “Não matarás” (Êxodo, 20:13). Alguns pacifistas interpretam-no como a afirmação de que ninguém deve matar seja em que circunstância for, a não ser que o próprio Deus indique a sua suspensão, como fez quando ordenou a Abraão que matasse Isaac. A justificação desta interpretação reside nas palavras do próprio mandamento “Não matarás”, bruscamente apresentado na Bíblia sem qualquer qualificação, não apenas no Êxodo como também no Deuteronómio (5:17).
Este argumento, contudo, está sujeito a inúmeras críticas. A língua original do Êxodo e do Deuteronómio é o hebraico, e os especialistas defendem que a frase hebraica do Êxodo 20:13, “Lo Tirzach”, é melhor traduzida por “Não deves cometer assassínio” e não por “Não matarás”. Se esta tradução estiver correcta, então o Êxodo 20:13 não proíbe todo o acto de matar, mas apenas aqueles actos que são assassínios. Para além disso, há muitas passagens na Bíblia em que Deus ordena aos seres humanos que matem em circunstâncias especificadas. Deus apresenta ao todo 613 comandos, que incluem, por exemplo, “A feiticeira não deixarás viver” (Êxodo 22:18); “E aquele que blasfemar o nome do Senhor certamente morrerá; toda a congregação, certamente, o apedrejará…” (Levítico, 24:16); “E quem matar alguém, certamente morrerá” (Levítico, 24:17). É difícil defender que estes comandos são como a ordem específica que Deus deu a Abraão para matar Isaac: estes são comandos gerais a ser aplicados pelas pessoas ao longo das suas vidas. São pelo menos tão gerais e divinamente sancionados como o comando traduzido por “Não matarás”.
Há outras dificuldades para os pacifistas que depositam as suas esperanças nas proibições da Bíblia hebraica. Mesmo que o comando “Não matarás”, devidamente interpretado, proíba de facto qualquer acto de matar, os cépticos podem sempre perguntar se ele prova, por si só, que todo o acto de matar seja imoral. Primeiro, como podemos saber se as afirmações contidas na Bíblia hebraica são mesmo a palavra de Deus em vez de simples conjecturas de tribos antigas? Segundo, mesmo que os comandos da Bíblia exprimam de facto a visão de Deus, por que estaremos moralmente obrigados a obedecer-lhes? (Dizer que se não obedecermos a Deus, seremos punidos, constitui um apelo ao medo e ao auto-interesse, não a sentimentos morais.) Terceiro, serão os mandamentos do Antigo Testamento leis para todas as pessoas ou apenas leis para os filhos de Israel? Se são leis para todas as pessoas, então todos aqueles que comam pão não levedado na Páscoa ou estão enganados ou são perversos. Se são apenas leis para os filhos de Israel, então são leis religiosas, não são leis morais, uma vez que lhes falta a universalidade que todas as leis morais devem possuir.
Finalmente, o argumento assume a existência de Deus e os filósofos dizem que não é fácil demonstrá-la. Mesmo entre os crentes há quem esteja mais convencido da verdade dos juízos morais básicos como “É proibido torturar crianças pequenas por puro prazer”, do que da existência de Deus. Para essas pessoas, qualquer tentativa para justificar princípios morais com base em princípios religiosos parece bizarra, uma vez que a evidência destes é mais fraca do que a evidência dos princípios morais que supostamente deveriam justificar."
2 comentários:
Vitor,
Não conhecia o seu blog, mas gostei muito. Vou continuar visistante, pois inscrevi-o nos meus feeds.
Abraço e bom trabalho
Rolando Almeida
É um projecto com poucos dias de vida.
Obrigado pela visita.
Abraço.
Vítor João Oliveira
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