Para além da distinção entre desejos actuais e desejos ideais, podemos também distinguir desejos ocorrentes de desejos disposicionais. Tomemos o exemplo do ser humano comatoso. Apesar deste não ter presentemente quaisquer desejos conscientes, continua a ter desejos, embora não tenha consciência de que os tenha. Assim, um ser humano comatoso, apesar de não ter o desejo presente ocorrente de que se o seu futuro seja preservado, tem agora o desejo disposicional de que a sua vida futura seja preservada, sendo profundamente errado matá-lo.
Ao analisarmos a razão pela qual o acto de matar um ser humano suicida, um ser humano comatoso e um bebé, são imorais, verificamos que o feto não possui essa razão e, como tal, esta não pode explicar o mal de matar o feto. Apesar de alguém, como o Filipe, não ter qualquer desejo actual e futuro de continuar a viver, tem o mesmo direito à vida que nós, uma vez que esse desejo se formou em condições imperfeitas, devendo, portanto, ser-lhe atribuído este desejo enquanto desejo ideal. Para além disto, temos muitas vezes desejos, apesar de deles não termos consciência. Estes desejos são os desejos disposicionais que se podem distinguir dos desejos ocorrentes. Desta forma, apesar do adulto temporariamente comatoso ser tão incapaz de ter crenças e desejos ocorrentes como o feto pré-consciente, pode ter crenças e desejos disposicionais, uma vez que este teve já uma experiência de vida, tendo assim também ele o mesmo direito à vida que nós.
Desejar algo é valorizar ou querer conscientemente o objecto do desejo. Ter desejos conscientes é, portanto, suficiente para atribuirmos a um indivíduo importância moral, adquirindo este o mesmo direito à vida que nós. Neste sentido, segundo estudos científicos o bebé tem já alguns desejos conscientes e, portanto, o mesmo direito à vida que nós.
Para além disso, só faz sentido atribuir um desejo ideal a alguém que tenha alguns desejos actuais, sendo, portanto, os desejos ideais os que melhor reflectem aquilo que os seres conscientes desejam. Ora, segundo D. Boonin, “dado que o feto pré-consciente (feto humano antes do ponto em que começa a ter desejos conscientes) não tem quaisquer desejos actuais, segue-se que também não tem quaisquer desejos ideais” (D. Boonin, 2003: p. 187).
Por isso, a melhor explicação do nosso direito à vida, bem como do direito à vida dos adultos temporariamente comatosos, dos suicidas adolescentes e dos bebés, não implica que o feto pré-consciente tenha direito à vida inerente.
Bibliografia
Don Marquis, “A razão da imoralidade do aborto”, in Galvão, Pedro (org.) (2005). A Ética do Aborto. Perspectivas e Argumentos. Lisboa: DinaLivro, pp. 127-55.
David Boonin, “O argumento do futuro-como-o-nosso”, in Galvão, Pedro (org.) (2005). A Ética do Aborto. Perspectivas e Argumentos. Lisboa: DinaLivro, pp. 156-93.
Martinich, A. P. (1998). Philosophical Writing: An Introduction. Oxford Backwell, 1998, pp. 52-66 (Tradução de Vítor João Oliveira)
Trabalho realizado no âmbito da disciplina de Filosofia pelo João, Ricardo e Ruben do 10º C (ano lectivo 2006/07)
Ao analisarmos a razão pela qual o acto de matar um ser humano suicida, um ser humano comatoso e um bebé, são imorais, verificamos que o feto não possui essa razão e, como tal, esta não pode explicar o mal de matar o feto. Apesar de alguém, como o Filipe, não ter qualquer desejo actual e futuro de continuar a viver, tem o mesmo direito à vida que nós, uma vez que esse desejo se formou em condições imperfeitas, devendo, portanto, ser-lhe atribuído este desejo enquanto desejo ideal. Para além disto, temos muitas vezes desejos, apesar de deles não termos consciência. Estes desejos são os desejos disposicionais que se podem distinguir dos desejos ocorrentes. Desta forma, apesar do adulto temporariamente comatoso ser tão incapaz de ter crenças e desejos ocorrentes como o feto pré-consciente, pode ter crenças e desejos disposicionais, uma vez que este teve já uma experiência de vida, tendo assim também ele o mesmo direito à vida que nós.
Desejar algo é valorizar ou querer conscientemente o objecto do desejo. Ter desejos conscientes é, portanto, suficiente para atribuirmos a um indivíduo importância moral, adquirindo este o mesmo direito à vida que nós. Neste sentido, segundo estudos científicos o bebé tem já alguns desejos conscientes e, portanto, o mesmo direito à vida que nós.
Para além disso, só faz sentido atribuir um desejo ideal a alguém que tenha alguns desejos actuais, sendo, portanto, os desejos ideais os que melhor reflectem aquilo que os seres conscientes desejam. Ora, segundo D. Boonin, “dado que o feto pré-consciente (feto humano antes do ponto em que começa a ter desejos conscientes) não tem quaisquer desejos actuais, segue-se que também não tem quaisquer desejos ideais” (D. Boonin, 2003: p. 187).
Por isso, a melhor explicação do nosso direito à vida, bem como do direito à vida dos adultos temporariamente comatosos, dos suicidas adolescentes e dos bebés, não implica que o feto pré-consciente tenha direito à vida inerente.
Bibliografia
Don Marquis, “A razão da imoralidade do aborto”, in Galvão, Pedro (org.) (2005). A Ética do Aborto. Perspectivas e Argumentos. Lisboa: DinaLivro, pp. 127-55.
David Boonin, “O argumento do futuro-como-o-nosso”, in Galvão, Pedro (org.) (2005). A Ética do Aborto. Perspectivas e Argumentos. Lisboa: DinaLivro, pp. 156-93.
Martinich, A. P. (1998). Philosophical Writing: An Introduction. Oxford Backwell, 1998, pp. 52-66 (Tradução de Vítor João Oliveira)
Trabalho realizado no âmbito da disciplina de Filosofia pelo João, Ricardo e Ruben do 10º C (ano lectivo 2006/07)
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