segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Será que somos todos egoístas?

Pedi aos meus alunos que respondessem ao problema filosófico seguinte "Será que somos todos egoístas?". Eis a resposta dada pelo grupo do Daniel, do Gonçalo, do João, do Ricardo e do Rúben (10º C):


Na realidade, ninguém é verdadeiramente altruísta, o que pode ser explicado por uma simples razão: o Homem não tem essa capacidade. Todas as acções humanas são motivadas pelo egoísmo, pois o ser humano apenas se interessa consigo mesmo e em satisfazer as suas necessidades. Na verdade, todo o comportamento “altruísta” está claramente ligado ao benefício próprio: ao desejo de reconhecimento público ou ao prazer da satisfação pessoal, por exemplo, ou ainda à esperança da recompensa divina.
Cada acto de aparente altruísmo pode ser justificado ou substituído por uma explicação reveladora de uma motivação egoísta. Veja-se o caso da caridade. Embora os actos de caridade pareçam actos de profunda abnegação, não passam do prazer de cada um na demonstração dos seus próprios poderes. Um homem caridoso está apenas a demonstrar a si e às outras pessoas que tem mais recursos que os outros, que é superior, pois é capaz de cuidar não só de si mesmo, mas também de outrem, embora às vezes possa não pensar estar a fazê-lo.
Também a piedade é uma pura farsa “altruísta”, uma vez que a razão pela qual nos sentimos incomodados com a infelicidade dos outros é pensarmos que a mesma coisa nos podia acontecer a nós. A “piedade” consiste em imaginar os nossos próprios infortúnios futuros, partindo da consciência das calamidades dos outros. A explicação da piedade dada pela teoria egoísta pode assim esclarecer facilmente o facto de sentirmos maior piedade de uma pessoa boa do que de uma pessoa má: a piedade requer um certo sentido de identificação com a pessoa que sofre, pois sentimos piedade de alguém quando nos sentimos no seu lugar, mas como todos pensamos ser pessoas boas, não nos identificamos com as que pensamos serem más. Assim, os nossos sentimentos de piedade variam em função directa do carácter da pessoa que sofre, porque o nosso sentido de identificação varia da mesma forma.
Do mesmo modo, cada um de nós está intimamente familiarizado com as suas próprias necessidades e desejos, não conhecendo de uma forma correcta as necessidades das outras pessoas e não estando, portanto, bem colocados para as satisfazer. Para além disso, utilizar as pessoas como objecto da nossa “caridade” é degradante para elas e priva-as da sua dignidade – as pessoas deixam de ter confiança em si mesmas e tornam-se dependentes dos outros. Tomemos como exemplo um mendigo habituado a receber esmolas dos outros. Este torna-se dependente das esmolas que as pessoas lhe dão e convence-se de que é incapaz de arranjar emprego, deixando de ter confiança em si mesmo.
Um outro ponto forte da teoria egoísta é a evidência da preocupação que todos temos connosco próprios, sendo um factor de importância esmagadora na motivação. Na verdade, cada um de nós tem uma só vida, tendo esta uma importância suprema. 0 egoísmo ético é a teoria que melhor valoriza o indivíduo, permitindo a cada pessoa encarar a sua vida como tendo um valor único. A ética do altruísmo leva a vida do indivíduo como algo que devemos estar prontos a sacrificar para o bem dos outros não tomando a sério o valor do indivíduo humano nem dos seus próprios interesses. Faz-se então a escolha parecer óbvia ao retratar a ética do altruísmo como uma doutrina demente que apenas um puro idiota poderia aceitar.
Para além disso, a doutrina do egoísmo não põe em causa a moralidade do senso comum, apenas a tenta explicar/sistematizar: não nega a existência de comportamentos como dizer a verdade, cumprir as nossas promessas, não fazer mal aos outros, entre outros, apenas explica que estes comportamentos são na verdade actos egoístas e, como tal, motivados pelo interesse próprio. Um exemplo que demonstra claramente esta situação é o seguinte: um comerciante de uma feira apenas dá o troco correcto aos seus clientes com medo de ser penalizado pela sociedade por burlar as pessoas.
Em suma, a ética altruísta é uma espécie de fraude, uma vez que quase todas as pessoas, mesmo aquelas que defendem o altruísmo e o auto-sacrifício, se colocam em primeiro lugar, e aquelas que não o fazem é apenas por recearem ficar mal vistas pela sociedade.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ainda que bem argumentado, creio que os seus alunos têm uma visão "pobre" da humanidade. Conquanto a argumentação apresentada se aplique a inúreas situações, senão à maioria dos actos morais, ela não se aplica a todos.

Vítor João Oliveira disse...

Caro Anónimo,

Os critérios de avaliação que os alunos conheciam à partida eram os seguintes:

1. Qual é o grau de compreensão dos assuntos do ensaio?
2. Que qualidade têm a discussão dos argumentos que apresenta?
3. A redacção é clara e bem organizada?

Por isso, não estava em causa avaliar o trabalho dos alunos a partir de uma possível concordância com a sua conclusão. Dizia-lhes no guião que lhes entreguei que era bastante provável que discordassemos sobre qual seria a melhor conclusão, mas que não teria dificuldade em concordar que tivessem feito um bom trabalho argumentando a favor da sua conclusão. E como o Caro Anónimo reconhece, está bem argumentado. Noto que se trata de alunos do 10º ano.
Acrescento ainda que os alunos tiveram que ler textos que respondem SIM e textos que respondem NÃO à questão colocada.
Cordialmente
Vítor João Oliveira