segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

John Rawls, "Democracia deliberativa"

Início hoje a publicação de textos que considero úteis para a discussão da democracia no percurso "A Filosofia na cidade" do Programa de Filosofia do 11º Ano. Dada a actualidade do conceito de democracia deliberativa e do facto de constituir o núcleo do que já pode ser considerado uma nova vertente na teoria democrática contemporânea, apresentarei textos potenciadores de uma discussão crítica que reconhece a centralidade do conceito de deliberação pública para explicar e compreender a dinâmica dos conflitos e a formação de acordos políticos em sociedades democráticas complexas e plurais. Começo com um pequeno texto de John Rawls.


“A democracia tem uma longa história, desde o seu início na Grécia clássica até o presente, e há muitas ideias diferentes de democracia. Aqui, estou interessado apenas numa democracia constitucional bem ordenada (…) compreendida também como uma democracia deliberativa. A ideia definitiva a favor da democracia deliberativa é a ideia da própria deliberação. Quando deliberam, os cidadãos trocam pontos de vista e debatem as razões que os sustentam no que diz respeito a questões políticas públicas. Eles supõem que as suas opiniões políticas podem ser revistas por meio da discussão com outros cidadãos, e não são, portanto, simplesmente o resultado fixo dos seus interesses privados ou não-políticos. Nesse ponto a razão pública é crucial, pois caracteriza o raciocínio dos cidadãos quanto a elementos constitucionais essenciais e questões de justiça básica. Embora eu não possa aqui discutir plenamente a natureza da democracia deliberativa, assinalo alguns pontos-chave para indicar o lugar e o papel mais amplos da razão pública.
Há três elementos essenciais na democracia deliberativa. Um é uma ideia de razão pública, embora nem todas as ideias de tal tipo sejam as mesmas. Um segundo elemento é uma estrutura de instituições democráticas constitucionais que especifique o cenário dos corpos legislativos deliberativos. O terceiro é o conhecimento e o desejo dos cidadãos em geral de seguir a razão pública e concretizar o seu ideal na conduta política. As implicações imediatas desses elementos essenciais são o financiamento público de eleições e o provimento de ocasiões públicas para a discussão ordenada e séria de questões fundamentais e de questões de política pública. A deliberação pública deve ser possível, reconhecida como característica básica da democracia, e livre da maldição do dinheiro. Do contrário, a política é dominada por interesses corporativos e outros interesses organizados, que através de grandes contribuições para as campanhas eleitorais distorcem, quando não excluem, a discussão e a deliberação públicas.
A democracia deliberativa também reconhece que, sem educação ampla sobre os aspectos básicos do governo democrático para todos os cidadãos, e sem um público informado a respeito de problemas prementes, as decisões políticas e sociais, cruciais não podem pura e simplesmente ser tomadas. Mesmo que líderes políticos previdentes desejassem fazer mudanças e reformas sensatas, não poderiam convencer um público mal informado e descrente a aceitá-Ias e segui-Ias. Por exemplo, há propostas sensatas quanto ao que devia ser feito a respeito da crise a que se alega estar a chegar na Segurança Social; diminuir o crescimento dos níveis dos beneficios, elevar gradualmente a idade de reforma, impor limites aos cuidados médicos dispendiosos para prolongar a vida por apenas algumas semanas ou dias, e aumentar as contribuições agora, em vez de enfrentar aumentos mais tarde. Mas, como as coisas estão, os que seguem o "grande jogo da política" sabem que nenhuma dessas propostas sensatas será aceite. A mesma história pode ser contada sobre a importância de apoiar instituições internacionais (como as Nações Unidas), ajuda internacional adequadamente aplicada e interesse pelos direitos humanos interna e externamente. Na procura constante do lucro para financiar campanhas, o sistema político é simplesmente incapaz de funcionar. Os seus poderes deliberativos estão paralisados.”

Rawls, John (2001). O Direito dos Povos. São Paulo: Martins Fontes, pp. 182-3 (Adaptado por Vítor João Oliveira)

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