sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Douglas P. Lackey, "Pacifismo" ( Parte III)

"A proibição do acto de matar
(b) A Sacralidade da Vida
Todavia, há pessoas que se opõem a todo o acto de matar, mas que não procuram justificação na revelação divina. Muitas destas pessoas defendem o pacifismo apelando para a sacralidade da vida. Quase todas as pessoas se espantam com os movimentos e as reacções de um recém-nascido, e quase todas podem sentir-se extasiadas ao estudar as coisas vivas, grandes ou pequenas. A complexidade dos mecanismos que encontramos nos organismos vivos, combinada com a eficiência com que realizam as suas funções, não possui equivalente nos processos envolvidos na matéria inorgânica. As pessoas que ficam particularmente extasiadas com a beleza das coisas vivas inferem daí o sentimento que a vida é sagrada e que todo o acto de matar é errado.
A crença na sacralidade da vida tem dado origem a diferentes versões do pacifismo. A versão mais radical proíbe o acto de matar qualquer forma de vida. Esta perspectiva foi alegadamente defendida por Pitágoras e é actualmente defendida pelo jainismo na Índia. (Aqueles que pensam que estes pacifistas cedo morrerão à fome, devem ter em atenção que uma dieta baseada no leite, no mel, na fruta e vegetais caídos, bem como outros itens consumíveis, que não tenham sido precedidos do acto de matar, pode ser suficiente para manter vivo um ser humano.) Uma versão menos radical autoriza a morte de plantas, mas proíbe a morte de animais. A versão mais moderada apenas proíbe a morte de outros seres humanos.
Existe um profundo apelo no argumento que relaciona a sacralidade da vida com a imoralidade do acto de matar. Mesmo aqueles que não são pacifistas sentem-se, por vezes, revoltados com o espectáculo da morte e a maioria dos americanos não conseguiria comer carne se tivesse que observar o modo como os animais que consomem são chacinados ou se tivessem eles próprios que os matar. A maioria das pessoas sente que o mundo em que habitam não é propriedade sua e reconhece que não são livres de dispor dele como quiserem, que as coisas que nele existem, especialmente as vivas, são merecedores de respeito e cuidado. Assim, nada violará mais o respeito que todas as coisas vivas merecem do que matá-las, em especial porque a maior parte das mortes de seres humanos e não humanos é obviamente desnecessária.
Mas com a introdução do termo “desnecessária” surge um paradoxo. Por vezes – embora de forma menos frequente do que imaginamos – matar alguns pode salvar outros. Ora, será que o princípio de que a vida deve ser preservada por ser sagrada implica que nenhum ser vivo deva alguma vez ser morto, ou será que implica que devemos preservar a vida tanto quanto venha a ser possível? É óbvio que os pacifistas consideram a primeira possibilidade, enquanto que os não-pacifistas consideram a segunda.
A posição de que matar é errado, porque destrói o que é sagrado, parece implicar que todo o acto de matar é errado, porque matar diminui a quantidade de bem no mundo. Parece que se uma pessoa pode salvar mais vidas através do acto de matar do que através do acto de recusar tirar a vida, então os argumentos a favor da sacralidade da vida não provam que matar nestas circunstâncias seja errado. (Pode ser errado por outras razões.) Quantas mais vidas forem salvas, maior a quantidade de bem no mundo.
Bem vistas as coisas, a dificuldade de que às vezes matar pode servir para salvar vidas, não é só um problema para o pacifismo baseado na sacralidade da vida humana. Se preservar a vida é o valor mais elevado, um valor não comparável a quaisquer outros bens que não preservem a vida, segue-se que qualquer acto que coloque a vida em risco será imoral. Mas na história da humanidade foram levadas a cabo diversas acções admiráveis, bem como outras que, embora menos heróicas, são acções perfeitamente morais – por exemplo, andar na estrada a uma velocidade moderada, autorizar o início de um voo comercial, e assim por diante – mas que colocaram vidas em risco. Nos casos dos mártires religiosos que escolheram a morte à apostasia, a vida foi tão destruída como nos casos de simples homicídio. Contudo, todas as coisas consideradas, os condutores de automóveis, os controladores de tráfego aéreo e os mártires religiosos não são considerados perversos. De igual modo, por vezes pessoas que estão ligadas a máquinas de preservação da vida pedem que as desliguem das máquinas com base no argumento de que a qualidade da vida é mais relevante que a quantidade da vida. Podemos considerar que essas pessoas estão enganadas, mas dificilmente as consideraremos moralmente depravadas.
Ao responder a esta objecção, o pacifista pode querer distinguir entre a acção de matar outra pessoa e a acção matar-se, defendendo que apenas a primeira é imoral. Mas, embora exista uma diferença genuína entre matar e matar-se, a distinção não implica que matar outra pessoa destrói a vida, enquanto que matar-se não. Se a vida é sagrada, toda a vida, incluindo a própria, deve ser preservada a todo o custo. Em muitos casos, as pessoas consideram o preço de preservar a própria vida demasiado alto."

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