(c) O Cálculo do Bem e do Mal na Guerra
Cabe aos pacifistas defender que a morte de soldados e civis na guerra é um fim justificável para obter bens morais mais elevados do que se apenas lutássemos por eles. Os civis têm direito à vida, mas esses direitos podem ser ponderados com os objectivos nacionais, desde que esses objectivos sejam moralmente aceitáveis e absolutamente vitais. É óbvio que o argumento a favor da morte de civis só será aceitável para o lado justo de uma guerra, mas se for válido, provará, ao contrário do que afirmam os argumentos do pacifismo anti-guerra, que pode haver um lado justo da guerra.
Os pacifistas anti-guerra possuem duas linhas de defesa. Primeiro, podem continuar a defender que o fim não justifica os meios, se os meios forem assassinos. Segundo, podem e devem continuar a defender que existe um erro trágico na crença de que bens morais mais elevados podem ser obtidos através da guerra. De acordo com os pacifistas anti-guerra, a quantidade de bem moral produzido através da guerra tem sido largamente exagerada. Por exemplo, a Guerra Mexicana resultou do facto de metade do México ter sido transferido para o domínio Americano. Isto representou num enorme bem para os Estados da América, mas não um grande bem moral, uma vez que os Estados Unidos tinham pouco direito relativamente a esse território, e nenhuma grande injustiça teria persistido se a guerra não tivesse acontecido.
A Revolução Americana é amplamente vista como uma guerra que provocou um grande bem moral; mas se a guerra não tivesse acontecido, a história dos Estados Unidos seria similar à do Canadá (que permaneceu leal) – e ninguém acha que os Canadianos sofreram ou estão a sofrer grandes injustiças que as colónias Americanas evitaram através da guerra. De igual modo, é difícil estabelecer que bens foram produzidos pela II Guerra Mundial e que perdas morais teriam ocorrido se o lado vencedor, “o nosso lado”, tivesse perdido. Bertrand Russel imaginou que, se tal tivesse acontecido, as perdas para a Inglaterra seriam as seguintes:
A maior quantidade de bens que os estrangeiros poderiam exigir seria toda a renda económica da terra e dos recursos naturais da Inglaterra. [Mas] as classes trabalhadoras, os lojistas, os industriais, os homens de negócios, os intelectuais e os cientistas – todas as pessoas que tornam a Inglaterra reconhecível no mundo – possuem no mínimo uma parte infinitesimal e acidental da riqueza total da Inglaterra. Aqueles que possuem uma parte, usam-na em luxos, na corrupção política, para matar os pássaros e para o despovoamento e exploração das zonas rurais. Teria sido esta vida de ociosa riqueza que seria diminuída se os Alemães exigissem tributo à Inglaterra. (Justiça na Guerra, pp. 48-9)
Mas a apologia do pacifismo não pode ser feita através da multiplicação dos exemplos de guerras que produziram pouco bem moral. O pacifista tem que mostrar que nenhuma guerra alguma vez produziu bem suficiente que justificasse a morte dos soldados e dos civis que nelas ocorre. Basta apresentar uma única guerra que tenha produzido bens morais suficientes para justificar as suas mortes para refutar a tese pacifista de que todas as guerras são moralmente injustificáveis. Claro que isto coloca o pacifista anti-guerra face a face com a II Guerra Mundial.
Estima-se habitualmente que 35 milhões de pessoas morreram por causa da II Guerra Mundial. É difícil imaginar uma causa que possa justificar uma tal quantidade de mortes, mas felizmente que os Aliados apenas têm que justificar a sua parte. Entre 1939 e 1945, as forças Aliadas mataram cerca de 5, 5 milhões de soldados do Eixo, e cerca de um milhão de civis nos países do Eixo. Suponha-se que a Inglaterra e os Estados Unidos tivessem escolhido manter-se fora da II Guerra Mundial e que Estaline, tal como Lenine, se tivesse rendido à Alemanha pouco depois da invasão. Será que evitar o mundo que resultaria dessas decisões justificaria a morte de 6,5 milhões de pessoas?
Se Hitler e Tojo tivessem ganho a guerra, sem dúvida que teriam morto uma grande quantidade de pessoas antes e depois da vitória, mas é bastante provável que o total adicional de vítimas, para além daquelas que teriam morrido no decorrer da guerra, tivesse sido inferior a 6,5 milhões e, de qualquer modo, a responsabilidade dessas mortes seria de Hitler e de Tojo, não dos Aliados. Se Hitler e Tojo tivessem ganho a guerra, uma grande parte do mundo teria caído no domínio estrangeiro, provavelmente durante um longo período. Mas o pacifista anti-guerra chamaria a atenção para o facto das maiores áreas de dominação estrangeira – China e Rússia – não serem lugares em que os cidadãos usufruíssem de um nível elevado de liberdade antes da guerra. Talvez a maioria das pessoas nas áreas conquistadas tivessem desenvolvido um modus vivendi relativamente aos novos governantes, como sucedeu com os cidadãos Franceses durante a ocupação Alemã. Também não se pode defender que a II Guerra Mundial era necessária para salvar 6 milhões de Judeus da aniquilação no Holocausto, uma vez que de facto a guerra não os salvou.
Os objectivos últimos dos líderes do Eixo são objecto de debate histórico. Parece claro que os Japoneses não tinham intenção de conquistar os Estados Unidos, e alguns historiadores sugerem que Hitler esperava evitar a guerra com a Inglaterra e os Estados Unidos, tendo declarado guerra à Inglaterra de forma relutante e só depois de os Ingleses lhe terem declarado guerra. Ainda assim, a opinião popular aceita que Hitler queria conquistar o mundo, e se impedir a conquista da China e da Rússia não justificava a morte de 6,5 milhões de mortes, a maioria dos americanos acredita que impedir a conquista da Inglaterra e dos Estados Unidos justifica efectivamente este tipo de mortandade.
O pacifista anti-guerra discorda. Seguramente que uma governação Alemã da Inglaterra ou dos Estados Unidos seria algo muito mau. Ao mesmo tempo, o ódio a uma governação Alemã seria particularmente alimentado pelo ódio aos estrangeiros, e este, por si só, é uma emoção irracional e moralmente injustificável. No fim de contas, se a governação por estrangeiros fosse, por si só, uma grande mal moral, os Ingleses, com o seu grande império colonial, dificilmente poderiam eles próprios ser considerados o lado moralmente superior da II Guerra Mundial.
Ninguém nega que uma vitória Nazi na II Guerra Mundial teria produzido resultados moralmente assustadores. Mas, de acordo com o pacifismo anti-guerra, matar 6,5 milhões de pessoas também é algo moralmente assustador, e é obvio que impedir um mal moral não pode ser compensado com a produção de outro equivalente. Poucas pessoas partilham hoje da condenação pacifista da II Guerra Mundial, mas talvez isso aconteça porque as mortes provocadas pelos Aliados não pode assegurar que estas perdas sejam adequadamente avaliadas segundo uma escala moral. Os pacifistas anti-guerra falam em nome dos mortos inimigos e de todos os milhões que estariam vivos se a guerra não tivesse ocorrido. E é neste cliente silencioso que baseiam a sua causa.”
Cabe aos pacifistas defender que a morte de soldados e civis na guerra é um fim justificável para obter bens morais mais elevados do que se apenas lutássemos por eles. Os civis têm direito à vida, mas esses direitos podem ser ponderados com os objectivos nacionais, desde que esses objectivos sejam moralmente aceitáveis e absolutamente vitais. É óbvio que o argumento a favor da morte de civis só será aceitável para o lado justo de uma guerra, mas se for válido, provará, ao contrário do que afirmam os argumentos do pacifismo anti-guerra, que pode haver um lado justo da guerra.
Os pacifistas anti-guerra possuem duas linhas de defesa. Primeiro, podem continuar a defender que o fim não justifica os meios, se os meios forem assassinos. Segundo, podem e devem continuar a defender que existe um erro trágico na crença de que bens morais mais elevados podem ser obtidos através da guerra. De acordo com os pacifistas anti-guerra, a quantidade de bem moral produzido através da guerra tem sido largamente exagerada. Por exemplo, a Guerra Mexicana resultou do facto de metade do México ter sido transferido para o domínio Americano. Isto representou num enorme bem para os Estados da América, mas não um grande bem moral, uma vez que os Estados Unidos tinham pouco direito relativamente a esse território, e nenhuma grande injustiça teria persistido se a guerra não tivesse acontecido.
A Revolução Americana é amplamente vista como uma guerra que provocou um grande bem moral; mas se a guerra não tivesse acontecido, a história dos Estados Unidos seria similar à do Canadá (que permaneceu leal) – e ninguém acha que os Canadianos sofreram ou estão a sofrer grandes injustiças que as colónias Americanas evitaram através da guerra. De igual modo, é difícil estabelecer que bens foram produzidos pela II Guerra Mundial e que perdas morais teriam ocorrido se o lado vencedor, “o nosso lado”, tivesse perdido. Bertrand Russel imaginou que, se tal tivesse acontecido, as perdas para a Inglaterra seriam as seguintes:
A maior quantidade de bens que os estrangeiros poderiam exigir seria toda a renda económica da terra e dos recursos naturais da Inglaterra. [Mas] as classes trabalhadoras, os lojistas, os industriais, os homens de negócios, os intelectuais e os cientistas – todas as pessoas que tornam a Inglaterra reconhecível no mundo – possuem no mínimo uma parte infinitesimal e acidental da riqueza total da Inglaterra. Aqueles que possuem uma parte, usam-na em luxos, na corrupção política, para matar os pássaros e para o despovoamento e exploração das zonas rurais. Teria sido esta vida de ociosa riqueza que seria diminuída se os Alemães exigissem tributo à Inglaterra. (Justiça na Guerra, pp. 48-9)
Mas a apologia do pacifismo não pode ser feita através da multiplicação dos exemplos de guerras que produziram pouco bem moral. O pacifista tem que mostrar que nenhuma guerra alguma vez produziu bem suficiente que justificasse a morte dos soldados e dos civis que nelas ocorre. Basta apresentar uma única guerra que tenha produzido bens morais suficientes para justificar as suas mortes para refutar a tese pacifista de que todas as guerras são moralmente injustificáveis. Claro que isto coloca o pacifista anti-guerra face a face com a II Guerra Mundial.
Estima-se habitualmente que 35 milhões de pessoas morreram por causa da II Guerra Mundial. É difícil imaginar uma causa que possa justificar uma tal quantidade de mortes, mas felizmente que os Aliados apenas têm que justificar a sua parte. Entre 1939 e 1945, as forças Aliadas mataram cerca de 5, 5 milhões de soldados do Eixo, e cerca de um milhão de civis nos países do Eixo. Suponha-se que a Inglaterra e os Estados Unidos tivessem escolhido manter-se fora da II Guerra Mundial e que Estaline, tal como Lenine, se tivesse rendido à Alemanha pouco depois da invasão. Será que evitar o mundo que resultaria dessas decisões justificaria a morte de 6,5 milhões de pessoas?
Se Hitler e Tojo tivessem ganho a guerra, sem dúvida que teriam morto uma grande quantidade de pessoas antes e depois da vitória, mas é bastante provável que o total adicional de vítimas, para além daquelas que teriam morrido no decorrer da guerra, tivesse sido inferior a 6,5 milhões e, de qualquer modo, a responsabilidade dessas mortes seria de Hitler e de Tojo, não dos Aliados. Se Hitler e Tojo tivessem ganho a guerra, uma grande parte do mundo teria caído no domínio estrangeiro, provavelmente durante um longo período. Mas o pacifista anti-guerra chamaria a atenção para o facto das maiores áreas de dominação estrangeira – China e Rússia – não serem lugares em que os cidadãos usufruíssem de um nível elevado de liberdade antes da guerra. Talvez a maioria das pessoas nas áreas conquistadas tivessem desenvolvido um modus vivendi relativamente aos novos governantes, como sucedeu com os cidadãos Franceses durante a ocupação Alemã. Também não se pode defender que a II Guerra Mundial era necessária para salvar 6 milhões de Judeus da aniquilação no Holocausto, uma vez que de facto a guerra não os salvou.
Os objectivos últimos dos líderes do Eixo são objecto de debate histórico. Parece claro que os Japoneses não tinham intenção de conquistar os Estados Unidos, e alguns historiadores sugerem que Hitler esperava evitar a guerra com a Inglaterra e os Estados Unidos, tendo declarado guerra à Inglaterra de forma relutante e só depois de os Ingleses lhe terem declarado guerra. Ainda assim, a opinião popular aceita que Hitler queria conquistar o mundo, e se impedir a conquista da China e da Rússia não justificava a morte de 6,5 milhões de mortes, a maioria dos americanos acredita que impedir a conquista da Inglaterra e dos Estados Unidos justifica efectivamente este tipo de mortandade.
O pacifista anti-guerra discorda. Seguramente que uma governação Alemã da Inglaterra ou dos Estados Unidos seria algo muito mau. Ao mesmo tempo, o ódio a uma governação Alemã seria particularmente alimentado pelo ódio aos estrangeiros, e este, por si só, é uma emoção irracional e moralmente injustificável. No fim de contas, se a governação por estrangeiros fosse, por si só, uma grande mal moral, os Ingleses, com o seu grande império colonial, dificilmente poderiam eles próprios ser considerados o lado moralmente superior da II Guerra Mundial.
Ninguém nega que uma vitória Nazi na II Guerra Mundial teria produzido resultados moralmente assustadores. Mas, de acordo com o pacifismo anti-guerra, matar 6,5 milhões de pessoas também é algo moralmente assustador, e é obvio que impedir um mal moral não pode ser compensado com a produção de outro equivalente. Poucas pessoas partilham hoje da condenação pacifista da II Guerra Mundial, mas talvez isso aconteça porque as mortes provocadas pelos Aliados não pode assegurar que estas perdas sejam adequadamente avaliadas segundo uma escala moral. Os pacifistas anti-guerra falam em nome dos mortos inimigos e de todos os milhões que estariam vivos se a guerra não tivesse ocorrido. E é neste cliente silencioso que baseiam a sua causa.”
Douglas P. Lackey, “Pacifism” in White, James E. (2006). Contemporary Moral Problems: War and Terrorism. Belmont: Thompson Wadsworth, pp. 7-21 (Traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira)
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