terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Douglas P. Lackey, "Pacifismo" ( Parte X)

Pacifismo Anti-guerra
A maioria das pessoas que acredita no direito pessoal de auto-defesa, também acredita que algumas guerras são moralmente justificáveis. De facto, a noção de auto-defesa e a noção de guerra justa estão habitualmente ligadas; diz-se que as guerras justas são guerras defensivas, e que a justiça da guerra defensiva se infere do direito pessoal de auto-defesa, projectado do plano do indivíduo para o plano do estado. Mas algumas pessoas rejeitam esta projecção: aceitam a validade da auto-defesa pessoal, mas negam que a guerra possa ser justificada com base no direito de auto-defesa ou noutro direito qualquer. Pelo contrário, defendem que a guerra é sempre uma violação injustificável dos direitos. Para estes pacifistas anti-guerra, toda a participação na guerra é moralmente errada.

A Morte dos Soldados
Um traço necessário e universal das guerras é os soldados morrerem nelas. A maioria das pessoas encara essas mortes como um mal necessário e considera a morte de soldados na guerra como moralmente aceitável. Se a guerra for travada por uma causa justa, a morte dos soldados inimigos é vista como necessária para o triunfo do direito. Se a guerra for travada por uma causa injusta, a morte dos soldados inimigos é vista como aceitável porque, certo ou errado, se considera honroso lutar pelo próprio país, desde que se lute bem e com decência. Mas o pacifista anti-guerra não toma a morte de soldados como algo garantido. Todos têm direito à vida e a morte de soldados na guerra é intencional, é uma violação deliberada do direito à vida. De acordo com a interpretação padrão dos direitos básicos, nunca é moralmente justificável violar um direito básico para produzir algum bem; o fim, nestes casos, não justifica os meios. Então como pode a morte de soldados na guerra ser moralmente justificável – ou até desculpável?
Talvez a resposta mais habitual ao desafio do pacifismo anti-guerra seja dizer que matar numa guerra é matéria de auto-defesa, auto-defesa pessoal, um direito que é livremente reconhecido pelos pacifistas anti-guerra. Na guerra, diz o argumento, ou se mata ou se morre – e o acto de matar acontece em auto-defesa. Mas embora o apelo à auto-defesa seja natural, os pacifistas anti-guerra acreditam que não é bem sucedido. Em primeiro lugar, segundo a compreensão usual de “auto-defesa”, aqueles que matam podem alegar a justificação de auto-defesa apenas se (a) não houver forma de salvar as suas próprias vidas ou de se preservarem de dano físico, a não ser através do acto de matar, e (b) não tivessem feito algo para provocar o ataque de que foram alvos. Os pacifistas anti-guerra observam que os soldados no campo de batalha dispõem de outra forma de se salvarem da morte ou do dano sem que tenham de matar alguém; podem render-se. Além disso, no caso dos soldados que estejam a travar uma guerra injusta – por exemplo, os soldados Alemães que lutavam durante a invasão da Rússia em 1941 – é difícil defender que “nada fizeram para provocar” a força mortal que os atingiu. Mas se o exército Alemão provocou os Russos para uma guerra em solo russo, os soldados Alemães não podiam legitimamente alegar auto-defesa como justificação moral para matar os soldados Russos.
Para os não-pacifistas, estes aspectos podem parecer sofismas legalistas. Mas o pacifismo anti-guerra possui um argumento ainda mais forte contra a morte de soldados na guerra. A larga maioria dos soldados que morrem na guerra, não morrem em situações do tipo “matar ou morrer”. São mortos por balas, granadas, ou bombas lançadas de pontos seguros – “seguros” no sentido em que aqueles que disparam as balas ou atiram as granadas ou largam as bombas não enfrentam nenhum perigo imediato de morte. Uma vez que aqueles que matam não estão em perigo imediato de morrer, não podem invocar o argumento de “auto-defesa” para justificar as mortes que provocam.
Assim, deve haver outro argumento para além do da “auto-defesa”, que explique por que as mortes de soldados na guerra não devem ser classificadas como assassínio. Frequentemente, os não-pacifistas defendem que a explicação encontra-se na doutrina da “assunção do risco”, na ideia, comum no direito civil, de que as pessoas que assumem livremente o risco só se podem culpar a si próprias se esse risco se concretizar. Quando um soldado parte para a guerra, está bem consciente de que um dos riscos da sua actividade é morrer no campo de batalha. Se morrer no campo de batalha, a responsabilidade da sua morte será sua, não do homem que o matou. Ao assumir o risco – diz o argumento – renuncia ao direito de viver, pelo menos no campo de batalha.
Não é preciso ser-se pacifista para ver as dificuldades deste argumento. Em primeiro lugar, em todas as grandes guerras modernas, a maior parte dos homens que estavam na linha de fogo não eram voluntários, eram recrutas. Apenas uma nação rica como os Estados Unidos pode suportar um exército inteiramente constituído por voluntários, e a maioria dos especialistas acredita que as fileiras de Americanos voluntários terá que ser engrossada com recrutas, se os Estados Unidos se envolverem noutro conflito com uma escala semelhante à da Coreia ou do Vietnam. Segundo, em muitos dos casos em que há consciência do risco, a responsabilidade pelos maus resultados não reside na pessoa que assume o risco, mas na pessoa que o criou. Se um incendiário põe fogo numa casa e um pai entra nela para salvar o filho, morrendo na tentativa de salvamento, a responsabilidade não é do pai que assumiu o risco, mas do incendiário que o provocou. Assim, se os exércitos Alemães invadiram a Rússia, assumindo o risco da morte na batalha, e se os soldados Russos também assumiram o risco e contra-atacaram, a morte dos Russos foi culpa dos invasores Alemães, não dos defensores que assumiram o risco.
Estas críticas aos soldados rasos Alemães irritarão a maioria dos que serviram nas forças armadas e que sabem quão pouco do processo de tomada de decisão militar e política sobra para esses homens na linha da frente, os quais parecem ser o alvo especial destes argumentos pacifistas. Mas os pacifistas anti-guerra negarão que o seu objectivo seja condenar os homens no campo de batalha. A maioria dos pacifistas anti-guerra sente que esses soldados na guerra agem debaixo de uma coacção considerável e são, por essa razão, desculpados da responsabilidade pelas mortes que provocam. Mas dizer que as mortes ocorridas no campo de batalha são desculpáveis não equivale a dizer que são moralmente justificáveis. Pelo contrário, se essas mortes são desculpáveis, é porque existe alguma imoralidade a desculpar.

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