A Morte de Civis
Nas crónicas das guerras do passado, o conflito era total e a perdas na batalha eram frequentemente seguidas pela chacina total dos homens, mulheres e crianças do lado vencido. Sempre se considerou que confinar a destruição da guerra ao pessoal e aos instrumentos da guerra, poupando tanto quanto possível os civis e a sua propriedade, era uma das marcas da evolução civilizacional. Esta sofreu um revés claro na II Guerra Mundial, em que o ratio de mortos civis relativamente ao número total de mortos foi provavelmente o mais elevado desde as guerras religiosas do século XVII. A guerra do Vietnam também se caracterizou por um ratio muito elevado de mortes civis relativamente ao número total de mortos. Dado o imenso poder de fogo das armas modernas e da enorme distância entre os seus locais de lançamento e os locais de explosão das bombas, um número substancial de baixas civis é uma parte inevitável das guerras terrestres modernas. Mas, como defendem os pacifistas anti-guerra, é imoral matar civis, pelo que a guerra terrestre moderna é necessariamente imoral.
Alguns não-pacifistas defenderão que matar civis inimigos é justificável mesmo quando essas mortes são evitáveis. Poucos defenderão que matar civis inimigos seja justificável quando essas mortes são o objectivo primário de uma operação militar. Mas o que dizer da morte de civis que são o resultado inevitável dos resultados de operações militares dirigidas para um outro resultado? O pacifista classifica estas mortes como imorais, enquanto que a maioria dos não-pacifistas refere que são mortes lamentáveis, mas inevitáveis. Mas por que não será assassínio, se os civis são inocentes e se, à partida, se sabe que alguns civis serão mortos? Não será este um exemplo de morte intencional de inocentes, o que corresponderá à definição tradicional de assassínio?
O não-pacifista sofisticado pode tentar evitar este ataque estabelecendo analogias com políticas estranhas à arena de guerra. Existem, apesar de tudo, bastantes políticas moralmente aceitáveis que, uma vez adoptadas, têm como resultado a morte de pessoas inocentes. Por exemplo, se a Assembleia da República decidisse aumentar o limite de velocidade nas auto-estradas para 140 Km/h, mais pessoas morreriam do que se fixasse o limite de velocidade nas auto-estradas nos 120 Km/h. Uma vez que muitas das pessoas que morreriam nas auto-estradas seriam inocentes, a Assembleia da República teria escolhido a política que reconhecidamente mais inocentes mataria, mas nem por isso seria considerado assassínio. Ou suponha-se, por exemplo, que o Ministério da Saúde está a considerar introduzir um plano nacional de vacinação para impedir a expansão de uma epidemia da gripe. O Ministério sabe que se não o fizer, muitas pessoas morrerão. Por outro lado, se o programa for implementado, um certo número de pessoas morrerá em resultado da reacção alérgica à vacina. A maioria das pessoas que morreria de reacção alérgica, não teria morrido se o programa de vacinação contra a gripe não tivesse sido implementado. Então o programa de vacinação mataria pessoas inocentes que poderiam ser salvas se o programa não fosse implementado. Mas se o Ministério da Saúde implementasse esse programa, não pensaríamos tratar-se de assassínio.
Os não-pacifistas defendem que o que torna estas acções da Assembleia da República e do Ministério da Saúde moralmente permissíveis é o facto das mortes de pessoas inocentes, sendo previsíveis, não constituírem o seu verdadeiro objectivo. Os deputados da Assembleia da República não desejam que as pessoas morram nas auto-estradas, até porque qualquer morte na auto-estrada é lamentável. O objectivo de fixar o limite de velocidade nas auto-estradas nos 140 Km/h não é matar pessoas, mas estabelecer um equilíbrio razoável entre segurança e conveniência. De igual forma, o objectivo do Ministério da Saúde não é vacinar as pessoas para as matar. O seu objectivo é salvar o máximo de vidas possível, sendo que cada vida que se viesse a perder por causa da vacina seria lamentável. Seriam previsíveis, mas sempre lamentáveis. Se nestes casos não podemos acusar os deputados da Assembleia da República e o Ministério da Saúde de assassínio, também não podemos, para sermos consistentes, acusar as forças militares que provocam mortes civis nas guerras de assassínio, especialmente se existirem tentativas para reduzir ao mínimo o número de mortes civis.
Os pacifistas anti-guerra não condenam os deputados da Assembleia da República e o Ministério da Saúde em casos como estes. Mas afirmam que os casos de guerra são diferentes de formas moralmente relevantes. Para demonstrar a diferença, os pacifistas anti-guerra apresentam uma análise completamente diferente da justificação moral para os exemplos do limite de velocidade e do programa de vacinação. Na sua opinião, o facto das mortes na auto-estrada e da vacinação serem “não-intencionais” e “lamentáveis” é moralmente irrelevante. A verdadeira justificação reside no consentimento. No caso da regulamentação das auto-estradas, as regras são decididas por uma Assembleia, eleita pelas mesmas pessoas que usam as auto-estradas. Se a Assembleia decide que o limite de velocidade nas auto-estradas é 140 Km/h, trata-se de uma regra que, num certo sentido, os automobilistas impuseram a si próprios. As pessoas que morrem nas auto-estradas por causa do limite de velocidade, assumiram, num duplo sentido, os riscos decorrentes do limite de velocidade: criaram, através da Assembleia, um risco e, ao entrarem nas auto-estradas, expuseram-se livremente a esse risco. A responsabilidade pelas mortes nas auto-estradas repousa tanto nos próprios condutores como naqueles que chocam com eles – não nos deputados da Assembleia da República.
De igual modo, no caso do programa de vacinação, se as pessoas forem antecipadamente avisadas dos riscos da vacinação, e se ainda assim escolherem ser vacinadas, passarão a ser responsáveis pelas suas mortes se tiverem consciência dos riscos. De acordo com a resposta do pacifista anti-guerra, é o consentimento dado pelos automobilistas e pelas pessoas que voluntariamente aderem à vacinação, que justifica estas medidas, e é precisamente o elemento do consentimento que não está presente no caso dos riscos infligidos aos inimigos civis em tempos de guerra.
Considere-se o exemplo padrão da morte de civis alegadamente justificado em tempos de guerra. Suponha-se que a destruição de uma certa ponte é um objectivo militar importante, mas que, se a bomba for destruída, é bastante provável que os civis que vivem nas imediações morram. (Não é possível avisar os civis sem alertar o inimigo para a necessidade de reforçar a vigilância da ponte.) Se a ponte for bombardeada e os civis morrerem, as vítimas do bombardeamento não estão na mesma categoria moral que as vítimas da auto-estrada ou da vacinação. As vítimas do bombardeamento não autorizaram o bombardeamento através de um processo qualquer de eleição dos seus representantes. Nem o bombardeamento foi de algum modo um risco calculado no interesse das vítimas. Por todas as razões, as conclusões morais relativas à legislação nas auto-estradas e aos programas de vacinação não são extrapoláveis para o exemplo do bombardeamento da ponte.
Os não-pacifistas que reconhecem que será bastante difícil entrar em guerra sem bombardear pontes, podem defender que, de um certo modo, as vítimas dos bombardeamentos assumem o risco do bombardeamento quando escolhem viver ao lado de uma alvo militar potencial. De facto, por vezes afirma-se que todos os civis de uma dada nação assumem os riscos da guerra, uma vez que os podiam ter evitado mudando-se simplesmente para um país neutro. Mas estes argumentos são forçados e nada bondosos, mesmo para aquelas nações que estão em guerra e permitem a emigração. A maioria das pessoas considera que abandonar as suas casas é um enorme sacrifício, e uma opção que implica um enorme sacrifício não pode verdadeiramente ser considerada uma opção livre. A analogia entre as vítimas não-intencionais da vacinação e vítimas civis não-intencionais da guerra parece não fazer sentido.
Nas crónicas das guerras do passado, o conflito era total e a perdas na batalha eram frequentemente seguidas pela chacina total dos homens, mulheres e crianças do lado vencido. Sempre se considerou que confinar a destruição da guerra ao pessoal e aos instrumentos da guerra, poupando tanto quanto possível os civis e a sua propriedade, era uma das marcas da evolução civilizacional. Esta sofreu um revés claro na II Guerra Mundial, em que o ratio de mortos civis relativamente ao número total de mortos foi provavelmente o mais elevado desde as guerras religiosas do século XVII. A guerra do Vietnam também se caracterizou por um ratio muito elevado de mortes civis relativamente ao número total de mortos. Dado o imenso poder de fogo das armas modernas e da enorme distância entre os seus locais de lançamento e os locais de explosão das bombas, um número substancial de baixas civis é uma parte inevitável das guerras terrestres modernas. Mas, como defendem os pacifistas anti-guerra, é imoral matar civis, pelo que a guerra terrestre moderna é necessariamente imoral.
Alguns não-pacifistas defenderão que matar civis inimigos é justificável mesmo quando essas mortes são evitáveis. Poucos defenderão que matar civis inimigos seja justificável quando essas mortes são o objectivo primário de uma operação militar. Mas o que dizer da morte de civis que são o resultado inevitável dos resultados de operações militares dirigidas para um outro resultado? O pacifista classifica estas mortes como imorais, enquanto que a maioria dos não-pacifistas refere que são mortes lamentáveis, mas inevitáveis. Mas por que não será assassínio, se os civis são inocentes e se, à partida, se sabe que alguns civis serão mortos? Não será este um exemplo de morte intencional de inocentes, o que corresponderá à definição tradicional de assassínio?
O não-pacifista sofisticado pode tentar evitar este ataque estabelecendo analogias com políticas estranhas à arena de guerra. Existem, apesar de tudo, bastantes políticas moralmente aceitáveis que, uma vez adoptadas, têm como resultado a morte de pessoas inocentes. Por exemplo, se a Assembleia da República decidisse aumentar o limite de velocidade nas auto-estradas para 140 Km/h, mais pessoas morreriam do que se fixasse o limite de velocidade nas auto-estradas nos 120 Km/h. Uma vez que muitas das pessoas que morreriam nas auto-estradas seriam inocentes, a Assembleia da República teria escolhido a política que reconhecidamente mais inocentes mataria, mas nem por isso seria considerado assassínio. Ou suponha-se, por exemplo, que o Ministério da Saúde está a considerar introduzir um plano nacional de vacinação para impedir a expansão de uma epidemia da gripe. O Ministério sabe que se não o fizer, muitas pessoas morrerão. Por outro lado, se o programa for implementado, um certo número de pessoas morrerá em resultado da reacção alérgica à vacina. A maioria das pessoas que morreria de reacção alérgica, não teria morrido se o programa de vacinação contra a gripe não tivesse sido implementado. Então o programa de vacinação mataria pessoas inocentes que poderiam ser salvas se o programa não fosse implementado. Mas se o Ministério da Saúde implementasse esse programa, não pensaríamos tratar-se de assassínio.
Os não-pacifistas defendem que o que torna estas acções da Assembleia da República e do Ministério da Saúde moralmente permissíveis é o facto das mortes de pessoas inocentes, sendo previsíveis, não constituírem o seu verdadeiro objectivo. Os deputados da Assembleia da República não desejam que as pessoas morram nas auto-estradas, até porque qualquer morte na auto-estrada é lamentável. O objectivo de fixar o limite de velocidade nas auto-estradas nos 140 Km/h não é matar pessoas, mas estabelecer um equilíbrio razoável entre segurança e conveniência. De igual forma, o objectivo do Ministério da Saúde não é vacinar as pessoas para as matar. O seu objectivo é salvar o máximo de vidas possível, sendo que cada vida que se viesse a perder por causa da vacina seria lamentável. Seriam previsíveis, mas sempre lamentáveis. Se nestes casos não podemos acusar os deputados da Assembleia da República e o Ministério da Saúde de assassínio, também não podemos, para sermos consistentes, acusar as forças militares que provocam mortes civis nas guerras de assassínio, especialmente se existirem tentativas para reduzir ao mínimo o número de mortes civis.
Os pacifistas anti-guerra não condenam os deputados da Assembleia da República e o Ministério da Saúde em casos como estes. Mas afirmam que os casos de guerra são diferentes de formas moralmente relevantes. Para demonstrar a diferença, os pacifistas anti-guerra apresentam uma análise completamente diferente da justificação moral para os exemplos do limite de velocidade e do programa de vacinação. Na sua opinião, o facto das mortes na auto-estrada e da vacinação serem “não-intencionais” e “lamentáveis” é moralmente irrelevante. A verdadeira justificação reside no consentimento. No caso da regulamentação das auto-estradas, as regras são decididas por uma Assembleia, eleita pelas mesmas pessoas que usam as auto-estradas. Se a Assembleia decide que o limite de velocidade nas auto-estradas é 140 Km/h, trata-se de uma regra que, num certo sentido, os automobilistas impuseram a si próprios. As pessoas que morrem nas auto-estradas por causa do limite de velocidade, assumiram, num duplo sentido, os riscos decorrentes do limite de velocidade: criaram, através da Assembleia, um risco e, ao entrarem nas auto-estradas, expuseram-se livremente a esse risco. A responsabilidade pelas mortes nas auto-estradas repousa tanto nos próprios condutores como naqueles que chocam com eles – não nos deputados da Assembleia da República.
De igual modo, no caso do programa de vacinação, se as pessoas forem antecipadamente avisadas dos riscos da vacinação, e se ainda assim escolherem ser vacinadas, passarão a ser responsáveis pelas suas mortes se tiverem consciência dos riscos. De acordo com a resposta do pacifista anti-guerra, é o consentimento dado pelos automobilistas e pelas pessoas que voluntariamente aderem à vacinação, que justifica estas medidas, e é precisamente o elemento do consentimento que não está presente no caso dos riscos infligidos aos inimigos civis em tempos de guerra.
Considere-se o exemplo padrão da morte de civis alegadamente justificado em tempos de guerra. Suponha-se que a destruição de uma certa ponte é um objectivo militar importante, mas que, se a bomba for destruída, é bastante provável que os civis que vivem nas imediações morram. (Não é possível avisar os civis sem alertar o inimigo para a necessidade de reforçar a vigilância da ponte.) Se a ponte for bombardeada e os civis morrerem, as vítimas do bombardeamento não estão na mesma categoria moral que as vítimas da auto-estrada ou da vacinação. As vítimas do bombardeamento não autorizaram o bombardeamento através de um processo qualquer de eleição dos seus representantes. Nem o bombardeamento foi de algum modo um risco calculado no interesse das vítimas. Por todas as razões, as conclusões morais relativas à legislação nas auto-estradas e aos programas de vacinação não são extrapoláveis para o exemplo do bombardeamento da ponte.
Os não-pacifistas que reconhecem que será bastante difícil entrar em guerra sem bombardear pontes, podem defender que, de um certo modo, as vítimas dos bombardeamentos assumem o risco do bombardeamento quando escolhem viver ao lado de uma alvo militar potencial. De facto, por vezes afirma-se que todos os civis de uma dada nação assumem os riscos da guerra, uma vez que os podiam ter evitado mudando-se simplesmente para um país neutro. Mas estes argumentos são forçados e nada bondosos, mesmo para aquelas nações que estão em guerra e permitem a emigração. A maioria das pessoas considera que abandonar as suas casas é um enorme sacrifício, e uma opção que implica um enorme sacrifício não pode verdadeiramente ser considerada uma opção livre. A analogia entre as vítimas não-intencionais da vacinação e vítimas civis não-intencionais da guerra parece não fazer sentido.
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