quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Haig Khatchadourian, "A Moralidade do Terrorismo" (Parte I)

Haig Khatchadourian é professor emérito de filosofia na Universidade de Wisconsin, Milwaukee. É o autor de nove livros (um de poesia), incluindo Um Estudo Crítico do Método (1971), O Conceito da Arte (1971), Filosofia da Linguagem e Teoria Lógica (1995), Comunidade e Comunitarismo (1999), e Guerra, Genocídio e a Procura da Paz (2003).
O texto que hoje começo a publicar foi retirado de A Moralidade do Terrorismo. Nele Khatchadourian começa com o problema da definição do terrorismo. Defende que as definições de Douglas P. Lackey e de outros são inadequadas porque ou são demasiado latas ou são demasiado restritas, e também porque não abordam questões éticas centrais. Em vez de apresentar uma definição formal, diz que o significado nuclear do terrorismo inclui a noção de que os actos terroristas são actos de coerção ou de força com vista a obter ganhos monetários, vingança, fins políticos ou fins morais/religiosos. Assim, para Khatchadourian existem quatro tipos de terrorismo: predatório, retaliatório, político e moralista/religioso. Acrescenta que o “carácter bifocal” do terrorismo, o facto de que atinge vítimas imediatas e “os vitimados”, é o que distingue o terrorismo de outros usos da coerção e da força.
Depois Khatchadourian vira-se para a questão da moralidade do terrorismo. Defende que todas as formas de terrorismo são sempre erradas, porque violam de forma flagrante três princípios da guerra justa: o princípio da necessidade, o da proporção e o da discriminação. (O princípio da proporção possui duas formas diferentes: uma forma política relacionada com a aplicação do direito de iniciar a guerra e uma forma militar relacionada com a conduta na guerra). Para além disso, todos os tipos de terrorismo, excepto o moralista/religioso, violam a condição da causa justa. Finalmente, Khatchadourian defende que o terrorismo viola os direitos humanos, incluindo o direito fundamental a ser tratado como pessoa moral.


Terrorismo: O que significa?
O que é o terrorismo ou como o termo deve ser empregue é uma questão amplamente discutida e muitas definições tem sido propostas. Algumas das razões conceptuais que estão na base do desacordo sobre o seu significado ficarão claras à medida que for avançando, mas o facto de o termo ser invariavelmente usado como um qualificador – altamente polémico e emocionalmente carregado – torna bastante difícil desenvolver uma definição neutra. Não será propriamente um exagero dizer que até agora é um termo tão emocional como “guerra”. De facto, alguns vêem o terrorismo como uma espécie de guerra e a mera referência ao termo provoca sentimentos de ansiedade e medo semelhantes. Isto é particularmente verdade no momento em que estou a escrever, tendo como cenário a Guerra do Golfo e as ameaças repetidas de Saddam Hussein de concretização de acções terroristas contra interesses internacionais da América e da Europa. Logo, não é surpreendente que o terrorismo seja amplamente encarado como a maior praga das duas últimas décadas do século XX, um século bastante encharcado com o sangue dos inocentes e dos culpados, que mais não é do que uma longa série de guerras, revoluções, guerras civis e de outras formas de violência.
A condenação global do terrorismo como um mal absoluto entronca em parte no facto de alguns dos governos ou países, sistemas políticos, ou regimes, que são os seus alvos principais, principalmente do estado ou dos estados que patrocinam a violência política, usarem o termo como uma arma política e psicológica na sua luta contra os perpetradores e as suas causas conhecidas - por exemplo, a libertação nacional da ocupação estrangeira ou o derrube de um sistema nativo opressivo. Ao lutar contra o terrorismo de que são alvos, os grupos e os países atingidos tendem a rotular indiscriminadamente os seus inimigos como “terroristas”, incluindo aqueles que praticam formas de protesto pouco violentas, o que acaba por forçar um termo que já é usado de forma irrazoavelmente negligente e vaga
[1]. Apesar da notória vagueza e da negligência, alguns usos sobrepõem-se à multiplicidade de definições e caracterizações existentes. Um número significativo das definições que podemos encontrar na bibliografia, bem como nas caracterizações feitas pelos media e nos discursos comuns, inclui a ideia de que o terrorismo é a ameaça ou uso efectivo da violência – o uso ilegítimo da violência[2] - contra civis (não-combatentes em tempo de guerra) e contra eles apenas, por vezes acrescentando “para fins políticos”. A definição do filósofo moral Douglas Lackey é, neste sentido, exemplar. Tendo em mente o terrorismo em tempo de guerra, escreve: “O que separa o terrorismo da revolução tradicional é a recusa persistente em dirigir a violência para objectivos militares. Segundo esta perspectiva, o terrorismo é a ameaça ou o uso da violência contra não-combatentes para fins políticos. Na guerra comum, a morte de civis é um efeito colateral das operações militares dirigidas contra alvos militares. Nas operações terroristas, os civis são um alvo directo e intencional do ataque”[3]. O mesmo putativo significado ocorre noutras definições que irei considerar.


[1] Um exemplo notório, com uma certa tendência para o absurdo, é o do falecido Mr. Rabin ao chamar terroristas, em frente às câmaras de televisão americanas, às crianças da intifada palestiniana que lançavam pedras.
[2] Isto é falso no terrorismo praticado por um ditador ou por uma junta militar, sempre que as actividades do governo (ou das forças militares) são desenvolvidas tendo por referência leis (injustas) decretadas pelo ditador ou pela junta.
[3] D. Lackey, The Ethics of War and Peace (Englewood Cliffs, NJ, 1989), 85.


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