quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Douglas P. Lackey, "Pacifismo" (Parte I)

Douglas P. Lackey é Professor de Filosofia no Baruch College e no Graduate Center da Universidade de Nova Iorque. É o autor de Princípios Morais e Armas Nucleares (1984), Ética e defesa estratégica: filósofos americanos em debate sobre a Guerra da Estrelas e o Futuro da Dissuasão Nuclear (1989), A Ética da Guerra e da Paz (1988), e Deus, Imortalidade, Ética: Uma Breve Introdução à Filosofia (1989).
Lackey, no texto que se segue e que começo a publicar, distingue quatro tipos de pacifismo. Diz que existe uma perspectiva do pacifismo universal que defende que todos os actos de matar são errados, e outra que defende que toda a violência é errada; diz que o pacifismo privado condena toda a violência pessoal, mas não condena a violência política; e diz que existe um pacifismo anti-guerra que permite a violência pessoal, mas condena todas as guerras. Lackey discute ainda as objecções apresentadas a todas estas perspectivas, mas parece defender o pacifismo anti-guerra. Ou pelo menos responde a todas as objecções levantadas ao pacifismo anti-guerra, deixando no leitor a impressão de que o apoia.


"1. Tipos de pacifismo
Qualquer pessoa possui uma vaga ideia sobre o que é o pacifismo, mas apenas alguns se apercebem de que existem diversos tipos de pacifismo. (Os quais, por vezes, conflituam entre si). Uma tarefa do estudante de ética internacional é distinguir os diferentes tipos de pacifismo e identificar quais deles representam teorias morais genuínas.
A maioria de nós já foi, em algum momento, confrontado com o chavão pacifista “vive e deixa viver” ou com alguém que dizia “sou absolutamente contra matar e contra a violência, mas não procuro impor o meu próprio código moral a quem quer que seja. Se outras pessoas querem recorrer à violência, que o façam. Elas possuem os seus valores e eu os meus”. Para esta pessoa, o pacifismo é um estilo de vida entre outros, um estilo de vida comprometido com a bondade e o afecto, e oposto à beligerância e ao militarismo. Sem dúvida que quem expressa este compromisso está a ser sincero e está preparado para viver de acordo com as suas crenças. Ao mesmo tempo, é importante ver por que razão o pacifismo do tipo “vive e deixa viver” não constitui um ponto de vista moral.
Quando alguém julga que uma dada acção, digamos A, é moralmente errada, a consequência desse juízo é que ninguém deve fazer A. Assim, não há forma de possuir valores morais sem acreditar que esses valores se aplicam aos outros. Se uma pessoa diz que A é moralmente errado, mas que não se importa que outras pessoas façam A, então essa pessoa ou não está a ser consistente ou então não sabe o que significa a palavra “moral”. Se uma pessoa acredita que matar é, em determinadas circunstâncias, moralmente errado, essa crença implica que ninguém deve matar, pelo menos nessas circunstâncias. Se um pacifista afirma que é errado matar em todas as circunstâncias, mas que é permissível que outras pessoas matem ocasionalmente, então não entendeu o carácter universal dos princípios morais genuínos. Se o pacifismo quer ser uma teoria moral, então deve querer ser aplicável a todos ou a ninguém.
Uma vez reconhecido este carácter “universabilizável” das crenças morais genuínas, os compromissos morais serão tomados mais a sério do que no caso de tratarmos os códigos morais como a expressão de um estilo de vida pessoal. Uma vez que os princípios morais se aplicam a todos, devemos cuidar para que os nossos princípios morais sejam correctos, verificando se não formam um conjunto inconsistente, desenvolvendo-os e ajustando-os para que sejam suficientemente detalhados e subtis para lidar com as diversas circunstâncias, assegurando-nos que podem resistir às objecções levantadas por aqueles que não os aceitam. É claro que muitos pacifistas levam a sério a questão da moralidade e afirmam que o pacifismo é uma posição moral genuína e não um mero estilo de vida. Todos estes pacifistas sérios acreditam que qualquer pessoa deve ser pacifista e que quem não aceita o pacifismo está de alguma forma enganado ou então é perverso. Além disso, não só aceitam o pacifismo, como apresentam argumentos em sua defesa.
Vamos considerar quatro tipos de teorias morais pacifistas. Primeiro, há pacifistas que defendem que a ideia central do pacifismo é a imoralidade do acto de matar. Segundo, há pacifistas que defendem que a essência do pacifismo é a imoralidade da violência, independentemente de ser violência nas relações pessoais ou violências nas relações entre estados-nação. Terceiro, há pacifistas que defendem que a violência pessoal é sempre moralmente errada, mas que a violência política é por vezes moralmente certa - por exemplo, por vezes é moralmente permissível uma nação entrar em guerra. Finalmente, há pacifistas que acreditam que a violência pessoal é às vezes permissível, mas que a guerra é sempre moralmente errada.
Albert Schweitzer, que defendeu que todo o acto de matar é moralmente errado com base na ideia de sacralidade da vida, defende um pacifismo do primeiro tipo. M. Gandhi e L. Tolstoi, que se opuseram não só ao acto de matar, mas a todas as formas de coerção e de violência, são exemplos de pacifismo do segundo tipo, que designarei mais à frente de “pacifistas universais”. S. Agostinho, que condenou a auto-defesa, mas defendeu formas de guerra contra os hereges, era um pacifista do terceiro tipo. Passarei a chamá-lo de “pacifista privado”. Os pacifistas do quarto tipo, aquele que é cada vez mais comum na era moderna do nuclear e da guerra total, correspondem ao que designarei de “pacifistas anti-guerra”.

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