domingo, 17 de fevereiro de 2008

Douglas P. Lackey, "Pacifismo" ( Parte V)

Pacifismo Universal
(a) Pacifismo Cristão
O pacifismo universal opõe-se moralmente a qualquer forma de violência e não apenas ao acto de matar. Muitos pacifistas universais baseiam a sua perspectiva nos Evangelhos Cristãos. No Sermão da Montanha, Cristo ensinou:

Ouviste o que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.
Eu, porém, vos digo, que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;
Ouviste o que foi dito: Amarás o teu próximo, e aborrecerás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo; Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam… Para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; porque faz que o seu sol se levante sobre os maus e os bons, e a chuva desça sobre justos e injustos. (S. Mateus, 5:38-45)

Nos primeiros séculos da era Cristã, era amplamente aceite que seguir Cristo e obedecer aos seus ensinamentos, significava que se devia rejeitar a violência e recusar servir no exército Romano. Mas no século V, depois do Império Romano se tornar Cristão e depois dos bárbaros Godos terem saqueado Roma em 410, os Padres da Igreja discutiram a possibilidade de Cristo querer que o Império e a Igreja permanecessem indefesos. Os Padres da Igreja escolheram passagens dos Evangelhos que parecem contradizer o pacifismo:

Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada;
Porque, eu vim pôr em dissensão o homem contra o seu pai, e a filha contra a sogra. (S. Mateus, 10:34-35)

E existem diversas passagens dos Evangelhos (por exemplo, S. Mateus 8:5-10) nas quais Jesus encontra soldados e não os censura por estarem envolvidos numa actividade que está essencialmente comprometida com a violência. Em vez disso, afirma “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (S. Mateus, 22:21). Isto parece incluir o serviço militar ou, pelo menos, os impostos para pagar o exército.
A análise atenta sobre se os Evangelhos ordenam o pacifismo está para além do âmbito deste livro. As passagens do Sermão da Montanha parecem ser claramente pacifistas; no entanto, inúmeros exegetas eminentes negam a natureza pacifista dessa mensagem. Uma questão mais interessante para a filosofia, se não mesmo para os exegetas bíblicos, é esta: se Jesus ensinou o pacifismo no Sermão da Montanha, será que o ensinou como uma doutrina moral?
Jesus não via os seus ensinamentos como substitutos da lei moral tal como a conhecia:

Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim abrogar, mas cumprir.
Porque, em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido (S. Mateus, 5:17-18).


Talvez, então, as prescrições do Sermão da Montanha devam ser interpretadas como regras a que devemos obedecer para seguir Cristo, ou regras que devemos seguir para alcançar a salvação. Mas daqui não se segue que todos tenham a obrigação de procurar a salvação. Mesmo os cristãos admitirão que algumas pessoas que recusaram tornar-se cristãs, ainda assim levaram vidas moralmente admiráveis; e, se a salvação é um bem, podemos, ainda assim, rejeitá-la, do mesmo modo que um cidadão pode negligenciar o facto de possuir um bilhete de lotaria premiado sem todavia estar a violar a lei. Se é assim, as prescrições do Sermão da Montanha aplicam-se apenas aos cristãos que procuram uma salvação cristã. Não são regras universais e não podem ser qualificadas de princípios morais.

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