segunda-feira, 21 de abril de 2008

Nigel Dower, "Cidadania Global: Sim ou Não?" (Parte VI)

«Desafio à cidadania nacional?
(a) A cidadania mundial desafia a cidadania/lealdade nacional.
(b) A cidadania não desafia a cidadania/lealdade nacional, mas complementa-a.

A favor de (a): A cidadania mundial, mesmo que tenha pouco que ver com um governo mundial, envolve inevitavelmente um compromisso com um ideal moral e com certas prioridades morais que reduzirão o nível de compromisso com o estado-nação, independentemente do nível do sentimento ser inferior ao verdadeiramente patriótico, levando-nos a não gastar energias com a promoção do bem-estar da nossa própria comunidade (por causa de outros compromissos) e até ao enfraquecimento do compromisso de obediência à lei. Em qualquer caso a lealdade para com o estado-nação, é diferente da obediência à sua própria lei, é uma atitude de fidelidade que está destinada a ser desafiada por um compromisso mais amplo ou por uma obrigação para com o bem comum global.
Esta posição pode uma vez mais ser adoptada tanto por aqueles que se opõe à cidadania mundial baseada no facto da relação entre o cidadão e o seu estado ser moralmente importante; mas também por aqueles que, ao defenderem uma cidadania mundial, desejam desafiar o conjunto actual de prioridades e ligações dos cidadãos aos seus estados.

A favor de (b): A oposição funda-se num contraste exagerado entre o que são as coisas no interior de um estado sem cidadania mundial e o que são com ela. A ideia de um lealdade absoluta ao estado não corresponde pura e simplesmente à realidade nem é requerida por uma concepção de cidadania nacional adequada. À parte um grande número de razões pelas quais as pessoas aceitam a possibilidade da desobediência civil justificada (que podem não ter qualquer relação com questões globais), as pessoas combinam inúmeros compromissos morais (às sua igrejas, à caridade, às paixões particulares) com os seus compromissos enquanto cidadãos sem qualquer tipo de problema. Em qualquer caso, a concepção Estóica dos círculos concêntricos da família, da comunidade imediata, da comunidade política, do mundo (ou do universo) pode ser adoptada (Nussbaum, 1996). Muita da preocupação expressa através da cidadania mundial pode de facto ser mediada pelas estruturas políticas existentes ou por ONG’s que trabalham em conjunto com os sistemas políticos nacionais.

Comentário crítico: Ainda que seja correcto afirmar que a aceitação da cidadania mundial não precisa conduzir a qualquer oposição formal, não seria sincero recusar que a cidadania mundial activa, em termos de compromisso moral, mas também em termos do sentido de identidade e fidelidade relativamente a um corpo político mais amplo, tem consequências quanto ao modo como pensamos a cidadania nacional. Estes compromissos vão para além da existência de outras ligações mais normais no interior de uma sociedade, da mesma forma que o nível da cidadania europeia pode misturar-se com a cidadania nacional dos estados membros. Em qualquer caso, quanto maior for o número de cidadãos que adoptem perspectivas globais, mais os interesses dos países acabarão por harmonizar-se com o bem de todos.

Conclusão
Que conclusões podemos retirar desta série de perspectivas opostas sobre a cidadania global? É tentador dizer que não há respostas correctas ou que não interessa que respostas damos, já que tudo dependerá do modo como definimos a noção ou dos valores em que acreditamos. Mas este seria um veredicto demasiado fácil, uma vez que há vantagens e desvantagens nas diversas definições assim como há consequências importantes relativamente às diversas posições éticas que estamos dispostos a defender.
É claro que vimos que podem ser dadas diferentes definições. Será a tese de que somos cidadãos globais uma tese ética ou será uma tese institucional, como a tese que somos cidadãos normais, ou será ambas? Se é institucional, que formas tem ou deve ter? Se levamos a sério o paralelismo com a cidadania, será primariamente acerca dos direitos, acerca dos direitos e dos deveres correlatos, ou será também sobre responsabilidades mais amplas e sobre a participação nas questões públicas (globais)? Será que somos todos cidadãos ou só alguns o serão, ou será melhor pensar em dois níveis de cidadania básica e activa?
Vimos que muitas questões transformam-se em posições éticas. A questão mais fundamental é saber se devemos aceitar uma ética global ou não. É claro que há aqueles que estão cépticos acerca disto. Mas mesmo que aceitemos uma, quão importante será expressá-la através do discurso da cidadania global? Se aceitarmos uma ética global, qual será o seu conteúdo e que tipo de justificação lhe damos? E se aceitarmos esta perspectiva, será que isso requer a revisão das nossas atitudes relativamente à cidadania nacional e ao patriotismo?
A minha forma preferida de pensar a cidadania global é a seguinte: todos os seres humanos são cidadãos globais em virtude dos direitos e deveres que todos têm enquanto seres humanos. Esta ética global pode ser pensada de formas diversas (desde o objectivismo tradicional ao subjectivismo) e o seu conteúdo pode variar. Apenas seres humanos são cidadãos globais “activos” porque aceitam a responsabilidade de perseguir preocupações globais. Ser um cidadão global não é só uma questão de aceitar uma ética global; significa pertencer e participar numa comunidade mais ampla que encontra expressão numa variedade de instituições no interior da sociedade civil global que já existe, mas nas quais o cidadão global se deve empenhar com vista ao seu desenvolvimento e reforço.

Questões
1.
Será que a resposta à questão “Seremos cidadãos globais?” depende simplesmente do modo como escolhemos definir a noção “cidadãos globais”?
2. Se se vê a si próprio como cidadão global, pensa que aqueles que não se vêem a si próprios como cidadãos globais não o são? Se não se vê a si próprio como cidadão global, aceita que outros o sejam? Por que pensa como pensa?
3. Se a cidadania global é mais do que uma tese sobre a responsabilidade global, que desenvolvimentos terão que acontecer no mundo para determinar de forma conclusiva que somos cidadãos globais?
4. Será a cidadania global mais do que uma tese sobre direitos universais ou sobre obrigações universais?»

Nigel Dower, “Global Citizenship: Yes or No?”, in Dower, Nigel & Williams (ed.). Global Citizenship: a Critical Reader. Edinburgh; Edinburgh University Press, pp. 30-40 (Traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira)

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