quarta-feira, 30 de abril de 2008

Allen Buchanan et al “Por que não o melhor?” (Parte I)

«Ter os melhores filhos possíveis
“Sê tudo o que puderes chegar a ser”, anima o cartel de recrutamento dos jovens para exército dos EUA. Muitos pais partilham deste sentimento. Querem que os seus filhos sejam o melhor que puderem vir a ser. Para muitos pais, o projecto mais importante da sua vida é perseguir este objectivo, e sacrificam-se para o tornar realidade. E por que não haveriam os pais de aspirar a que os seus filhos possam vir a ser o melhor puderem?
Com efeito, os meios são relevantes. Essa a razão pela qual neste capítulo consideramos se os pais deveriam ter a liberdade de utilizar as técnicas de intervenção genética para produzir a melhor progenitura possível. Colocado desta forma, a questão suscita imediatamente uma grande indignação anti-eugénica: não significará a exploração genética e o aborto selectivo a eliminação de muitas vidas que mereceriam viver? E também a desvalorização a vida das pessoas com deficiência? Em qualquer caso, quem poderá dizer o que é o melhor (alguns pais possuem ideias bem peculiares)? Não estarão aqueles que são económica e socialmente privilegiados melhor situados para alcançar o “melhor”? Por acaso o “melhor” para alguns não significará o pior para outros? Não será mau que os pais pensem que os filhos são algo que foi por eles desenhado?
Estas objecções merecem atenção e voltaremos a elas a seguir, mas é importante compreender a suposição que está por detrás da pergunta original. Não deveriam os pais procurar o melhor – incluindo por via da genética – para os seus descendentes? Não esperamos que o façam?

Nada mais natural do que os pais procurarem o melhor para os seus filhos
Considera-se normalmente que os pais têm permissão, e alguns dirão a obrigação, de produzir os “melhores” filhos que seja possível. A sociedade espera que os mantenham tão saudáveis quanto possível. A sociedade espera que os mantenham distantes das drogas, da delinquência das ruas, dos jogos perigosos. Talvez exija que lhe ponham cintos de segurança e travões nas bicicletas. Até que se lhes exija que aumentem a resistência dos seus filhos a certas doenças, por exemplo, através de vacinas, mesmo que fazê-lo colida com as suas crenças religiosas. Se as técnicas genéticas dessem aos pais uma forma de melhorar a resistência dos seus filhos a certas doenças, e a intervenção apenas apresentasse riscos comparáveis aos das vacinas, deveriam os pais poder usá-las livremente ou até ser obrigados a fazê-lo?
Espera-se que tenham em conta os interesses nutricionais e dietéticos dos filhos. Aplaudimos os esforços paternos na educação dos seus filhos, nomeadamente e apesar dos seus protestos, moderando da ingestão de gorduras, o aumentando a fruta e as verduras na sua dieta, e restringindo o seu acesso à comida “artificial”. Afirmamos possuir alguns conhecimentos científicos sobre o que é “melhor” para os filhos, e encorajamos os pais a segui-los (embora as nossas principais campanhas educativas tenham os seus efeitos maiores nas camadas mais cultas e ricas da população). Ao mesmo tempo, dá-se aos pais uma margem de liberdade considerável para alcançar esses objectivos desde que os considerem ou não adequados. Para outros, os “bons” alimentos são aqueles com os quais cresceram, independentemente da sua origem étnica. Estas dietas apresentam benefícios e riscos variados para os filhos. De uma perspectiva alimentar, isto significa que lhes é permitido utilizar o que não é o melhor, desde que isso não seja tão mau que possa constituir negligência ou maus-tratos.
Os pais também procuram obter o melhor para os seus filhos – do seu ponto de vista – através do exercício físico e dos desportos. Alguns filhos inscrevem-se em equipas de principiantes de basebol, futebol, basquetebol, rugby ou hóquei. Frequentam aulas de ténis ou natação, participam em equipas de atletismo; no mínimo, estimula-se o desenvolvimento das suas capacidades através da prática do basquetebol ou do futebol nos parques ou na praia. O objectivo de alguns pais é ensinar os seus filhos a apreciar o exercício físico durante toda a vida, e procuram evitar os desportos de contacto em que podem vir a sofrer lesões graves; para eles, a ginástica não é mais do que uma dimensão da vida. Para outros, o contacto com os desportos é um combate ritualizado, uma preparação importante para os rigores da competição que é a vida. E para outros, o objectivo é desenvolver uma excelência atlética especial que dê aos seus filhos acesso a competições universitárias ou até profissionais; para eles, o desporto é um meio de melhoria ou de promoção. O investimento de alguns pais nas classes de ténis, patinagem ou natação para filhos talentosos, pode ser enorme.
É claro que os pais com meios investem frequentemente no desenvolvimento de outras capacidades para além das físicas: oferecem aos seus filhos aulas de violino, piano ou ballet, inscrevem-nos em clubes e torneios de xadrez, ou fomentam os seus conhecimentos informáticos ou o seu interesse pelas equipas de matemática e por concursos científicos. A estratégia geral de alguns pais é expor os seus filhos a inúmeras actividades para desenvolver uma ampla gama de capacidades e ampliar o número de opções em aberto para os seus filhos. Para outros, a estratégia chave é identificar destrezas ou talentos especiais e investir com frequência no desenvolvimento desses pontos fortes. Para alguns pais de origem modesta, o sacrifício económico que supõe o desenvolvimento das capacidades dos seus filhos é bastante alto; as famílias mais ricas podem facilmente permitir-se todo o investimento necessário. Há bolsas disponíveis para os filhos de famílias humildes com mais talento, pelo menos em algumas áreas do desenvolvimento artístico e desportivo, mas em geral o tamanho do investimento em “capital humano” recai sobre as famílias. Para os mais pobres, tanto nos Estados Unidos como em outras partes, procurar o melhor para filhos pode apenas querer dizer fazer o possível para garantir a sua sobrevivência.
Muitos pais também têm por objectivo fazer dos seus filhos os sujeitos mais prudentes e morais que possam chegar a ser. Para eles, ser o melhor significa possuir as virtudes necessárias para planificar a vida, suportar as suas vicissitudes e adaptar-se a elas. Significa também ter as virtudes necessárias para responder bem às necessidades dos outros, ater-se ao que está bem e tratar equitativamente os demais. Empenham-se de forma considerável para ensinar aos seus filhos a importância de realizar tarefas específicas e de ajudar os outros. Insistem em que os seus filhos procurem empregos que os estimulem para apreciar as exigências do trabalho e o valor do dinheiro, uma ética do trabalho. Obrigam os seus filhos a suportar inúmeras horas e anos de formação religiosa ou de participação em actividades de serviço à comunidade, modelando o seu sentido de pertença a essa comunidade, a sua capacidade para responder aos outros membros do grupo, e a sua consciência social e moral.
Também aqui aos pais se dá uma ampla margem de liberdade para procurar o que consideram melhor. A “garantia de liberdade” significa aqui apenas que há uma presunção a favor de não interferir no trabalho dos pais. Educar os filhos para que aceitem as limitações impostas por algumas seitas religiosas pode reduzir a sua preparação para outras formas de vida, mas os pais talvez acreditem que esta é uma forma de garantir que os seus filhos vivam uma “vida boa” tal como eles a consideram. Os tribunais estado-unidenses reconheceram, por exemplo, o direito da Antiga Ordem Amish a restringir a escolaridade dos seus filhos até aos 14 anos em vez dos 16 exigidos pela lei estatal (Wisconsin versus Yoder, 1972). As oportunidades educativas destas crianças foram trocadas pelo reforço dos direitos a seguir as práticas religiosas e a forma de vida comunitária.
Alguns consideram problemática a decisão do tribunal no caso Wisconsin versus Yoder (voltaremos a este caso neste mesmo capítulo); pensam que as oportunidades educativas não deveriam ser restringidas da forma que esta sentença permite, pois temem que os filhos que mais tarde desejem estabelecer uma forma de vida diferente estejam em desvantagem relativamente à sociedade em geral. Mas o tribunal sustentou que o dano imposto desta forma às crianças é pura conjectura, e é da mesma qualidade que os danos que geralmente impedimos que os pais imponham aos seus filhos. A sociedade proíbe danos que são o resultado da maldade ou da negligência, incluindo, se for necessário, o de reservar-se o direito de retirar a custódia dos filhos aos pais. Apesar da ampla margem de liberdade concedida aos pais, os filhos não são uma propriedade de que os pais possam dispor caprichosamente.
Deixando de lado a questão da negligência e dos maus-tratos, sem dúvida que os pais continuam a ter liberdade para procurar conseguir os melhores descendentes que possam. Interferir com isto seria considerado pela maioria como uma interferência com os elementos mais fundamentais da concepção que os pais têm de vida boa.»

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