sexta-feira, 11 de abril de 2008

Amartya Sen, "Igualdade de quê?" (Parte IV)

«IGUALDADE VERSUS LIBERDADE?
A importância da igualdade é frequentemente contrastada com a da liberdade. De facto, a posição de alguém no suposto conflito entre a igualdade e a liberdade tem sido vista amiúde como um bom indicador da sua atitude geral relativamente à filosofia política ou à economia política. Por exemplo, os pensadores libertários (tcomo Nozick 1974) não são apenas vistos como anti-igualitários, mas considerados como tal precisamente por causa do seu interesse prioritário na liberdade
[1]. De igual modo, os que são considerados pensadores igualitários (por exemplo, Dalton, 1920; Tawney, 1931; ou Meade, 1976) podem parecer menos interessados na liberdade precisamente por serem vistos como estando comprometidos com as exigências da igualdade.
À luz da discussão das secções anteriores, é preciso sustentar que este modo de ver a relação entre a igualdade e a liberdade é completamente inadequada. Os libertários devem considerar importante que as pessoas devam ter liberdade. Dado isso, imediatamente surgem perguntas como: quem, quanta, distribuída como, quão igual?
Por isso, o problema da igualdade aparece imediatamente como um complemento da afirmação da importância da liberdade
[2]. A proposta libertária tem de ser complementada passando-se a caracterizar a distribuição de direitos entre as pessoas envolvidas[3]. De facto, as exigências libertárias de liberdade incluem tipicamente características importantes de "liberdade igual", por exemplo, a insistência na igual imunidade à interferência de outros. A crença de que a liberdade é importante não pode, portanto, estar em conflito com a visão de que é importante que os arranjos sociais sejam dispostos para promover a igualdade de liberdades que as pessoas têm.
Pode haver, é claro, um conflito entre uma pessoa que defende a igualdade de alguma outra variável que não a liberdade (tal como o rendimento ou a riqueza ou o bem-estar) e alguém que só quer igual liberdade. Mas esta é uma disputa sobre a questão "igualdade de quê?". De igual modo, uma promoção geral da liberdade que seja independente da distribuição (quer dizer, promovê-Ia sempre que possível sem atentar para o padrão distributivo) poderia, é claro, conflituar com a igualdade de alguma outra variável, digamos, o rendimento, mas isso seria (1) em parte um conflito entre concentrar-se respectivamente na liberdade e nos rendimentos, e (2) em parte um conflito entre um interesse por padrões distributivos (de rendimentos, neste caso) e considerações agregativas não distributivas (aplicadas à liberdade). Não é rigoroso nem útil conceber a diferença em qualquer dos casos em termos de "liberdade versus igualdade".
De facto, estritamente falando, apresentar o problema nestes termos reflecte um "erro de categoria". Elas não são alternativas. A liberdade está entre os possíveis campos de aplicação da igualdade, e a igualdade está entre os possíveis padrões de distribuição da liberdade
[4].
Como foi discutido antes, a necessidade de enfrentar explicitamente o problema da escolha do espaço é uma parte incontornável da especificação e da avaliação racional das exigências de igualdade. Existem, numa extremidade, apenas exigências de direitos libertários iguais, e, noutra, variadas exigências rigorosas de igualdade relativa a uma extensa lista de realizações e também a uma lista correspondente de liberdades para realizar. Este estudo está bastante interessado nesta pluralidade e nas suas variadas consequências.»


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[1] Refiro-me aqui especificamente a Nozick (1973,1974). Para uma reavaliação e refinamento da sua posição, ver Nozick (1989).
[2] Pode haver modos bastante diferentes de defender a importância da liberdade. Uma distinção relaciona-se com os diferentes conceitos de bondade e correcção. Primeiro, a liberdade pode ser vista como uma coisa boa que as pessoas devem ter, e a violação da liberdade vista como tornando menos bom o estado de coisas. Segundo, a liberdade pode ser tomada não como uma parte da ideia de bondade, mas um traço dos arranjos sociais correctos. Existem distinções – relacionadas com o contraste anterior - também entre os deveres que os outros têm se as liberdades de uma pessoa são violadas. Tentei discutir estas questões noutro lugar (ver Sen 1970a, 1982b, 1983a, 1992a), e não as levarei adiante aqui.
[3] Ver, neste contexto, a discussão de Rawls (1971) da prioridade da "liberdade igual" (cap. 4). Ver também Berlin (1955-6,1969), Wollheim (1955-6), Hayek (1960, 1967), Buchanan (1975, 1986), Haksar (1979), Gutmann (1980), Goodin (1988), Suppes (1988) e Lukes (1990).
[4] Pode haver, sem dúvida, alguma ambiguidade com respeito ao que é chamado um "padrão". Algumas vezes, o termo "padrão" pode ser usado para impor especificações particulares de características constituintes, por exemplo, a bandeira da Grã-Bretanha exige um certo vermelho e um certo azul. A analogia apropriada para a igualdade e liberdade é feita com a distinção entre, digamos, o padrão de intensidades das cores (por exemplo, a mesma intensidade para cada unidade, ou a máxima intensidade no conjunto), e o uso de cores particulares (por exemplo, azul), cujas intensidades estão sob exame.

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