segunda-feira, 21 de abril de 2008

Michael Slote, "Fome, Riqueza e Empatia" (Parte VI)

“Uma implicação do que tenho estado a dizer é que a ética baseada na empatia possui uma compreensão parcialista, em vez de imparcialista, da moralidade. As sugestões de Fried sobre o que devíamos fazer no caso dos mineiros são eticamente repugnantes ou pior, mas não o seriam se ele estivesse a defender uma indiferença egoísta ou egocêntrica relativamente aos mineiros. Em vez disso, ele está a tentar levar-nos a olhar para eles e para quaisquer pessoas, presentes ou futuras, em termos de um estrito interesse imparcial pelos seres humanos (ou animais sencientes) em geral. Se isto parece moralmente inadequado, e se uma perspectiva ética sentimentalista baseada na virtude pode servir-se da ideia de empatia para nos oferecer uma explicação mais promissora da razão pela qual é inadequada, então ter-nos-á sido dada razão para ver a moralidade (e o universo das nossas preocupações ou cuidado) de uma forma parcialista; e o mesmo parcialismo conflitua também com e contra as perspectivas que Peter Singer defende. Com efeito, Singer tem defendido que o parcialismo nunca foi em princípio adequadamente defendido[1]; e independentemente disto ser verdade, a perspectiva que estou a defender pretende oferecer, ou está a tentar oferecer, essa defesa do parcialismo.
Contudo, o leitor atento pode ter notado que até agora ainda não defendi explicitamente que Singer está errado por defender que temos a obrigação moral de sacrificar uma parte substancial do nosso tempo/ou dinheiro para ajudar os mais desfavorecidos do que nós. Ele chega a essa conclusão através da tese que temos vindo a questionar, a saber, a ideia de que estamos obrigados a ajudar indivíduos distantes que não conhecemos do mesmo modo que estamos obrigados a salvar uma criança que se está afogar à nossa frente. Mas chegou a altura de ser um pouco mais explícito sobre as razões pelas quais, na minha opinião, não estamos obrigados a realizar enormes sacrifícios do tipo que Singer recomenda, embora possamos encará-los como supererrogatoriamente bons ou recomendáveis.
A bibliografia da psicologia social apoia, genericamente, a ideia que os seres humanos possuem uma capacidade substancial para a empatia e para preocupações altruísticas baseadas na empatia. Em particular, Hoffman apresenta uma perspectiva fascinante e sob muitos aspectos convincente sobre o modo como a educação moral pode de facto conduzir-nos a uma preocupação empática pela pessoa (ou grupos de pessoas) que não conhecemos muito bem ou que em absoluto não conhecemos (as pessoas do Bangladesh, os sem-abrigo, as vítimas da SIDA)
[2]. Mas Hoffman também deixa claro que (pensa ele) há limites quanto à quantidade de empatia que se pode sentir relativamente aos grupos de pessoas (desfavorecidas). O interesse próprio (ou os desejos egocêntricos, medos, ódio, etc.) pode frequentemente opor-se ou modificar fortemente ao que de outra forma poderíamos fazer por empatia ou preocupação empática pelos outros[3]. Se é assim, então a nossa posição geral levar-nos-á à conclusão de que não estamos moralmente obrigados a sacrificar uma grande parte do nosso tempo ou dinheiro para ajudar as pessoas que necessitam, porque a incapacidade para o fazer não deixa de se manifestar na ausência da empatia humana normal e completamente desenvolvida. Nesse caso, se considerarmos alguém que possua um nível invulgarmente elevado de empatia – um grau de empatia e de preocupação empática para além do que é normal desenvolver-se – que esteja disposto a realizar um tal sacrifício, então esse sacrifício será moralmente supererrogatório – moralmente gratificante ou bom mas não (como defende Singer) obrigatório[4].
Mas mesmo que seja este o caso, ainda assim pode ser obrigatório que indivíduos como nós próprios façam uma contribuição substancial para aliviar a fome (ou outras causas igualmente merecedoras). Aqueles que não o façam podem estar a agir erradamente porque manifestam um grau de preocupação empática que é inferior ao que é normal nas pessoas. (Hoffman e outros têm muito a dizer sobre o modo como a educação moral pode de facto induzir as pessoas a sentir empatia e a cuidar de pessoas que não conhecem pessoalmente.) No mínimo, então, mesmo que Singer exagere sobre o que as exigências da moralidade, pode ainda assim ser verdade que bastantes de nós devem aumentar o seu grau de contribuição para o alívio da fome ou da doença por esse mundo fora comparativamente com o que fazem agora.
Contudo, ou fazer uso de uma ética das virtudes sentimentalista baseada no cuidado empático para argumentar contra as posições de Singer, não considerei certos problemas bastante conhecidos que enfrentaria qualquer tentativa para reavivar o sentimentalismo moral. O sentimentalismo deve ser capaz de oferecer uma explicação plausível da deontologia (mais ou menos, da distinção moral entre fazer e permitir, entre matar e deixar morrer), e isto é algo que nunca foi feito com sucesso. Também deve ser capaz de explicar como os conceitos e os juízos morais podem fundar-se no sentimento e não na racionalidade e em conceitos racionais, e não há dúvida que esta tarefa representa um desafio sério para qualquer tentativa para reavivar o sentimentalismo moral. Há amiúde outras dificuldades
[5], mas deixem-me nesta altura, e tendo registado estes problemas, dizer apenas que penso que a ética sentimentalista contemporânea está de facto à altura destes desafios (algo que tentarei mostrar no meu próximo livro Sentimentalismo Moral). Em qualquer caso, penso que o que disse até agora é suficiente para ver que e como a ética do cuidado empático pode oferecer-nos uma resposta substantiva e intuitivamente plausível para as ideias e os argumentos apresentados no ensaio clássico de Singer.»


.....................................................................
[1] Ver “A Response [to Critics]” de Singer in Dale Jamieson, ed., Singer and its Critics, Oxford: Basil Blackwell, 199, p. 308.
[2] Hoffman, op. cit., particularmente os Capítulos 3 e 13.
[3] Ver op. cit, particularmente os Capítulos 2, 8 e 13.
[4] Uma ética das virtudes baseada na empatia pode apontar para a maior facilidade e naturalidade de empatizar com os que estão mais próximos e que nos são mais queridos (com aqueles que conhecemos e que amamos) como base para defender que temos razões morais especialmente fortes para nos preocuparmos com essas pessoas. Mas, por amor à simplicidade, estou a tratar a questão do interesse próprio versus preocupação com os desafortunados como se isso não envolvesse questões sobre as nossas obrigações para com os que estão próximos e nos são caros. Note-se ainda que, se o que temos estado a dizer estiver no caminho certo, a questão de ajudar os grupos de pessoas distantes que precisam de ajuda emergirá (ou emergirá com maior força) apenas quando alguém já não estiver a enfrentar uma necessidade ou um perigo imediato.
[5] Por exemplo, podemos tentar perceber se a nossa confiança na empatia nos levará a fazer demasiadas distinções morais. Assim, se determinados povos ou determinado género estão mais empaticamente sensíveis para com aqueles que são seus membros ou para com aqueles que são do mesmo género, então as distinções das nossas atitudes e comportamentos que a empatia explica podem, pelo menos algumas delas, ser moralmente discriminatórias; e isto representaria um problema sério para qualquer tentativa de explicar a sistematicamente moralidade em termos de cuidado empático. Ofereço uma resposta a estas preocupações em Sentimentalismo Moral.
........................................................
.................................................
Michael Slote, “Famine, Affluence, and Empathy”, in Boonin, David & Oddie, Graham (2005). What’s Wrong? Applied Ethicists and Their Critics. New York: Oxford University Press, pp. 548-56 (Traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira)

Sem comentários: