sexta-feira, 4 de abril de 2008

Jeremy Rifkin, "Por que me oponho à clonagem humana?" (Parte III)

«Apesar do sucesso britânico na criação de um regime regulamentador e comercial favorável para a nova investigação, foi a empresa americana Geron que se apressou a assegurar a tecnologia da clonagem. Mesmo antes de assegurar a patente do embrião, a Geron foi financiando discretamente a investigação de células estaminais conduzida por dois investigadores americanos, o Dr James A. Thomson da Universidade de Wisconsin e o Dr John Gearhart da Universidade de John Hopkins em Baltimore, Maryland. Em Novembro de 1988, ambos os cientistas anunciaram ter isolado e identificado independentemente células estaminais humanas. A descoberta abriu a porta da era da experimentação com células estaminais em medicina. As instituições de investigação académicas candidataram-se imediatamente às patentes e venderam as licenças de exclusividade da sua utilização à Geron. Em conformidade com os termos do acordo da Universidade de John Hopkins, Gearhart recebe uma parte dos direitos das patentes da Geron. Gearhart e a John Hopkins ainda possuem acções da Geron, e Gearhart é consultor da empresa. A Geron, antes sem concorrência no mercado, está a ser agora desafiada por uma empresa concorrente. O fundador da Geron, Michael West, saiu desta empresa e chefia agora a Advanced Cell Technology, em Massachussets. A nova empresa de West assegurou as suas próprias patentes para clonar embriões não-humanos e está a realizar experiências para encontrar formas alternativas para criar células estaminais humanas.
Ao assegurar as patentes do processo de clonagem, bem como da clonagem de embriões e células estaminais humanas, empresas como a Geron ou a Advanced Cell Technology estão em posição de ditar os termos dos avanços futuros na investigação médica em células estaminais. A produção em massa de embriões humanos clonados garante uma fonte ilimitada de tipos de células estaminais que constituem a biologia da vida humana. Investigadores, institutos e outras empresas de todo o mundo terão que pagar à Geron e à Advanced Cell Technology para aceder ao uso de embriões de células estaminais que produzem, dada a vantagem inicial da empresa no mercado. Se outros investigadores ou empresas acabarem por ser bem sucedidos na obtenção de células diferenciadas a partir de células estaminais, terão que celebrar acordos comerciais de vários tipos com a Geron e a Advanced Cell Technology para assegurar o direito de produzir os produtos.
O que é que isto pressagia para futuro? Para começar, a garantia de uma patente para embriões humanos clonados levanta uma questão política central. Podem as instituições comerciais reclamar uma vida humana individual potencial, sob a forma de propriedade intelectual no seu estágio inicial de desenvolvimento? A resposta do Gabinete Inglês de Patentes foi “sim”. No século XIX, lutamos pela questão de saber se os seres humanos nascidos podiam ser propriedade comercial e eventualmente todas as nações aboliram a escravatura. Todavia, agora possuímos a tecnologia que permite a empresas como a Geron reclamar seres humanos potenciais como propriedade intelectual, num estádio de desenvolvimento entre a concepção e o nascimento. A questão de saber se as empresas comerciais serão autorizadas a possuir vida humana potencial em fase de desenvolvimento será seguramente uma das questões políticas seminais do Século Biotécnico.
Em segundo lugar, será que empresas como a Geron e a Advanced Cell Technology estarão autorizadas a possuir – sob a forma de propriedade intelectual – as células primárias que são o portal de acesso para a totalidade da composição biológica que constitui a vida humana? Será que arriscaremos o amanhecer de uma nova era na história da humanidade em que a criação da própria vida humana estará cada vez mais sob o controlo de forças comerciais? Será que empresas biotecnológicas globais dominarão os desenhos, as partes e o processo de produção de vida humana?
As implicações comerciais da investigação de embriões e de células estaminais deve ser examinada na sua globalidade. Fracassar neste intento encurralar-nos-á num futuro de eugenia comercial que nem antecipamos nem escolhemos livremente.»

Jeremy Rifkin, “Why I Oppose Human Cloning” in Cohen, Andrew I. & Wellman, Christopher H. (eds) (2005). Contemporary debates in applied ethics. Malden: Blackwell Publishing, pp. 141-4 (Traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira)

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