domingo, 20 de abril de 2008

Michael Slote, "Fome, Riqueza e Empatia" (Parte V)

«Ilustrei a força moral (ou das considerações) da empatia humana natural em termos de exemplos relacionados com as nossas relações morais com o feto (e animais) e prossegui com a discussão de casos familiares a partir da bibliografia que cresceu em volta do trabalho de Peter Singer, que levantou questões sobre as nossas obrigações para com pessoas que vemos e que não vemos, ou que estão próximas ou distantes de nós. Os últimos tipos de exemplos envolvem perigos ou emergências de um tipo ou de outro, mas ainda tenho que considerar um outro tipo de caso perigo/emergência que tem sido frequentemente discutido pelos filósofos, e em que a questão não é tanto (ou não pode facilmente imaginar-se ser) a proximidade espacial ou a distância, mas a proximidade ou distância temporal.
Estou a pensar no bem conhecido exemplo dos mineiros aprisionados numa mina de carvão (em resultado de uma derrocada). Sentimo-nos habitualmente mais compelidos a ajudar os mineiros em vez de (nessa altura) gastar uma quantia de dinheiro equivalente para instalar dispositivos de segurança nas minas, que viriam, no longo prazo, a salvar um grande número de vidas. Charles Fried discute este exemplo no seu Uma Anatomia dos Valores e afirma que nós/a sociedade deve preferir instalar os dispositivos de segurança e deixar os mineiros morrer. (Ele dá ao seu argumento uma reviravolta bastante séria ao dizer que devíamos até estar dispostos a comunicar face a face esta decisão aos mineiros doentes e condenados, se isso viesse a ser de algum modo possível.)
[1]
Este exemplo, esta escolha, não acaba por ser entre o perto e longe ou entre o que é percebido e o que não é, porque podemos facilmente imaginar que aqueles que têm de escolher quem salvar à distância da mina, não são capazes de distinguir entre os mineiros encurralados e aqueles que no futuro possam vir a estar em perigo. Por exemplo, podemos muito bem imaginar que estamos de algum modo habilitados para escolher, depois de ter ouvido ou lido relatórios sobre o interior da mina, e não penso que a tendência para preferir poupar os actuais mineiros encurralados possa ser explicável em termos de uma preferência derivada da empatia para poupar aqueles cujos perigos possuímos uma percepção consciente em vez daqueles cujos perigos apenas ouvimos falar.
Ainda assim, se tivermos de escolher entre os actuais mineiros encurralados e aqueles que no futuro virão a estar em perigo, há, penso, uma tendência imediata para dedicar os nossos juízos empáticos/simpáticos aos primeiros de uma forma que não sucede com os últimos. É claro que também existe uma tendência imediata para isso nos exemplos anteriores da criança a afogar-se ou da perseguição do palhaço cuja preocupação é (imediatamente) visível para nós, embora esteja claro que esta imediatez, é perceptiva e relaciona-se com questões relativas à distância espacial provavelmente envolvidas na percepção directa. Um tipo bem diferente de imediatez surge no caso dos mineiros, uma imediatez que tem mais que ver com o carácter actual do perigo dos mineiros – com o facto de ser “um perigo claro e actual” – do que com quaisquer factores espaciais ou correlatos com o espaço. Mas ambos os tipos de imediatez fazem apelo à nossa empatia de uma forma que as situações que não envolvem esta forma de imediatez não o fazem. (O facto de a palavra “presente” se aplicar tanto ao tempo como ao modo de contacto sensorial parece bastante adequado, dado o apelo comum à empatia.)
Assim, podemos não ver ou não ouvir ou não conhecer pessoalmente os mineiros que estão encurralados e, porque os conhecemos apenas enquanto classe ou por descrição, o apelo empático do seu infortúnio – em comparação com o infortúnio daqueles que no futuro possam vir a estar em perigo - é diferente do apelo (moral) empático daqueles que temos consciência perceptiva (dos perigos). Mas é natural pensar em ambos os tipos de casos que envolvem algum tipo de imediatez, e que essa pode ser a melhor forma para descrever os correlatos objectivos (projectados?), em certos tipos de situações, da nossa tendência (subjectiva ou psicológica) para a empatia. E o facto de podermos usar essa imediatez e empatia correlativa para explicar as nossas reacções não só aos casos discutidos na bibliografia de Singer, mas também o caso dos mineiros dá apoio ao que se disse antes sobre os casos tipo Singer e a avaliação geral da moralidade que tenho vindo a descrever
[2].
Se essa avaliação estiver correcta, então o que há de moralmente errado na instalação de dispositivos de segurança (como Fried sugere) em vez da salvação dos mineiros que estão em perigo claro e actual é o facto de exibir (ou reflectir ou exprimir) uma deficiência ao nível da normal[mente desenvolvida] empatia humana
[3]. Mas pela mesma razão alguém que vira a cara a outra pessoa que vê só para ajudar alguém de que apenas ouviu falar (como no tipo de exemplos de que falam Kamm e Unger), exibe/manifesta também uma capacidade subdesenvolvida para a empatia e, por causa disso, uma frieza que encaramos como moralmente questionável. E esta aproximação sentimentalista (e eticamente centrada na virtude) aos problemas morais, também ajuda a explicar a razão pela qual Singer está errado ao pensar que não prestar auxílio através de organizações como a Oxfam está no mesmo barco moral (digamos) da recusa em ajudar a criança que se está a afogar diante de nós: aquela pura e simplesmente não revela uma tão grande falta de empatia humana (normal) como esta revela ou devia revelar.»

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[1] Cambridge, Harvard Universtiy Press, 1970, pp. 207-27 e ss.
[2] É interessante que Hoffman fale, loc. Cit, da empatia como tendo um viés “aqui e agora”, e os estudos que ele cita são bem claros sobre o facto da nossa empatia fluir mais rapidamente não só em relação ao que é visível e percebido, mas também em relação ao que é corrente e contemporâneo.
[3] Unger (op. Cit., pp. 78 e ss) descreve um caso em que um meteoro cai na Terra e explodirá com consequências catastróficas numa área densamente povoada a não ser que alguém roube imediatamente a máquina “Ejector” do seu dono e a use para forçar o meteoro a cair no deserto. Ele pensa que nestas circunstâncias é permitido a alguém roubar e operar o “Ejector”, mas diz que a dramaticidade do problema em causa é irrelevante para essa permissão. Contudo, este exemplo envolve o tipo de perigo claro e actual que vimos no caso dos mineiros encurralados, e se a empatia é relevante para a moralidade, então a dramaticidade (ou pelo menos o que é dramático no caso descrito por Unger, a saber, a clareza e a actualidade do perigo) podem de facto fazer a diferença não só quanto às nossas intuições, mas quanto às (à força) das nossas obrigações morais.

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