quarta-feira, 25 de junho de 2008

Thomas Christiano, “A Importância da Deliberação Pública” (Parte VI)

«Deliberação como o contexto para a justificação política

A descrição que apresentei até agora fornece a melhor compreensão da importância da deliberação pública, tal como a maioria de seus defensores actuais a vê. Resta-nos, no entanto, olhar para uma das principais concepções concorrentes da importância da deliberação pública. Segundo essa descrição, a deliberação pública é considerada valiosa enquanto condição de justificação das instituições sociais, que decidem com a ajuda da deliberação. A caracterização da democracia deliberativa de Joshua Cohen apreende competentemente esta concepção: "a noção de democracia deliberativa está enraizada no ideal intuitivo de uma associação democrática na qual a justificação dos termos e condições da associação procede do argumentação pública e do raciocínio entre cidadãos iguais”. Para além disso, diz que "os termos apropriados da associação fornecem uma estrutura para ou são os resultados da sua deliberação"
[1]. A ideia é que a deliberação democrática e seu desfecho num acordo racional não são intrinsecamente valiosos, nem instrumentalmente vantajosos; de alguma forma, justificam o resultado. Com base nesta explicação, não existem padrões independentes para avaliar os resultados a partir dos quais se poderia criticar o processo deliberativo. Isto está em absoluto contraste com a explicação defendida em cima, a qual permite que uma peça da legislação possa ter um certo valor por ter sido escolhida de modo democrático, mesmo sendo injusta. A perspectiva justificatória da deliberação democrática não permite esta forma complexa de avaliação.

Um modo de ilustrar o contraste entre estas duas concepções é comparando um processo judicial criminal com um jogo. Num processo judicial criminal existem frequentemente dois modos distintos de avaliar a instituição. Avaliamos o processo judicial em função da sua capacidade para determinar correctamente quem é culpado e quem é inocente, com uma preferência para o erro a favor do inocente. Esta é uma avaliação instrumental do processo judicial. Também podemos avaliar o processo judicial em função do modo como trata os cidadãos. Será que protege os direitos do acusado? Será que protege adequadamente o direito das vítimas? Será que trata todos os participantes como cidadãos iguais? Estes são valores intrínsecos ao procedimento judicial. Um procedimento judicial que se prende a normas de tratamento justo das vítimas e dos réus atribui algum valor aos resultados decorrentes do uso desse procedimento, mesmo que saibamos que os resultados não são correctos. Portanto, possuímos tanto métodos intrínsecos para avaliar esses procedimentos como padrões independentes. A relação entre a democracia e os resultados desejáveis, no que respeita à explicação justificatória, não se assemelha a um procedimento judicial para acusar ou inocentar; é mais parecida com a relação entre as regras de um jogo e o vencedor do jogo. As regras do jogo não nos ajudam a descobrir o vencedor do jogo como se fosse um facto independente; as regras definem quem é o vencedor. O vencedor do jogo logicamente que não pode ser determinado por qualquer outro método. De igual modo, a ideia é que os processos democráticos justificam os resultados: eles constituem o que é um resultado "apropriado". O resultado apropriado logicamente que não pode ser produzido por qualquer outro procedimento.

A exposição mais completa de Cohen sobre esta concepção pode ser resumida pela proposição seguinte: "os resultados são democraticamente legítimos se e somente se puderem resultar de um acordo livre e racional entre iguais"[2]. De uma forma breve, o processo pelo qual os resultados legítimos são realizados é designado por procedimento deliberativo ideal. Este é um procedimento em que os cidadãos deliberam uns com os outros sobre os termos justos da associação sob condições específicas de liberdade e igualdade,. Cada cidadão tenta propor certos termos de associação com base em razões que mostrem que estes servem o bem comum ou são justos. Pretendem alcançar um consenso e as questões sobre as quais as pessoas discordam devem ser resolvidas apenas pela força do melhor argumento. Não precisamos rever os detalhes desta explicação, excepto para observar que embora o objectivo da deliberação pública seja o consenso, na ausência deste os cidadãos farão escolhas segundo a regra da maioria. A ideia é que os resultados desse processo estão politicamente justificados para os seus participantes.»
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[1] Joshua Cohen. "Deliberation and democratic legitimacy”, in The Good Polity, eds., Alan Hamlin e Philip Pettit (Oxford: Blackwell, 1989), p. 21.
[2] Ibid., p. 22.
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