quinta-feira, 19 de junho de 2008

Louis P. Pojman, “Por que é a pena de morte moralmente permissível”* (Parte I)

«A pena de morte como punição para a maioria dos crimes graves é moralmente justificada. Pessoas honestas e filósofos podem discordar sobre estes assuntos, mas apresentarei as minhas razões para apoiar a manutenção desta prática. Não tenho quaisquer ilusões sobre a minha capacidade para alterar as mentes dos meus ardentes opositores abolicionistas, mas espero poder limpar o ar de equívocos e ajudar aqueles que possuem uma mente aberta a alcançar um juízo informado sobre esta matéria crucial.

Primeiro, deixem-me comentar brevemente as teses concretas do ensaio do Hugo Bedau “Um escrutínio abolicionista da pena de morte na América de hoje”[1]. (1) Bedau afirma que “deve ser hoje impossível não encarar a morte na cadeira eléctrica como “punição cruel e invulgar” em violação directa das punições constantes da Oitava Emenda da Carta de Direitos” (p. 5). Porquê? Acredito que a ideia de “cruel e invulgar” signifique apenas moralmente injustificada e injusta. Se for o caso, é necessário um argumento para esta asserção. Não consigo ver em que medida a morte pela cadeira eléctrica é tanto “imoral como injusta”. Afinal de contas, o criminoso cometeu um acto de violência abominável com maldade premeditada. Defenderei que a cadeira eléctrica, longe de ser injusta, é completamente justificada. A injecção letal indolor, que é o processo escolhido em muitos estados, parece boa demais para alguém que despreza claramente o derrame de sangue inocente da sua vítima. O enforcamento ou o pelotão de fuzilamento ou uma dolorosa descarga eléctrica parecem mais apropriados para a maioria dos actos de homicídio. (2) Em conjunto com estas linhas, Bedau observa que até meados do século vinte muitas jurisdições impunham a pena de morte para numerosos crimes para além do homicídio, incluindo a violação, o rapto e a traição[2] (p. 7). Aceito que o argumento implícito é que como vamos ficando cada vez mais esclarecidos e reconhecendo a inerente dignidade dos seres humanos, estreitar-se-ia progressivamente a margem de aplicação da pena de morte até cobrir apenas um conjunto cada vez mais restrito de crimes, até ao ponto de a abolir pura e simplesmente. Possuo uma interpretação diferente. Sofremos uma perda de confiança na capacidade da nossa sociedade para realizar a justiça, uma perda de coragem. Uma sociedade que se acomodou a olhar a violência nos filmes e na TV mas que condena os pais que batem nos filhos para os disciplinar, pode não possuir os recursos morais internos para discriminar entre o uso da força moralmente permissível e impermissível. Suspeito que a consciência crescente das influências sociológicas nos criminosos tem resultado numa tendência para minimizar a sua responsabilidade. Os pedófilos foram eles próprios frequentemente molestados, pessoas insultuosas foram vítimas de abusos. “Compreender tudo é perdoar tudo”. Há alguma verdade nestas generalizações, mas é uma falácia grosseira inferir que por sermos influenciados pela nossa educação ou hereditariedade, não devemos ser responsabilizados pelo nosso comportamento. Uma noção mais robusta de responsabilidade pessoal pode conduzir-nos a estender a pena de morte àqueles que violam de forma flagrante a confiança pública, a incluir os CEO que destruíram de forma activa os planos de reforma dos seus empregados, como sucedeu no caso que envolveu em 2002 a Enron e a WorldCom. Em 2002, a Enron Corporation declarou falência. Anunciou que milhares de trabalhadores situados na base da hierarquia perderiam os seus planos de reforma, enquanto que 29 executivos de topo ficaram com 1,1 milhões de dólares depois de venderem parcelas do stock da empresa, cabendo só ao CEO Kenneth Lay o total de 101,4 milhões. Sensivelmente na mesma altura, na WorldCom, o Director Financeiro Scott Sullivan vendeu 45,4 milhões de stock da companhia, cobrando silenciosamente 3,9 milhões em despesas para dar a impressão de ter havido lucro. A bolha rebentou; a firma declarou falência e despediu 17,000 trabalhadores. Os líderes destas grandes empresas provavelmente fizeram mais mal aos seus trabalhadores do que um assassino. Da mesma forma que é um mal tirar a vida a uma pessoa inocente, também é um mal extremo destruir os planos de reforma de milhares de trabalhadores devido a ganância e à desonestidade, ao mesmo tempo que se garante milhões de dólares para si próprio. O efeito cumulativo de uma tal dissimulação e desprezo pelos empregados pode ser pior do que o de um crime isolado. Se a pena de morte é uma punição apropriada para quem comete traição, é aplicável aos executivos de empresas que violam a confiança pública e minam a fé no nosso sistema económico. Ao aplicar a pena de morte aos crimes de colarinho branco, estaríamos a aplicá-la de forma mais justa[3]. Os ricos, que raramente são tentados a matar, estariam sujeitos à mesma punição capital que está hoje habitualmente reservada aos pobres. Alguns casos de violação, rapto, traição e crimes de colarinho branco como apropriação fraudulenta das economias de idosos e de pessoas vulneráveis podem muito bem ser merecedores da pena de morte. Talvez os nossos antepassados tivessem errado ao serem demasiado duros com os acusados. Nós podemos estar a errar por estarmos a ser demasiado brandos com eles. O objectivo é procurar o meio-termo dourado, dando ao criminoso o que ele merece.

(3) Bedau cita com aprovação a afirmação de Laura Mansnerus segundo a qual “quase todos os criminosos… estudados evidenciam danos cerebrais” (p. 10). Essa é uma categoria demasiado lata, que dificilmente pode ser condição suficiente para abolir a punição. Provavelmente muitos adultos sofreram algum dano cerebral durante as suas vidas por causa do consumo de álcool ou droga, ataques cardíacos, ferimentos na cabeça, e desequilíbrios químicos. Li um estudo feito em Inglaterra que mostrava que muitos jogadores de futebol sofreram danos cerebrais (provavelmente por causa de cabecearem a bola). A menos que sejamos capazes de estabelecer uma correlação entre danos cerebrais específicos e crimes específicos cometidos, devemos presumir que essas pessoas são responsáveis pelo seu comportamento, até pelos seus actos violentos. A tese de Mansnerus, se confirmada, provaria demasiado – nomeadamente, que ninguém poderia ser punido por homicídio uma vez que essas pessoas com danos cerebrais não poderiam ser responsabilizadas pelos seus actos. Onde há evidências de dano cerebral ou deficiência, como no caso de atraso mental ou de criminosos [temporariamente] insanos, podemos mitigar ou cancelar a punição recomendada.

(4) Bedau apela para o princípio da Invasão Mínima de Beccaria segundo o qual dado o interesse do estado um governo “deve usar os meios menos restritivos suficientes para atingir esse objectivo ou propósito” (p. 19). Bedau admite que a punição para um crime é uma prática legítima, mas opta pelo princípio da Invasão Mínima como constrangimento para essa punição. Também concordo que devemos minimizar o sofrimento, em igualdade de circunstâncias, mas por vezes as coisas não são iguais, pois o criminoso pode merecer mais do que a punição mínima, merecendo, de facto, a pena de morte. Então o princípio da Invasão Mínima pode ser sacrificado em nome da justiça. Bedau pretende definir um tecto máximo para a punição merecida, mas também pode haver um tecto mínimo para a punição. Por vezes só a punição severa é justificada. (5) Bedau argumenta contra aqueles que, tal como o Procurador-Geral John Ashcroft, defendem que a pena de morte representa uma espécie de encerramento para as famílias das vítimas. Ele observa correctamente que, por vezes, não traz esse sentido de alívio catártico (p. 33). Concordo com Bedau neste ponto e não recorro ao argumento do encerramento na minha defesa, embora as famílias das vítimas frequentemente expressem satisfação com a execução do homicida. Tanto melhor. Mas isso não é um argumento suficiente a favor da pena de morte. Apresentarei agora a minha argumentação a favor da pena de morte.»
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*Algum do material da secção sobre a dissuasão foi adaptado do meu ensaio “A favor da pena de morte” in The Death penalty: For and Against, de Louis P. Pjman e Jeffrey Reiman (Rowman & Littlefield, 1998). Esse livro contém uma defesa mais completa da minha teoria do merecimento. Estou em dívida para com Stephen Kershnar e Micahel Levin pelos seus comentários a uma versão anterior deste ensaio.
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[1] O número entre parênteses refere-se ao número de página do ensaio de Bedau “Um escrutínio abolicionista da pena de morte na América de hoje”.
[2] Parece que o anterior Mayor da cidade de Nova Iorque, Fiorello LaGuardia, tinah isto em mente quando disse “Enforcaria um banqueiro que tivesse roubado o povo”. Citado em Alyn Brodsky, The Great mayor: Fiorello LaGuardia and the making of the City of New York (Truman Talley Books, 2003).
[3] Veja-se Hugo Adam Bedau, The Death Penalty in America (Oxford University Press, 1982) e o seu “Capital Punishment” in Matters of Life and Death, ed. Tom Regan (Random House, 1980); veja-se também Jeffrey Reiman, “Why the death Penalty Shuold be Abolished in America”, in The death Penalty: For and Against, ed., por Louis P. Pojman e Jeffrey Reiman (Rowman & Littlefield, 1998).
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