terça-feira, 3 de junho de 2008

Será a eutnanásia moral? Esta é a RESPOSTA da Rita Raínho:

«O tema que me proponho desenvolver refere-se a uma questão controversa e de trato delicado que levanta questões de natureza ética e moral e que dá pelo nome de eutanásia. A eutanásia é um problema ético desde que nos questionamos sobre a possibilidade de provocar a morte em geral e levanta questões que chocam com a nossa concepção sobre o valor da vida e da dignidade humana.

Os problemas de natureza ética e moral levantados pela eutanásia, colocam-nos dúvidas sobre a possibilidade e o direito de recorrer ao acto intencional de pôr termo à vida de um ser humano, praticado por outro, dado ser contrário àquilo que a profissão médica defende, bem como a admissibilidade dum paciente ou familiar próximo tomar a decisão quanto ao não prolongamento da vida, quando a morte biológica está eminente, fazendo cessar o uso dos meios técnicos adequados de forma a prolongar a própria vida.

Proponho defender a ideia que a eutanásia é moralmente condenável e juridicamente inaceitável, para tal, pretendo expor várias abordagens e pontos de vista sobre a eutanásia, tentando sempre questionar o direito de alguém decidir por cobro à vida dum outro ser humano ou inclusive à sua própria vida.
Existem muitas questões que se podem levantar a favor da utilização da eutanásia:

- Não será a eutanásia uma garantia de uma morte com dignidade?
- As pessoas não teriam direito a cometer o suicídio, sendo a morte inevitável?
- A eutanásia não se poderia tornar num meio para reduzir os custos com a saúde?
- A eutanásia não seria uma forma de aliviar uma dor física e/ou psicológica insuportável?

A minha pretensão é contrariar estas questões, defendendo o direito sublime à vida, que a morte como um passo natural da nossa existência e que ninguém tem o direito de matar por “compaixão”. Para justificar a minha posição irei referir várias perspectivas da eutanásia; abordarei a prática da eutanásia na Holanda bem como o entendimento do ponto de vista da deontologia médica, e farei ainda uma pequena abordagem do ponto de vista naturalista bem como na perspectiva moral e religiosa.

Segundo C. Everett Koop, o termo eutanásia vem do grego e significa morte sem dor, feliz (eu – bem, mais thanatos – morte) (C. Everett Koop, 1997: p. 83). Definições mais recentes e descritas em dicionários definem eutanásia como “uma morte fácil, doce, pacífica e sem dor ou um acto ou método de provocar a morte sem dor como meio de pôr fim ao sofrimento. É defendido por alguns como forma de tratar as vítimas de doença incurável.

A eutanásia pode ter várias vertentes: a eutanásia voluntária, involuntária, não voluntária, sendo praticada de forma activa ou passiva. Entende-se por eutanásia voluntária, aquela que é realizada a pedido da pessoa que deseja morrer. De acordo com Peter Singer, “por vezes, a eutanásia voluntária é praticamente indistinguível do suicídio assistido” (Peter Singer, 2002; p. 196). Considera-se que a eutanásia é involuntária quando a pessoa que se mata é capaz de consentir na sua própria morte, mas não o faz, quer porque não lhe perguntam, quer porque lhe perguntam e prefere continuar a viver. Um terceiro tipo de eutanásia é a não voluntária. Quando um ser humano não é capaz de compreender a escolha entre a vida e a morte, a eutanásia não pode ser considerada voluntária ou involuntária, mas antes não voluntária. Nesta última vertente, estamos perante situações de seres humanos incapazes de dar consentimento: bebés com doenças incuráveis e/ou graves deficiências ou pessoas em idade avançada que perderam de forma permanente a capacidade de compreender as questões em causa.

Ao referir-me à eutanásia praticada de forma activa ou passiva, convém realçar que se considera activa quando existe a intervenção directa de um médico e este faz alguma coisa que provoque a morte do paciente, mata-o. No caso do suicídio assistido o médico assiste o seu paciente e dá-lhe os meios para ele próprio acabar com a sua vida. A eutanásia considera-se praticada de forma passiva quando o médico não faz nada que provoque a morte do paciente e este acaba por morrer em consequência da sua doença, entenda-se que nesta situação os tratamentos são suspendidos.

Sobre a eutanásia passiva importa salientar que não é absolutamente correcto dizer que o médico não faz nada, porque este faz uma coisa que é muito importante: deixa morrer o doente.

A eutanásia activa justificável só é praticada nos Países Baixos para o caso de pacientes que se encontram na fase terminal de uma doença incurável e, geralmente maligna. Realizam-se anualmente até cinco mil casos, mas os médicos que a praticam têm de seguir regras e directrizes bem delineadas, caso contrário, poderão ter de enfrentar a justiça por procedimento criminal. Mas essa situação foi tão longe num tão curto espaço de tempo que até mesmo alguns dos maiores defensores da eutanásia estão a começar a expressar temores quanto ao futuro, dada a impotência do sistema legal para a resolução de numerosos casos de abusos existentes. Como nos diz Pieter Admiraal, depois da realização de uma eutanásia, a maior parte dos médicos holandeses falsifica a certidão de óbito para que conste “morte natural” (Cfr. Pieter Admiraal, 1997: p. 166), minimizando assim, a probabilidade de uma investigação do caso.

Existe uma recomendação que foi elaborada pela Câmara de Delegados da Associação Médica Americana, em 1973 que refere do ponto de vista tradicional do papel do médico, não se pode colocar fim à vida de um ser humano, praticado por outro (homicídio por piedade), visto que é contrário àquilo que a profissão médica defende. Para Thomas D. Sullivan, “é inadmissível um médico ou qualquer outra pessoa pôr termo, intencionalmente, à vida de um paciente” (Thomas D. Sullivan, 1997: p. 64). No entanto, a Câmara dos Delegados, subscreveu nessa mesma recomendação, a ideia da admissibilidade da eutanásia, na perspectiva de suspender em determinadas circunstâncias o tratamento, mas nunca seria admissível praticar um acto directo destinado a matar o doente.

Outros argumentos existem que refutam a ideia da eutanásia. Temos de ter em conta que na esmagadora maioria dos casos, médicos e enfermeiros estão empenhados em salvar vidas; assim o afirmaram no Juramento de Hipócrates. Uma vida perdida, é quase como um fracasso pessoal e um insulto aos seus conhecimentos. Permitir a eutanásia, sob qualquer das formas caracterizadas, teria como consequência uma degradação geral dos cuidados médicos. Contudo, na nossa sociedade, existem muitos médicos que tendem a reconhecer que, quando uma pessoa sofre de uma doença terminal, se encontra fisicamente decrépita ou sofre de dores impossíveis de mitigar, já não será necessário sobrepor a valorização da vida à morte. Estamos perante o entendimento do princípio da autonomia sobreposto ao princípio da beneficência. É uma posição que nos conduz à situação dum doente terminal em condições mentais de solicitar o seu próprio suicídio Qual será o papel do médico perante tal situação? Vai dizer ao doente, está bem, não te impedirei, ou irá dizer-lhe que o ajudará? Em qualquer dos casos estará a ser conivente ou terá participação activa no acto de suicídio.

Na minha opinião, a eutanásia é um caminho errado, porque viola as leis da natureza e a dignidade do ser humano. É certo que o sofrimento é um factor terrível e necessitamos confortar aqueles que sofrem e aliviar o seu sofrimento, mas esse sofrimento tem de ser encarado como uma faceta natural da vida. A eutanásia, não é apenas uma morte “confortável”, é ilícita. A eutanásia, não é apenas morrer, mas sim matar.

Do ponto de vista naturalista, podemos afirmar que todos os seres humanos têm uma inclinação natural para continuarem a viver, os nossos corpos estão preparados para a sobrevivência, até ao nível molecular. Como refere J. Gay-Williams, a eutanásia constitui uma violência contra este objectivo natural de sobrevivência (Cfr. J. Gay-Williams, 1997: p. 117). A eutanásia, nega o nosso carácter humano, exige que nos consideremos a nós mesmos e aos outros, como algo que não é completamente humano.

Numa perspectiva ético-religiosa, a Congregação para a Doutrina da Fé, emitiu em 1980 a Declaração sobre a Eutanásia, a qual confirma e desenvolve os ensinamentos do Concílio Vaticano II. Essa Declaração explica que a vida humana é uma dádiva de Deus. Visto que a vida é a base de condição necessária de todos os seres humanos, a sua destruição é uma violação grave da lei moral, quer a vítima consinta ou não.

Em termos morais, é importante realçar que ao pretender a morte de uma pessoa, quer como um fim em si mesmo, quer como meio de atingir outro fim (pôr termo ao seu sofrimento) é errado e vai contra os ensinamentos da teologia católica.

Necessitamos compreender que o fim da vida em sofrimento, poderá significar um tempo importante na vida de uma pessoa, poderá ser um período de reconciliação com a vida e a morte e na qual se atinge a paz interior. Nas palavras expressas de Gerald D. Coleman, “o desejo de libertação é, certamente, compreensível, mas matar o paciente, mesmo que realizado com as motivações mais bondosas, não é a maneira moral de resolver o problema” (Geral D. Coleman, 1997: p. 132).

Os valores e os juízos de valor, que intervêm nas decisões éticas que tomamos e defendemos, estão relacionados com crenças metafísicas profundas. Conforme nos diz Ernlé W. D. Young, aqueles que, inserindo-se na tradição judaico-cristã, afirmam que a vida (com todos os seus problemas e dificuldades) é uma boa dádiva das mãos de Deus, terão tendência para valorizar a vida acima da morte (Cfr. Ernlé W. D. Young, 1997: p. 138).

Tendo em conta em particular à questão de considerar ou não a decisão do Juiz do Tribunal moralmente justificável, levanta-se um problema de ética que tem a ver com a aceitação ou não da eutanásia, como meio de acabar com a vida dum ser humano evitando o sofrimento prolongado e não adiar o inevitável, ou seja, a morte. No caso em apreço, estaríamos, caso a vontade dos pais fosse satisfeita, perante uma situação de eutanásia não voluntária, visto que o recém-nascido nunca teria a capacidade de decidir quanto à continuidade ou não da sua vida. Neste caso, o efeito sobre os pais da morte da criança, poderia constituir uma razão a favor da eutanásia mas como refere Peter Singer, alguns pais querem que mesmo os seus filhos com as deficiências mais graves vivam o maior tempo possível e esse desejo constituiria então uma razão contra a sua morte provocada (Peter Singer, 2002: p. 203).

A eutanásia de crianças de tenra idade levanta questões especiais relacionadas com a defesa dos direitos das crianças, o estatuto dos direitos paternais, as obrigações dos adultos evitarem o sofrimento das crianças e os possíveis efeitos para a sociedade de permitir ou facilitar a morte de crianças com deficiências graves.

É evidente que um recém-nascido não tem capacidade para decidir por si quanto à eutanásia. Há quem defenda que se torna uma inutilidade prolongar a vida de um recém-nascido que não tem qualquer possibilidade de sobreviver com o mínimo de qualidade de vida, e que não faria sentido prolongar-lhe a dor e o sofrimento, tanto mais que as probabilidades de morrer, mesmo com tratamentos e intervenções cirúrgicas seriam enormes.

Perante esta situação, os pais como familiares directos, teriam direito a decidir quanto a colocar um ponto final à vida da criança? Os médicos deveriam acatar essa decisão? Os custos envolvidos na manutenção da vida dum recém-nascido que à priori não irá sobreviver deveriam ser equacionados? Estas questões conduzem-nos à eutanásia activa como a única saída. Particularmente, não me parece razoável que assim seja.

Tendo analisado a eutanásia nas suas várias facetas, e embora reconheça que o sofrimento humano, seja um factor de vida que provoca grande dor e angústia à pessoa que sofre, bem como às pessoas que se relacionam com ela, considero que este factor não deve ser usado como razão para justificar que se ponha fim à vida humana.

Do ponto de vista ético, não existe justificação para a eutanásia, mesmo considerada como morte suave. Este meu ponto de vista decorre do princípio inerente à tradição moral católica que conclui que a vida de todas as pessoas deve ser respeitada acima de tudo. Logo, considero a eutanásia imoral.

Deus concedeu-nos a vida, portanto, a vida é um empréstimo e mesmo o ser humano dispondo de domínio sobre si próprio através do livre arbítrio, este, dá-nos a liberdade de dispor da nossa vida até ao ponto exclusivo de não interferir com a nossa morte que deverá estar sempre sujeita à vontade de Deus. Por outras palavras, o ser humano tem direito à utilização da vida humana e não ao domínio sobre a mesma.

Na minha opinião, as divergências de opinião dos médicos que levaram o caso do “bebé Houle” a tribunal tinham fundamento e os pais não deveriam recusar-se a que a intervenção cirúrgica fosse realizada. Perante isto, estou convicta que a decisão do Juiz do Tribunal Superior do Maine, foi a mais correcta e a mais honesta, tendo em consideração que o mais fundamental de todos os direitos de que goza qualquer ser humano é o direito à própria vida.»

BIBLIOGRAFIA

Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora.

Coleman, Gerald D. “Suicídio Assistido: uma perspectiva ética” in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 123-132

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Koop, C. Everett, “O direito de morrer; os dilemas morais” in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 83-100

Rachels, James, “Eutanásia activa e passiva” in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 53-61

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Singer, Peter, “Tirar a vida: os seres humanos” in Singer, Peter (2002). Ética Prática. Lisboa: Gradiva, pp. 195-238

Sullivan, Thomas D., “Eutanásia activa e passiva: uma distinção irrelevante?" in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 63-71

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