segunda-feira, 26 de maio de 2008

Será a eutanásia moral? Esta é a RESPOSTA da Camila e da Mariana:

«O presente ensaio trata do problema da moralidade da eutanásia. Numa primeira fase, identificaremos e esclareceremos o problema de ética aplicada que o caso apresentado levanta. Numa segunda fase, identificaremos e clarificaremos os problemas conceptuais relacionados com os conceitos centrais do problema da eutanásia relacionada com o caso exposto. Numa terceira fase identificaremos, apresentaremos e discutiremos as teses e argumentos centrais das duas posições que respondem ao problema da eutanásia que identificamos e esclarecemos na fase anterior. Finalmente, tomaremos uma posição relativamente à questão colocada (Será a decisão do Juiz do Tribunal Superior moralmente justificável?), e justificaremos a nossa posição.

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No caso sugerido, o nascimento de uma criança com muitas malformações, que passaremos a chamar “Bebé Houle” para facilitar a nossa discussão, fez com que os médicos chegassem a um consenso entre si e, decidissem então, realizar uma cirurgia para melhorar a qualidade de vida da criança. Devido às complicações e deformidades associadas, os pais recusaram-se a dar o consentimento para a realização desta cirurgia. Visto que os médicos não eram da mesma opinião dos pais, recorreram a um processo judicial. O tribunal decidiu operar a criança baseando-se no artigo que defende que todo o ser humano tem o direito à protecção legal e ao direito à vida. O problema que este caso levanta é a questão de saber se é a opinião (baseada em leis) do juiz moralmente correcta? Ou se será a opinião dos pais moralmente correcta, sendo que estes os que sabem verdadeiramente o que é melhor para os filhos e que são responsáveis por eles? Adiante esclareceremos estas questões, quando apresentarmos a nossa opinião. No caso dos bebés com graves deficiências, diz-se que a eutanásia é não voluntária, visto que, a criança não tem a capacidade de escolher entre viver ou morrer.

As actuais discussões acerca do direito de morrer são, na sua essência, uma ampla reflexão sobre os problemas morais e éticos criados por uma interpretação do termo eutanásia. A definição de morte é importante para clarificar o problema da eutanásia. É essencial referir que a palavra morte menciona-se como um termo biológico. Dá-se o nome de morte à mudança do estado de estar biologicamente vivo para o estado de estar biologicamente morto. Devido ao facto de nenhum ser humano viver eternamente, conclui-se que matar um ser humano é diminuir o tempo de vida ou antecipar-lhe a sua morte.

A eutanásia é um acto ou omissão que provoca a morte, por si mesma ou por intenção, de maneira a eliminar o sofrimento, e refere-se actualmente à morte daqueles que tem doenças incuráveis. Existem dois tipos de eutanásia, nomeadamente, a eutanásia activa e a eutanásia passiva. A eutanásia activa é quando se dá uma injecção letal, sendo assim, uma morte isenta de dor. A eutanásia passiva é quando se deixa de dar a medicação, sendo assim uma morte dolorosa, pois morre-se em consequência da sua doença. As pessoas pensam que existe uma diferença moral importante entre eutanásia activa e passiva, porque pensam que matar alguém é pior, em termos morais, do que deixar morrer alguém. Do ponto de vista tradicional, não há diferença moral entre a eutanásia passiva e activa, pois a intenção com que um acto foi praticado é que é relevante para determinar se este é certo.

A eutanásia nas crianças – infanticídio -, implica uma vasta gama de questões que não se colocam à eutanásia em adultos. Estas questões referem-se à defesa dos direitos das crianças, ao estatuto dos direitos paternais, à obrigação que os adultos têm em evitar o sofrimento das crianças e aos efeitos que tem para a sociedade permitir ou facilitar a morte de crianças com deficiências graves. A diferença existente entre a eutanásia nas crianças e nos adultos é a própria diferença que há entre criança e adulto. Esta dissemelhança levanta a questão de saber se as crianças são ou não pessoas. As crianças são pessoas do ponto biológico, mas não se podem considerar pessoas, porque a nível psicológico não agem racionalmente, não têm autonomia, não pertencem a si próprios e, assim, não são responsáveis pelos seus actos.

Para P. Singer, o nascimento de uma criança é normalmente, uma grande felicidade para os pais. Desde o momento em que a criança nasce, que se começam a criar laços de afecto entre os pais e a criança. Assim, provocar a morte a um bebé causa muitos efeitos negativos nos pais (Cfr. P. Singer, 2002: p. 202-203). No caso do “Bebé Houle”, já existiriam possivelmente laços de afecto entre os pais e o bebé, mas devido às grandes deformações que este apresentava, os pais preferiram recorrer à eutanásia, isto é, não queriam que o seu filho fosse operado. Esta decisão pode ter sido tomada baseada num ponto de vista sentimental, pois um filho com tantas deficiências iria dar sofrimento aos pais e a ele próprio. Considerado um ponto de vista económico, poder-se-ia dizer que os pais poderiam não ter possibilidades económicas para o sustentar. Outro facto preocupante, que eventualmente poderia suceder, era os pais falecerem. E depois quem ficaria responsável por uma criança impossibilitada de efectuar as tarefas do dia-a-dia? Provavelmente os pais tomaram a decisão de não realizar a cirurgia tomando ponderando estes aspectos, pelo que existem várias hipóteses que tenham levado a esta decisão dos pais.

Iremos apresentar um outro argumento relativamente à ausência da cirurgia no “Bebé Houle”. Como refere H. Tristram Engelhardt, o facto da criança sofrer de muitas deficiências leva a não possa ter uma vida normal, sendo mais aceitável a ausência da cirurgia porque a esperança de êxito é ainda mais remota (Cfr. H. Tristram Engelhardt, 1997: p. 61). Na circunstância do “Bebé Houle”, os médicos realizaram a cirurgia e a esperança de êxito não se concretizou, visto que o “Bebé Houle” faleceu em consequência da cirurgia. O objectivo dos médicos ao realizar esta cirurgia, era prolongar a vida do bebé, mas com sofrimento, na medida que, eles defendem quase sempre a vida. Ms como afirma Philippa Foot, podemos preservar-lhes a vida fornecendo-lhes o que lhes é benéfico, mas não as beneficiamos salvando-lhes a vida (Cfr. Philippa Foot, 2001: p.6). Portanto, nem sempre o prolongamento da vida é benéfico para o paciente, neste caso não o era para o “Bebé Houle”.

Agora iremos expor um argumento que diz respeito à cirurgia que os médicos insistiram em realizar. Como refere Pieter Admiraal, os médicos tomaram a decisão de fazer a cirurgia porque na maior parte dos casos a dor física pode ser controlada com analgésicos (Cfr. Pieter Admiraal, 1997: p. 48) Como se pode verificar, a dor física não é justificável para recorrer à eutanásia pois existe uma grande variedade de analgésicos, como por exemplo, morfina e psicofármacos, que bloqueiam o tecido nervoso sensitivo sem afectar negativamente as funções psicológicas do paciente. Para além disso, a eutanásia activa é legalmente proibida e isto é também contra aquilo que a profissão médica defende, ou seja, o empenhamento total na salvação de vidas. Para eles uma vida perdida é um fracasso pessoal.

A decisão dos médicos poderia ter sido contrária a esta. Para Philippa Foot, “os médicos que fazem recomendações contrárias à preservação da vida no caso de crianças deficientes, não estão a pensar nelas, mas nos pais e na família ou no “fardo social” que elas constituem caso sobrevivam” (Philippa Foot, 2001: p.21). Quando os bebés se encontram em situações graves como o “Bebé Houle”, os médicos preferem não lhes preservar a vida porque isso seria um constrangimento para os pais. No caso do “Bebé Houle”, os médicos não pensaram na situação futura dos pais e da restante família, por isso. a sua decisão não foi a mais correcta.

Para Gerald D. Coleman, “A medicina precisa de, em todas as circunstâncias, respeitar constantemente a vida, a autonomia moral e o livre-arbitrio do paciente” (Gerald D. Coleman, 1997: p. 36). Como o “Bebé Houle” não tem livre-arbítrio, não é autónomo, e assim a nível psicológico não pode ser considerado uma pessoa, como referimos anteriormente na introdução, as decisões têem de ser tomadas pelos pais porque estes é que tem a capacidade de tomar as decisões em relação aos seus filhos.

Para uma melhor compreensão do próximo argumento iremos apresentar, em primeiro, a definição de meios extraordinários e ordinários. Os meios ordinários são meios de prolongar a vida através de medicamentos, tratamentos e operações. Através destes meios o paciente pode beneficiar-se sem despesas ou dores excessivas. Os meios extraordinários definem-se de igual modo, mas, o que os diferencia, é o facto de este meio ser obtido com despesas e dores excessivas. Para James Rachels, “a cessação do emprego de meios extraordinários para prolongar a vida do corpo quando existirem provas irrefutáveis de que a morte biológica esta eminente é uma decisão do paciente e/ou dos seus familiares próximos” (James Rachels, 1997: p. 1). No caso do “Bebé Houle” a decisão da cessação do emprego de meios extraordinários, ou seja, a realização da cirurgia ou a não realização, deveria ser tomada pelos pais, porque o bebé sofria de muitas deformações e era notável que a sua esperança média de via iria ser muita curta. Apesar de ser os pais a tomar a decisão, os médicos deverão fornecer livremente o seu conselho e opinião.

Existem doentes que se recusam à eutanásia em todas as circunstâncias. Como refere Pieter Admiraal, há pacientes que querem viver mesmo que tenham doenças muito graves e que o seu sofrimento seja insuportável. Estes pacientes lutam contra a sua doença e aceitam quaisquer tipos de medicamentos mesmo que lhes causem sintomas terríveis (Cfr. Pieter Admiraal, 1997: p. 47-48). Estes pacientes são uns lutadores e por isso, nunca perdem a esperança de uma possível cura para a sua doença, mesmo que, os médicos já lhe tenham dito que têem poucas probabilidades de sobreviver. No caso do “Bebé Houle”, este não age racionalmente, por isso, quem tem o poder de tomar as decisões são os seus pais. Estes ao tomarem a decisão baseiam-se no facto do seu filho enfrentar um sofrimento profundo, não sendo por isso lutadores.

Iremos agora apresentar argumentos contra a eutanásia do ponto de vista da religião. Para Gerald D. Coleman, “a partir do momento da concepção, a vida de todo o ser humano deverá ser respeitada de forma absoluta porque o homem é a única criatura sobre a Terra que Deus desejou para si” (Gerald D. Coleman, 1997: p. 36). Na religião afirma-se que a vida humana é sagrada e que o Homem não tem o direito de a destruir, principalmente, um ser humano inocente (bebés). Então se Deus é omnipotente, omnisciente e sumamente bom e à sua imagem e semelhança criou o Homem, porque é que há Homens com o poder de matar? (Esta questão levanta muitas dúvidas e é muito difícil arranjar uma resposta plausível. Como não é esse o nosso propósito aqui, deixamos a sua discussão em aberto.)

Joseph Fletcher afirma que “entre todas as tradições religiosas existe um acordo substancial quanto a não sermos moralmente obrigados a preservar a vida em todos os casos terminais” (Joseph Fletcher, 1997: p. 25). A religião defende que devemos preservar sempre a vida, mas abre uma excepção para os casos terminais. No caso do “Bebé Houle”, acreditamos que a religião também deveria abriria uma excepção, uma vez que se trata igualmente de um caso terminal.

Finalmente, iremos apresentar uma posição relativamente à questão “Será a decisão do Juiz do Tribunal Superior moralmente justificável?”. Mediante os argumentos que obtivemos a partir dos textos, verificamos que no caso do “Bebé Houle”, a decisão dos pais é mais plausível do que a decisão do Juiz, ou seja, a decisão do Juiz do Tribunal Superior não é moralmente justificável. Devido ao bebé ter vários problemas de saúde, uma só operação à fístula traqueo-esofágica não o iria curar, pois iriam surgir muitas outras complicações a outros níveis. Entre todos os problemas que o bebé tinha, um dos mais graves obrigava a que se tivesse que realizar sucessivas cirurgias à espinha bífida. Várias descrições públicas sobre crianças com este problema apoiam que as mais afectadas têm uma vida de dor e de aflição. Para evitar a curvatura da coluna durante a puberdade, teria que se efectuar mais de 40 cirurgias. Por isso há que ter em conta que nem uma única operação conduz ao prolongamento da vida com qualidade que qualquer ser humano merece ter. Os pais do “Bebé Houle”, assustados com a perspectiva de criar um filho com tantos problemas de saúde, não anseiam pela sua sobrevivência e, devido a isso, não desejam que o seu filho seja operado. Juntamente com este facto, há factores adicionais que podem conduzir a essa decisão dos pais, como, por exemplo, factores emocionais e económicos a que já nos referimos antes. Relativamente aos factores emocionais, o filho ao efectuar a operação ordenada pelo Juiz iria continuar a sofrer, e isso só iria trazer mais sofrimento também para os pais, como ansiedade, dor, angústia e tristeza. Quanto aos factores económicos, os pais poderiam não ter possibilidades monetárias de sustentar um filho, particularmente um filho este com tantos problemas de saúde, o que obriga a enormes despesas com medicamentos, tratamentos, cirurgias, entre outros. Do nosso ponto de vista, a decisão da realização da cirurgia pertence inteiramente aos pais porque é a eles que a criança pertence. A sociedade, neste caso, os médicos, só devem intervir quando a hipótese da criança vir a ter uma boa qualidade de vida é elevada. Acreditamos, por isso, que só deveriam intervir em casos de negligência por parte dos pais, o que neste caso concreto não está manifestamente em causa. A obrigação dos médicos é informar correctamente os pais, para os ajudar a tomar a decisão acertada, e não, como sucedeu neste caso do “Bebé Houle”, levarem o caso a tribunal. A vida merece ser vivida quando abundam experiências positivas. E no caso do “Bebé Houle” isso nunca se verificaria.

Bibliografia:
Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora
Coleman, Gerald D. “Suicídio Assistido: uma perspectiva ética” in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 123-132
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Foot, Philippa, “Euthanasia” in Olen, J.; Barry, V. (ed.s)(2001). Applying Ethics: a text with readings. Wadsworth: U.S.A, pp. 240-55 (Traduzido por Vítor João Oliveira)
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Rachels, James, “Eutanásia activa e passiva” in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 53-61
Rachels, James, “Mais distinções irrelevantes” in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand editora, pp. 73-82
Brandt, Richard, “A moral principle about killing”, in S. Satris (org.) (2000). Taking Sides: Classing views on controversial Moral Issues. 7th Ed.. Connecticut: dushkin/McGraw Hill, pp. 298-304 (Traduzido por Vítor João Oliveira)
Shewmon, D. Alan “Eutanásia voluntária activa: uma caixa de pandora desnecessária” in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand editora, pp. 155-169
Singer, Peter “Tirar a vida: os seres humanos” in Singer Peter (2002). Ética Prática. Lisboa: Gradiva, pp. 195-238
Sullivan, Thomas D., “Eutanásia activa e passiva: uma distinção irrelevante? in Baird, Robert M., Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 63-71
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