domingo, 25 de maio de 2008

Será a eutanásia moral? Esta é a RESPOSTA da Diana e da Fátima:

«O presente ensaio tem como objectivo saber se a decisão do Juiz do Tribunal Superior é ou não moralmente justificável. Por isso e em primeiro lugar, iremos identificar e esclarecer o problema de ética aplicada que este caso levanta. Em segundo lugar, apresentaremos e esclareceremos os problemas conceptuais relacionados com os conceitos centrais do problema de ética aplicada que o caso levanta. Em terceiro lugar, apresentaremos e discutiremos as teses e argumentos centrais das posições que respondem ao problema da ética aplicada que este caso levanta. Em quarto lugar, procuraremos apresentar uma posição relativamente à questão colocada. Por fim, apresentaremos uma conclusão em que faremos a avaliação da nossa investigação.

O caso do “Bebé Houle” levanta uma série de questões éticas e a primeira é que este caso põe em causa valores acerca da vida e da morte. A vida e a morte são temas que sempre interpelaram o Ser Humano e que têm, por isso, sido alvo de inúmeras reflexões. Muitos filósofos, poetas, teólogos, entre outros, dedicaram a sua vida à reflexão sobre a problemática da vida e da morte. A morte e a vida são temas tão antigos quanto o homem. São versados nos mitos e religiões, na teologia, na literatura, na filosofia antiga e moderna. A morte é o que torna o homem um ser frágil, o medo da morte, o medo de deixar de estar vivo…

Em segundo lugar, levanta questões éticas, porque contém um dos temas mais trabalhados e que é alvo de maior reflexão no seio das sociedades: a lei. A lei é um conjunto de preceitos obrigatórios que emanam do poder legislativo, são regras que vão evoluindo, consoante as necessidades e a evolução do próprio homem. E é um dos temas presentes neste ensaio devido à intervenção do Tribunal, órgão executivo da lei, quanto ao caso que irá ser alvo de reflexão. Associada à lei, temos a liberdade, esta é também uma questão fulcral da problemática que o caso do “Bebé Houle” levanta.

As posições que se podem tomar acerca da decisão do Tribunal Superior no caso do “Bebé Houle”, dependem dos valores que cada um aceita como prioritários, portanto, a posição de cada pessoa irá depender da sua hierarquização de valores, assim como da sua visão acerca da vida e da morte.

O problema de “ética aplicada” que o caso do “Bebé Houle” levanta, reside no facto se saber se os pais têm ou não o poder para decidir sobre a vida e a morte de um filho. Temos que ter em conta que o filho é um recém-nascido, que se encontra gravemente deformado, que sofre de uma fístula traqueo-esofágica, e que, devido a uma circulação deficiente, há suspeitas de lesões cerebrais.

O que pretendemos deixar claro neste ensaio, é a nossa posição face à decisão do Juiz do Tribunal Superior, esclarecendo as razões que nos levaram a tomar essa posição, debatendo assim as teses e argumentos a favor e contra à posição tomada.

O facto dos pais do “Bebé Houle” não terem autorizado a operação, sendo a sua não realização uma ameaça imediata à sua existência, remete-nos para um caso de eutanásia. Portanto, iremos fazer uma breve referência a alguns conceitos importantes relacionados com a eutanásia.

Etimologicamente a palavra eutanásia significa “boa morte”, e deriva da palavra “eu” que significa boa e da palavra “thanatos” que significa morte. Desta forma, a palavra eutanásia é hoje utilizada para designar qualquer acto no sentido de provocar a morte, a pedido da própria pessoa ou de quem a represente, quando esta sofre de uma doença incurável, pondo fim ao seu sofrimento.

Na antiguidade eutanásia significava também uma morte suave, sem sofrimentos cruéis. Hoje já não se pensa no sentido primário desta palavra, mas antes numa intervenção da medicina que atenua as dores da doença e da agonia, por vezes mesmo com o risco de suprimir prematuramente a vida.

Podemos considerar dois tipos de eutanásia: a eutanásia activa e a eutanásia passiva. Na eutanásia activa a morte é preparada antecipadamente para libertar o indivíduo de sofrimentos considerados inúteis, pelo que se refere a qualquer acto directo destinado a matar o doente, sendo-lhe administrada uma dose letal, dado que a sua vida está num ponto terminal e irreversível. Na eutanásia passiva, os cuidados médicos e/ou farmacológicos dados ao doente são interrompidos, para que a sua vida acabe por si mesma, sem se tentar por todos os meios manter o indivíduo vivo.

Estes dois tipos de eutanásia podem acontecer em três situações distintas: quando o paciente pede para morrer, designando-se eutanásia voluntária; quando o paciente é capaz de consentir a sua morte, mas não o faz, quer porque não lhe perguntam, quer porque lhe perguntam e prefere continuar a viver, o que se designa por eutanásia involuntária. Diz Peter Singer que neste caso só se poderá considerar correctamente eutanásia se o motivo para essa morte for o desejo de evitar o sofrimento insuportável à pessoa que é morta (Peter Singer, 2002: p. 199). A última situação ocorre quando o paciente não tem capacidade de decisão, por exemplo, quando se encontra em estado de coma ou quando este é ainda recém-nascido. Este tipo de eutanásia designa-se por eutanásia não voluntária.

Como podemos constatar, através das definições dadas, se a operação ao “Bebé Houle” não tivesse sido realizada, estaríamos perante um caso de eutanásia passiva não voluntária.

Nós somos contra este tipo de eutanásia. Segundo a nossa perspectiva, a decisão do Juiz do Tribunal Superior foi a mais correcta, sendo portanto moralmente justificável. Apesar do bebé apresentar deformações em todo o lado esquerdo, não possuir olho esquerdo, não ter praticamente a orelha esquerda, ter a mão esquerda deformada, não ter algumas das vértebras fundidas, sofrer de uma fístula traqueo-esofágica, se suspeitar da existência de lesões cerebrais graves, e como referiu o Dr. André Hellegers “Não é preciso grande imaginação para pensar que haveria mais deformações internas”, achamos que deveria ser sempre feito o possível para evitar a morte da criança, mesmo que a probabilidade desta sobreviver fosse mínima.

Defendemos esta posição por vários motivos, que vamos passar a explicar.

Como nos diz o texto que relata o caso, os pais recusaram-se a dar autorização para a intervenção cirúrgica do “Bebé Houle”, no entanto, vários médicos do Centro Médico do Maine, apresentaram o caso em tribunal, porque achavam que devia ser realizada a operação. Não devemos ignorar que não foi um médico que se opôs à decisão dos pais, foram vários, e se foram vários, certamente a probabilidade da criança sobreviver não era de todo nula. Também não devemos ignorar o facto de um médico, saber muito mais acerca do estado de saúde, da esperança de vida da criança, do que os pais. Mas também não podemos negar que, apesar da operação, o “Bebé Houle” morreu e que, portanto, a operação foi em vão. No entanto, fez-se de tudo para que a criança sobrevivesse, e podia realmente ter sobrevivido, pelo que acreditamos que vale sempre a pena lutar, especialmente se essa luta for por uma vida. O direito à vida é para nós algo inegável e ninguém tem o direito de matar outra pessoa sem a sua autorização, excepto nos casos de doença em fase terminal irreversível. Ora, será que o “Bebé Houle” preferiria viver ou morrer? Para quê acabar com vida, se a nossa existência e o nosso instinto nos remetem para a protecção desta? É certo que se o “Bebé Houle” sobrevivesse, não iria ter uma vida fácil, dado a sua situação, mas quem somos nós para dizer que ele não seria feliz? Apesar do sofrimento pelo qual ia passar, apesar do sofrimento pelo qual os seus familiares iam passar, apesar dos encargos económicos que uma criança assim poderia trazer, será que isso não valeria um sorriso? Um agradecimento por estar vivo? Será que seria possível afirmar de forma categórica quem, apesar de todas as dificuldades e de todo o sofrimento, não seria feliz? Nós presumimos que valeria a pena, porque nada é mais importante que a vida.

Como referimos, a nossa existência e o nosso instinto remetem-nos para a protecção da nossa vida, e podemos constatar isto através do nosso corpo que está estruturado para lutar pela sua sobrevivência, como nos mostra um dos exemplos de J. Gay-Williams. Diz ele: “quando somos invadidos por bactérias, produzem-se anticorpos para lutar contra o organismo estranho e os seus restos são varridos do corpo por células concebidas para o trabalho de limpeza” (J. Gay-Williams, 1997: p. 32). Mas não estamos apenas fisicamente preparados para lutar pela sobrevivência, também estamos preparados psicologicamente, possuímos um instinto de sobrevivência, por exemplo, se estamos atravessar a estrada e vem um carro na nossa direcção, a nossa reacção é imediata e corremos para fora do alcance do carro. Portanto, atentar contra a vida é atentar contra todos os ideais que estão na base da nossa origem, e como afirma Gay-Williams, “trata-se, literalmente, de agir contra a natureza, porque todos os processos naturais estão virados para o fim da sobrevivência corporal” (J. Gay-Williams, 1997: p. 32).

Um bom argumento que poderia eventualmente pôr em causa este direito e sentido da vida que referimos, é o facto de um bebé não ser um ser autoconsciente. Alguns autores defendem que o que difere no homem relativamente às outras espécies são características como a racionalidade, a autonomia e a autoconsciência. Segundo Peter Singer, os bebés não possuem estas características, “os bebés são seres sencientes que não são nem racionais nem autoconscientes.” (Peter Singer, 2002: p. 202-3). Portanto, segundo esta perspectiva, um bebé ainda não é pessoa, e assim sendo, não tem um direito tão forte à vida como uma pessoa. Apesar de concordarmos com o facto de um bebé não poder ser considerado uma pessoa, visto não ser autoconsciente nem racional, achamos que isso não justifica a sua morte. Porque a partir do momento em que nasce, é um ser humano e, apesar de não ter consciência disso, tem uma vida pela frente que ninguém tem o direito de tirar.

Não podemos deixar de mencionar o facto das regras morais pelas quais as sociedades ocidentais se regem e a influência dos princípios da religião católica têm sobre estas regras morais. Todos nós temos a consciência de que matar seres humanos é errado, apesar das razões que nos levam a este juízo não serem as mesmas. Matar seres humanos é errado. Ninguém tem o direito de terminar com a vida de outro ser humano e todos nós temos direito à vida, pelo que quando alguém vai contra este nosso direito está a ir contra a nossa liberdade para viver. Ninguém tem o direito de violar liberdade dos outros, tal como nos diz a máxima vulgarizada “a minha liberdade acaba quando começa a liberdade do outro”. Há também quem defenda que matar é errado na medida em que diminui a quantidade de bem no mundo. A posição da religião face ao juízo “matar seres humanos é errado”, é crucial e muitos opositores à eutanásia, justificam a sua posição com ideais católicos. No texto de Gerald D. Coleman acerca do Suícidio Assistido, são enunciadas as directrizes publicadas na Conferência Nacional de Bispos Católicos dos Estados Unidos em 1984, onde se diz que “a vida deve ser “celebrada” como uma dádiva de Deus amantíssimo e que a vida de cada pessoa humana deverá ser respeitada porque toda a vida é feita à imagem e semelhança de Deus” (Gerald D. Coleman, 1997: p. 36). Matar seres humanos é errado, porque se foi Deus que nos deu a dádiva da vida, apenas Ele a pode tirar. Assim, as normas morais e religiosas que referimos, são mais uma razão para a nossa tomada de posição relativamente à decisão do Juiz do Tribunal.

O texto que nos relata o caso do “Bebé Houle” justifica a decisão dos pais, com as complicações e deformidades que o bebé possuía, o que nos leva a colocar a seguinte questão: será que se o bebé não possuisse qualquer tipo de deformação, e apenas sofresse de fístula traqueo-esofágica, que facilmente poderia ser corrigida mediante cirurgia, os pais teriam autorizado a operação? Segundo Peter Singer, é mais louvável matar um bebé deficiente que um bebé normal, na medida em que existem situações em que o nascimento de uma criança deficiente é uma ameaça à felicidade dos pais e de quaisquer outros filhos que possam ter (P. Singer, 2002: p.203). Achamos que esta razão não é válida, e discordamos de Singer quando defende que a morte de uma criança deficiente pode levar ao nascimento de outra criança com melhores perspectivas de uma vida feliz (Peter Singer, 2002: p. 206). Primeiro, porque não vemos em que situação será possível a morte de um filho, provocar mais sofrimento do que a vida deste. Na maioria das situações, um filho é a maior dádiva que uns pais podem ter e para muitos é também o que dá sentido às suas vidas. Portanto, que tipo de ser humano poderia preferir um filho morto a um filho vivo? Em segundo lugar, se o nascimento de uma criança deficiente é uma ameaça ao desejo dos pais para quererem ter um outro filho, o que será o nascimento de uma criança deficiente seguido da sua morte? Na nossa opinião, é muito mais traumatizante a morte de um filho deficiente, do que a existência deste, na medida em que a morte proporciona muito mais sofrimento, do que uma vida, mesmo quando esta não obedece aos critérios de uma vida “normal”. Peter Singer, remete-nos para uma conclusão errada, visto que não podermos afirmar que a vida de uma pessoa deficiente vale menos ser vivida do que a vida de pessoas que não são deficientes. Apesar de todas as dificuldades que uma pessoa assim tem de enfrentar, ninguém poderá dizer que uma pessoa não deficiente é mais feliz do que uma pessoa deficiente. Muitas vezes, o facto de termos de lutar e ultrapassar dificuldades, faz-nos dar mais valor à nossa vida e dá-nos mais vontade para desfrutar desta ao máximo, ou seja, para fazer o possível por atingir a felicidade.

Como é do conhecimento geral, a eutanásia é proibida na maior parte dos países. Portanto, além da decisão do juiz ser moralmente justificável, pelas razões que referimos anteriormente, a decisão é também legalmente justificada. Gostaríamos, por isso, de referir as consequências da legalização da eutanásia, como mais um motivo para apoiarmos a decisão do Juiz. A legalização da Eutanásia, como escreveu Lorbel, “seria uma arma extremamente perigosa nas mãos do estado, ou de indivíduos ignorantes e sem escrúpulos” (Peter Singer, 2002: p. 233). No seguimento do juízo de Lorbel, a eutanásia poderia conduzir a que fossem levados a cabo homicídios sem justificação lógica, como aconteceu no “programa nazi de eutanásia”, em que muitas “pessoas eram mortas por serem consideradas inúteis e um peso para a sociedade” (Philipa Foot, 2001: p. 1).

A legalização da eutanásia, poderia também, levar os médicos a não se empenharem o suficiente para salvar o paciente, para além de existirem situações em que os médicos se podem enganar quanto ao prognóstico. Assim, um médico poderia afirmar que o doente sofria duma doença incurável, ou de ter aproximadamente um mês de vida, e no entanto, isso poderia não ser verdade. “Possivelmente a legalização da eutanásia significaria, ao longo dos anos, a morte de algumas pessoas que teriam, se assim não fosse, recuperado da sua doença imediata e vivido mais alguns anos” (Peter Singer, 2002: p.216).

Gostaríamos de concluir dizendo que tomar uma posição face ao caso do “Bebé Houle” foi realmente complicado, na medida em que põe em causa uma série de crenças éticas. Após uma longa reflexão e debate acerca do que cada uma de nós defendia e acerca dos textos facultados pelo Professor, conseguimos chegar a um consenso. Esperamos ter conseguido transmitir a nossa posição, justificando-a devidamente, de forma a não surgir espaço para algum tipo de dúvida.»

Bibliografia
Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora
Coleman, Gerald D. “Suicídio Assistido: uma perspectiva ética” in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 123-132
Fletcher, Joseph, “Santidade da vida por oposição a qualidade de vida” in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 101-113
Foot, Philippa, “Euthanasia” in Olen, J.; Barry, V. (ed.s) (2001). Applying Ethics: a text with readings. Wadsworth: U.S.A., pp.240-55 (Traduzido por Vítor João Oliveira)
Gay-Williams, J. “O carácter errado da eutanásia” in Baird, Robert M.;Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 115-121
Koop, C. Everett, “O direito de morrer: os dilemas morais” in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 83-100
Rachels, James, “Eutanásia activa e passiva” in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 53-61
Rachels, James, “Mais distinções irrelevantes” in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 73-82
Richard, Brandt, “A moral principle about killing”, in S. Satris (org.) (2000). Taking Sides: Classing views on controversial Moral Issues. 7th Ed.. Connecticut: Dushkin/ McGraw Hill, pp. 298-304 (Traduzido por Vítor João Oliveira)
Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 155-169
Singer, Peter “Tirar a vida: os seres humanos” in Singer, Peter (2002). Ética Prática. Lisboa: Gradiva, pp. 195-238
Sullivan, Thomas D., “Eutanásia activa e passiva: uma distinção irrelevante?” in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 63-71
Young, Ernlé W. D. “Assistência a suicídio uma perspectiva ética” in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 133-148

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