«Ofensivo, grotesco, revoltante, repugnante e repulsivo – são estas as palavras que comummente se ouvem relativamente à possibilidade de clonar humanos. Estas reacções vêm tanto do homem e da mulher comuns como dos intelectuais, de crentes e ateístas, de humanistas e de cientistas. Mesmo o criador da Dolly disse que “consideraria ofensivo” criar um clone de um ser humano.
As pessoas são repelidas por diversos aspectos da clonagem humana. Elas reagem à perspectiva de produção em massa de clones humanos, de clones iguais em larga escala, com a sua própria individualidade comprometida; a ideia de filhos que são clones do pai ou da mãe; a perspectiva bizarra de uma mulher dar à luz uma cópia exacta de si própria, do seu marido, ou mesmo do seu falecido pai ou mãe; o grotesco de conceber uma criança para ser o substituto exacto de um outro filho que morreu; a criação utilitária de réplicas genéticas de embriões de si próprio, para congelar e para criar um clone para quando for necessário, por exemplo, para quando precisar de tecidos e órgãos compatíveis para transplante; o narcisismo dos que se clonam a si próprios e a arrogância de outros que pensam saber quem merece ser clonado ou qual deve ser o genótipo que uma criança deve receber; a arrogância frankensteiniana de criar vida e de aumentar o controlo do destino; o homem a fazer de Deus. Qualquer pessoa considera plausíveis estas razões contra a clonagem humana; qualquer pessoa é capaz de antecipar possíveis usos perversos ou abusos. Mais até, bastantes pessoas sentem-se oprimidas com a sensação de que provavelmente nada há a fazer para impedir que isto aconteça. Isso torna esta perspectiva ainda mais revoltante.
A aversão não é um argumento; e as repugnâncias de ontem são hoje aceites com serenidade – embora, deve acrescentar-se, nem sempre com os melhores resultados. Em casos cruciais, a repugnância é a expressão emocional de uma profunda sabedoria, que está para além de razões completamente articuladas. Pode alguém fornecer um argumento totalmente adequado para o horror do incesto entre pai e filha (mesmo com consentimento), ou para o sexo com animais, ou para a mutilação de cadáveres, ou para o canibalismo, ou para a violação ou o assassínio de uma pessoa? Será que o facto de alguém não ser capaz de apresentar uma justificação racional para a sua aversão a estas práticas, torna-a eticamente suspeita? De modo nenhum. Pelo contrário, desconfiamos dos que pensam poder racionalizar o nosso horror, digamos, ao tentar explicar a enormidade do incesto com argumentos fundados apenas na questão dos riscos genéticos da ocorrência de procriação.
A repugnância da clonagem humana pertence a esta categoria. Sentimos repulsa pela possibilidade de clonar seres humanos não por causa da estranheza ou da novidade do feito, mas porque intuímos e sentimos imediatamente sem necessidade de argumentos, a violação de coisas que consideramos e bem serem preciosas. A repugnância, aqui e noutro lado, revolta-nos contra os excessos do voluntarismo humano, avisa-nos para não transgredirmos aquilo que é profundamente indizível. De facto, nos tempos em que se defende que tudo é permissível desde que feito livremente, em que a natureza humana que nos foi dada já não merece respeito, em que os nossos corpos são olhados como meros instrumentos da autonomia da nossa vontade racional, a repugnância pode ser a única voz que fala para defender o núcleo da nossa humanidade. Fracas são as almas que esqueceram como vibrar.
Os bens protegidos pela repugnância são geralmente ignorados pela forma habitual de encararmos as novas tecnologias biomédicas. O modo como avaliamos eticamente a clonagem será de facto modelada pelo modo como a caracterizamos descritivamente, pelo contexto em que a colocamos, e pela perspectiva a partir da qual a consideramos. A primeira tarefa da ética é a descrição correcta. E é aqui que começa o nosso erro.
A clonagem é tipicamente discutida num ou mais de três contextos familiares, que podemos chamar de tecnológico, liberal e meliorista. De acordo com o primeiro, a clonagem será vista como uma extensão das técnicas existentes para a reprodução assistida e para determinar o código genético da criança. Tal como estas, a clonagem é olhada como uma técnica neutra, sem qualquer significado ou bondade inerente, mas sujeita a usos diversos, uns bons, outros maus. Por isso, a moralidade da clonagem depende em absoluto da bondade ou maldade dos motivos e intenções do clonadores. Como diz um bioeticista defensor da clonagem, “a ética deve ser julgada [apenas] pelo modo como os pais cuidam e educam os seus filhos e por darem ou não o mesmo amor e afecto à criança nascida através de técnicas de reprodução assistida que dariam a um filho nascido da forma usual”.
A perspectiva liberal (ou libertária ou liberacionista) coloca a questão da clonagem no contexto dos direitos, liberdades e poderes pessoais. A clonagem é apenas mais uma possibilidade para o exercício do direito individual à reprodução ou a ter um filho que se deseja. Em alternativa, a clonagem aumenta a nossa libertação (especialmente a libertação da mulher) dos confins da natureza, da vagueza do acaso, ou da necessidade do acasalamento. Com efeito, também liberta a mulher da necessidade do homem, já que o processo apenas requer óvulos, núcleos e (por enquanto) útero – mais, claro, uma dose saudável (‘alegadamente’ masculina) de manipulação científica que gosta de fazer todas essas coisas à mãe natureza e à natureza das mães. Para aqueles que defendem esta perspectiva, a única restrição moral à clonagem é o adequado consentimento informado e o evitar dano físico. Se alguém for clonado com consentimento, e se não houver dano ao clonado, então terão sido respeitadas as condições liberais para uma conduta lícita e moral. Preocupações com a violação da vontade ou a desfiguração do corpo são afastadas por serem “simbólicas” – o que é o mesmo que dizer irreais.
A perspectiva meliorista tanto acolhe os valetudinários como os eugenistas. Os últimos eram anteriormente mais contundentes nestas discussões, mas em geral não gostam de ver os seus objectivos ser alcançados por meio de palavras de ordem menos ameaçadoras da liberdade e do crescimento tecnológico.
Estas pessoas encaram a clonagem como uma nova oportunidade para melhorar o ser humano – no mínimo, por assegurar a perpetuação da saúde dos indivíduos evitando os riscos de doenças genéticas inerentes à lotaria do sexo, no máximo, por produzir “bebés óptimos”, preservando material genético extraordinário, e (com a ajuda de técnicas a data mais avançadas para uma a manipulação genética rigorosa) potenciando capacidades humanas nascidas em diversas áreas. Aqui a moralidade da clonagem como meio está justificada apenas pela excelência do fim, quer dizer, pelos traços extraordinários dos indivíduos clonados – beleza, músculo e inteligência.
Estas três perspectivas, todas tipicamente americanas e perfeitamente adequadas no seu espaço, são bastante insuficientes enquanto perspectivas sobre a procriação humana. São, no mínimo, grosseiramente atrofiantes por verem os assombrosos mistérios do nascimento, renovação, e individualidade, e o profundo significado das relações pais-filhos, fundamentalmente a partir das lentes redutoras da ciência e das suas tecnologias poderosas. De igual modo, considerar a reprodução (e a sua relação íntima com a vida familiar!) primariamente sob o ponto de vista de uma noção dos direitos político-legal, adversarial, e individualista, só pode enfraquecer o seu carácter privado embora fundamentalmente social, cooperativo, e fundado no dever de ter filhos, de os educar e da sua relação com o contrato do casamento. Procurando escapar por completo à natureza (para satisfazer um desejo natural ou um direito natural à reprodução!) é auto-contraditório em teoria e alienante na prática. Somos seres eróticos apenas porque somos seres com corpo e não meros intelectos e vontades deploravelmente aprisionadas em corpos. E embora a saúde e a forma física sejam claramente grandes bens, há algo profundamente perturbador quando olhamos para as nossas crianças potenciais como artefactos aperfeiçoados pela engenharia genética, crescentemente acrescentados deliberadamente aos nossos impostos desígnios, especificações e margens de erro tolerável.
As perspectivas técnica, liberal e meliorista, ignoram o profundo significado antropológico, social e ontológico de criar uma nova vida. É neste sentido mais apropriado e profundo que a perspectiva da clonagem acaba por ser uma violação profunda da nossa natureza de seres com corpo, com género e reprodutores - cujas relações sociais são construídas com base nesta natureza. Logo que esta perspectiva seja reorganizada, a avaliação ética da clonagem já não poderá ser reduzida a matéria de motivos e intenções, direitos e liberdades, benefícios e danos, ou até a meios e fins. Deve ser encarada primariamente como uma questão de significado: será a clonagem uma actualização da capacidade humana para a parentalidade e para a pertença? Ou, ao invés, como defendo, para a poluição e para a perversão? A resposta adequada para a poluição e para a perversão só pode ser o horror e a aversão; e conversamente, o horror e a aversão generalizados são prima facie evidências da ofensa e da violação. O ónus do argumento moral deve recair inteiramente sobre aqueles que declaram que a repugnância geral da humanidade é mero receio e superstição.
Mas a repugnância não precisa estar nua no bar da razão. A sabedoria do nosso horror relativamente à clonagem humana pode ser parcialmente articulada, mesmo que esta seja uma daquelas situações em que o coração tem razões que a razão não pode inteiramente compreender.»
As pessoas são repelidas por diversos aspectos da clonagem humana. Elas reagem à perspectiva de produção em massa de clones humanos, de clones iguais em larga escala, com a sua própria individualidade comprometida; a ideia de filhos que são clones do pai ou da mãe; a perspectiva bizarra de uma mulher dar à luz uma cópia exacta de si própria, do seu marido, ou mesmo do seu falecido pai ou mãe; o grotesco de conceber uma criança para ser o substituto exacto de um outro filho que morreu; a criação utilitária de réplicas genéticas de embriões de si próprio, para congelar e para criar um clone para quando for necessário, por exemplo, para quando precisar de tecidos e órgãos compatíveis para transplante; o narcisismo dos que se clonam a si próprios e a arrogância de outros que pensam saber quem merece ser clonado ou qual deve ser o genótipo que uma criança deve receber; a arrogância frankensteiniana de criar vida e de aumentar o controlo do destino; o homem a fazer de Deus. Qualquer pessoa considera plausíveis estas razões contra a clonagem humana; qualquer pessoa é capaz de antecipar possíveis usos perversos ou abusos. Mais até, bastantes pessoas sentem-se oprimidas com a sensação de que provavelmente nada há a fazer para impedir que isto aconteça. Isso torna esta perspectiva ainda mais revoltante.
A aversão não é um argumento; e as repugnâncias de ontem são hoje aceites com serenidade – embora, deve acrescentar-se, nem sempre com os melhores resultados. Em casos cruciais, a repugnância é a expressão emocional de uma profunda sabedoria, que está para além de razões completamente articuladas. Pode alguém fornecer um argumento totalmente adequado para o horror do incesto entre pai e filha (mesmo com consentimento), ou para o sexo com animais, ou para a mutilação de cadáveres, ou para o canibalismo, ou para a violação ou o assassínio de uma pessoa? Será que o facto de alguém não ser capaz de apresentar uma justificação racional para a sua aversão a estas práticas, torna-a eticamente suspeita? De modo nenhum. Pelo contrário, desconfiamos dos que pensam poder racionalizar o nosso horror, digamos, ao tentar explicar a enormidade do incesto com argumentos fundados apenas na questão dos riscos genéticos da ocorrência de procriação.
A repugnância da clonagem humana pertence a esta categoria. Sentimos repulsa pela possibilidade de clonar seres humanos não por causa da estranheza ou da novidade do feito, mas porque intuímos e sentimos imediatamente sem necessidade de argumentos, a violação de coisas que consideramos e bem serem preciosas. A repugnância, aqui e noutro lado, revolta-nos contra os excessos do voluntarismo humano, avisa-nos para não transgredirmos aquilo que é profundamente indizível. De facto, nos tempos em que se defende que tudo é permissível desde que feito livremente, em que a natureza humana que nos foi dada já não merece respeito, em que os nossos corpos são olhados como meros instrumentos da autonomia da nossa vontade racional, a repugnância pode ser a única voz que fala para defender o núcleo da nossa humanidade. Fracas são as almas que esqueceram como vibrar.
Os bens protegidos pela repugnância são geralmente ignorados pela forma habitual de encararmos as novas tecnologias biomédicas. O modo como avaliamos eticamente a clonagem será de facto modelada pelo modo como a caracterizamos descritivamente, pelo contexto em que a colocamos, e pela perspectiva a partir da qual a consideramos. A primeira tarefa da ética é a descrição correcta. E é aqui que começa o nosso erro.
A clonagem é tipicamente discutida num ou mais de três contextos familiares, que podemos chamar de tecnológico, liberal e meliorista. De acordo com o primeiro, a clonagem será vista como uma extensão das técnicas existentes para a reprodução assistida e para determinar o código genético da criança. Tal como estas, a clonagem é olhada como uma técnica neutra, sem qualquer significado ou bondade inerente, mas sujeita a usos diversos, uns bons, outros maus. Por isso, a moralidade da clonagem depende em absoluto da bondade ou maldade dos motivos e intenções do clonadores. Como diz um bioeticista defensor da clonagem, “a ética deve ser julgada [apenas] pelo modo como os pais cuidam e educam os seus filhos e por darem ou não o mesmo amor e afecto à criança nascida através de técnicas de reprodução assistida que dariam a um filho nascido da forma usual”.
A perspectiva liberal (ou libertária ou liberacionista) coloca a questão da clonagem no contexto dos direitos, liberdades e poderes pessoais. A clonagem é apenas mais uma possibilidade para o exercício do direito individual à reprodução ou a ter um filho que se deseja. Em alternativa, a clonagem aumenta a nossa libertação (especialmente a libertação da mulher) dos confins da natureza, da vagueza do acaso, ou da necessidade do acasalamento. Com efeito, também liberta a mulher da necessidade do homem, já que o processo apenas requer óvulos, núcleos e (por enquanto) útero – mais, claro, uma dose saudável (‘alegadamente’ masculina) de manipulação científica que gosta de fazer todas essas coisas à mãe natureza e à natureza das mães. Para aqueles que defendem esta perspectiva, a única restrição moral à clonagem é o adequado consentimento informado e o evitar dano físico. Se alguém for clonado com consentimento, e se não houver dano ao clonado, então terão sido respeitadas as condições liberais para uma conduta lícita e moral. Preocupações com a violação da vontade ou a desfiguração do corpo são afastadas por serem “simbólicas” – o que é o mesmo que dizer irreais.
A perspectiva meliorista tanto acolhe os valetudinários como os eugenistas. Os últimos eram anteriormente mais contundentes nestas discussões, mas em geral não gostam de ver os seus objectivos ser alcançados por meio de palavras de ordem menos ameaçadoras da liberdade e do crescimento tecnológico.
Estas pessoas encaram a clonagem como uma nova oportunidade para melhorar o ser humano – no mínimo, por assegurar a perpetuação da saúde dos indivíduos evitando os riscos de doenças genéticas inerentes à lotaria do sexo, no máximo, por produzir “bebés óptimos”, preservando material genético extraordinário, e (com a ajuda de técnicas a data mais avançadas para uma a manipulação genética rigorosa) potenciando capacidades humanas nascidas em diversas áreas. Aqui a moralidade da clonagem como meio está justificada apenas pela excelência do fim, quer dizer, pelos traços extraordinários dos indivíduos clonados – beleza, músculo e inteligência.
Estas três perspectivas, todas tipicamente americanas e perfeitamente adequadas no seu espaço, são bastante insuficientes enquanto perspectivas sobre a procriação humana. São, no mínimo, grosseiramente atrofiantes por verem os assombrosos mistérios do nascimento, renovação, e individualidade, e o profundo significado das relações pais-filhos, fundamentalmente a partir das lentes redutoras da ciência e das suas tecnologias poderosas. De igual modo, considerar a reprodução (e a sua relação íntima com a vida familiar!) primariamente sob o ponto de vista de uma noção dos direitos político-legal, adversarial, e individualista, só pode enfraquecer o seu carácter privado embora fundamentalmente social, cooperativo, e fundado no dever de ter filhos, de os educar e da sua relação com o contrato do casamento. Procurando escapar por completo à natureza (para satisfazer um desejo natural ou um direito natural à reprodução!) é auto-contraditório em teoria e alienante na prática. Somos seres eróticos apenas porque somos seres com corpo e não meros intelectos e vontades deploravelmente aprisionadas em corpos. E embora a saúde e a forma física sejam claramente grandes bens, há algo profundamente perturbador quando olhamos para as nossas crianças potenciais como artefactos aperfeiçoados pela engenharia genética, crescentemente acrescentados deliberadamente aos nossos impostos desígnios, especificações e margens de erro tolerável.
As perspectivas técnica, liberal e meliorista, ignoram o profundo significado antropológico, social e ontológico de criar uma nova vida. É neste sentido mais apropriado e profundo que a perspectiva da clonagem acaba por ser uma violação profunda da nossa natureza de seres com corpo, com género e reprodutores - cujas relações sociais são construídas com base nesta natureza. Logo que esta perspectiva seja reorganizada, a avaliação ética da clonagem já não poderá ser reduzida a matéria de motivos e intenções, direitos e liberdades, benefícios e danos, ou até a meios e fins. Deve ser encarada primariamente como uma questão de significado: será a clonagem uma actualização da capacidade humana para a parentalidade e para a pertença? Ou, ao invés, como defendo, para a poluição e para a perversão? A resposta adequada para a poluição e para a perversão só pode ser o horror e a aversão; e conversamente, o horror e a aversão generalizados são prima facie evidências da ofensa e da violação. O ónus do argumento moral deve recair inteiramente sobre aqueles que declaram que a repugnância geral da humanidade é mero receio e superstição.
Mas a repugnância não precisa estar nua no bar da razão. A sabedoria do nosso horror relativamente à clonagem humana pode ser parcialmente articulada, mesmo que esta seja uma daquelas situações em que o coração tem razões que a razão não pode inteiramente compreender.»
1 comentário:
Li o artigo e ao longo dele fui, sem querer, tornando-me cada vez mais distante de minha condição humana.
Gostaria imensamente de tê-lo compreendido, já que a questão da clonagem humana é uma possível realidade.
As questões éticas que se colocam tomam inúmeras direções: morais, legais, psicológicas, políticas, econômicas e sociais.
...mas a perspectiva de um outro ser igual a mim torna a vida menos interessante e mais disponível a medida que sou agora imortal...
Enviar um comentário