Estas reflexões não pretendem ser um contributo para a teologia, mas sim sugerir e assinalar uma possibilidade análoga sobre a nossa relação com os valores. Neste caso parecem existir as seguintes possibilidades. (1) Não existem quaisquer valores ou verdadeiros estados de dever (asserções que emitem juízos de valor) (e não poderão existir?), esta posição foi designada por nihilismo. (2) Os valores existem de facto; eles existem e possuem um carácter independente das nossas escolhas e atitudes. Esta ficou conhecida por realismo ou platonismo. (3) Os valores existem, mas a sua existência e carácter são ambos de certo modo dependentes de nós, das nossas escolhas, atitudes, compromissos, estruturas, ou o que for. Podemos chamar a esta perspectiva idealismo filosófico ou criacionismo. Embora estas três possibilidades tenham sido bastante discutidas em várias obras, existem outras duas que vale a pena especificar. (4) Os valores existem independentemente de nós próprios, mas de forma incipiente. Escolhemos ou determinamos (dentro de limites?) o seu carácter preciso; esculpimo-los e delineamo-los. Chamaremos a esta modo formacionismo ou romantismo. (5) Escolhemos ou determinamos que existam valores, que eles existem, mas o seu carácter é independente de nós. A este ponto de vista poderíamos chamar realizacionismo. (Variantes das posições 3 – 5 poderiam considerar que a existência ou o carácter dos valores deriva de nós e das nossas actividades, mas não depende das nossas escolhas voluntárias, antes resultam do que temos que fazer, de alguma necessidade das nossas naturezas.)
A quinta perspectiva oferece uma reconciliação entre autonomia e padrão externo (enquanto que a quarta não apresenta qualquer padrão externo ao qual devêssemos aderir ou tentar alcançar). Sendo que a existência de valor está dependente de nós, o valor e o mundo impregnado dele e iluminado com ele torna-se-nos menos estranho; porque o conteúdo do valor é independente de nós possuirmos um padrão externo para nos alinharmos em função dele e o seguirmos.
Será esta visão do valor – enquanto algo cuja existência é dependente de nós, mas cujo carácter é independente – coerente? (Deixemos de lado o facto de os pais muitas vezes verem esta descrição – existência dependente mas carácter independente – como apropriada à condição dos seus filhos.) Uma corrente dentro da filosofia da matemática defende que nós criamos ou construímos entidades matemáticas, a progressão dos números naturais, ou seja o que for, mas os factos relacionados com estas entidades criadas, a relação entre eles e assim por diante, existem independentemente de nós. Criamos entidades matemáticas e depois descobrimos as verdades que sobre elas se sustentam se forma independente. De forma semelhante, Karl Popper defendeu que existe um universo criado pelo homem (“o terceiro mundo”) constituído por entidades abstractas, problemas intelectuais e fóruns de discussão actuais, a partir do qual as verdades se sustentam autonomamente, independentes de nós. Os problemas que resultam da tentativa de fornecer uma interpretação realista na área da mecânica quântica não produziram uma arena activa de perspectivas sobre acontecimentos ou estados cuja existência é dependente de nós (ou no que respeita a comportamentos de observação) mas cujo carácter é independente de nós. Durante o século XX apareceram outras áreas de conhecimento que deram relevo à resposta a um determinado assunto: em psicanálise, o critério de validação de uma teoria é a aceitação do analisado (irrevogável, subjectivo) (enquadrar-se-á isto melhor na quarta possibilidade?); é comum dizer-se em literatura que as reacções e leituras do leitor (ou do crítico) dão vida à obra, mesmo se a obra for sobre o próprio processo de leitura; também se pensa que a pintura moderna seja de igual modo reflexiva. A minha questão não é a de que o mesmo tipo de abordagem deve ser considerada verdadeira em cada uma das áreas, na matemática, na física, nas artes, ou até que de facto comporta verdade em cada uma delas; todavia, o facto da última abordagem (realizacionismo) ter sido proposta de forma séria em tantas áreas é razão para acreditar que, pelo menos, é uma abordagem coerente, e por isso mesmo uma possível forma de estruturar a teoria do valor.
O declínio da abordagem realista do valor, que teve a sua base e apoio institucional de maior importância ao nível da igreja, esteve em grande evidência nas diagnoses do período moderno. A terceira, quarta e quinta possibilidades, concebendo-se o romantismo no seu âmbito lacto, representam uma resposta intelectual: manter a viabilidade de algum tipo de valores. Porém, estas posições não se materializaram em instituições influentes de grande alcance. (Continuam a existir realistas que desacreditam o que vêem como um afastamento da verdade.) Uma segunda resposta ao declínio do realismo, apresentada por aqueles que não compreendem como é que o vazio daí resultante poderia ser preenchido pela nossa própria actividade (criativa), foi (tal como em Kafka, Beckett, e os existencialistas) uma certa ansiedade, uma consciência de perda, mas também a recusa de serem transportados de um estado de angústia para um de contentamento (ilusório). Algumas vezes os que defendem esta posição fazem da sua angústia autêntica uma virtude para que isso constitua o derradeiro valor a existir, contudo esta tentação de cairmos em aspectos do romantismo não se oporá ao escrutínio. Uma terceira abordagem, geralmente descrita como um efeito posterior ao declínio do realismo mais do que uma resposta a ele, defende que não existem verdades válidas, apenas preferências pessoais, esta perspectiva não considera que alguma coisa esteja em falta ou ausente, não vê razão para angústias. É a que prevalece e domina entre o grupo de cientistas sociais; a sua base cultural é o resultado das ciências naturais (desprovidas de valor) e as capacidades de uma civilização tecnológica e industrial. A tecnologia é um meio (instrumento) “neutro”. Embora teoricamente a ascensão do que Max Weber designou por objectivo de racionalidade deixe lugar para que os valores possam ser inseridos como fins em direcção aos quais se tem como objectivo definir os meios, tais valores não têm objectivos práticos – desejos arbitrários são suficientes. Ao contrário do gato chestshire em “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carroll, que tem a capacidade de desaparecer deixando apenas o sorriso, este desaparecimento de valores nem mesmo a sua ausência (notável) deixou para trás.*
Os proponentes desta última posição podem apenas seguir os seus “meros” desejos; não podem acreditar que devem agir daquela maneira, ou que é melhor agir de determinada maneira. De modo semelhante, acreditam ser verdade que não existem valores objectivos, mas não (escolhem) acreditam no que é verdadeiro porque devem ou porque é melhor – simplesmente o preferem, ou fazem-no como uma forma de satisfazer as suas preferências. Algumas frases feitas terão diferentes interpretações consoante o ponto de vista em que são analisadas. Para o criador de valores, “faz o que gostas de fazer”, significa encontrar satisfação pessoal na actividade valorável de exprimirmos a nossa própria individualidade e também construir uma combinação singular de valores, enquanto que para aquele que propõe esta última perspectiva isso significa que não há razão alguma para não fazermos exactamente o que nos dá prazer, uma vez que não existem valores alguns.»
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* A listagem das cinco possibilidades sobre o modo como nos relacionamos com o valor, bem como as respostas subsequentes ao declínio do realismo, rejeita um caminho de influência intelectual frequentemente tomado: a idealização de uma classificação segundo três tipos de carácter, através dos quais as pessoas podiam indagar sobre a qual das classificações eles ou os seus companheiros podiam pertencer, de acordo com a qual os seus amigos se podiam categorizar, de acordo com a qual podiam perceber as diferentes interacções sociais, e jogar jogos de salão. Deste modo temos a classificação Freudiana do oral, anal e genital; a de Sheldon que apresenta as categorias de mesomórfico, endomórfico e ectomórfico; aquela que é direccionada para o próprio, a direccionada para o outro e a autónoma de Riesman, Glazer e Denny, a A Consciência I,II e III do Reich. As classificações em dicotomias (como introvertido, extrovertido) têm menor interesse, enquanto que as quadráticas são aparentemente muito complicadas para que as pessoas se lembrem delas, é por isso que não existe nenhuma sagrada Quadriologia.
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