«2. Concepção vaga?
(a) A cidadania mundial é uma concepção vaga e incoerente; degrada a concepção corrente de cidadania e é redundante relativamente à expressão adequada de uma ética global.
(b) A cidadania mundial não é uma concepção vaga, mas potencialmente rica e dinâmica; dada a aceitação de uma ética global, é preferível a adopção da categoria de cidadão mundial à sua rejeição.
A favor de (a): A extensão a ideia de “cidadania” para além dos termos afins de comunidade política e de comunidade moral em que tal pertença ocorre, esvazia-a do seu significado real. Este é um argumento que se baseia em parte na natureza política especial da cidadania (como defende Miller) e em parte na ideia mais geral de que ganhamos a nossa identidade particular de comunidades morais (como MacIntyre e outros comunitaristas defendem). Assim, MacIntyre vê os cidadãos mundiais como “desenraizados” e defende que ao tornarem-se cidadãos de todo o lado acabam por se tornar cidadãos de lugar nenhum (Cfr. Almond, 1990). Na mesma linha, Cooper vê os académicos que se preocupam com o ambiente como alguém que viaja em jactos pelo planeta ao mesmo tempo que discorre eloquentemente sobre o ambiente global acabando por perder de vista o ambiente como um campo de significado (Cooper, 1992). Por isso não somos realmente cidadãos globais, uma vez que a cidadania está restringida à pertença a uma comunidade política, e qualquer tentativa para usar a noção neste sentido amplo será, na melhor das hipóteses, metafórica, e, na pior, enganadora. Se, de um ponto de vista pragmático, deve servir para fortalecer a motivação, então pode haver alguma justificação para um uso incorrecto ou enganador da noção. Mas não é este o caso. A dimensão da resposta que os cidadãos dão aos seus deveres globais é função daquilo que as teorias éticas que eles aceitam e do modo de ser da cultura moral geral que os rodeia, mas não é função particular desta noção específica.
A favor de (b): De um ponto de vista político, há diversas formas segundo as quais as instituições através das quais podemos agir podem ser estendidas para além do estado-nação. De um ponto de vista ético, não nos tornamos desenraizados a não ser que rejeitemos os nossos outros níveis de identidade e comunidade. Tal rejeição não é exigida pela aceitação de uma cidadania mundial. De modo análogo, ninguém supõe que uma criança seja cidadão mundial antes de ser membro da sua família ou então que desista desta pertença quando aceita ser cidadão! Os estados modernos já são demasiado grandes para que a maioria dos indivíduos se sinta bastante identificado com ele, mas a sua ligação mostra-se através do modo como se envolve nas pequenas organizações e nas comunidades de pertença (frequentemente de carácter local). O que é significativo é que os interesses e preocupações destes grupos são globais no carácter. Podemos adaptar o adágio “pense globalmente, aja localmente” para que passe a significar “planeie globalmente, aja localmente”.
A ideia de ser um cidadão global permitirá, se aceite, reforçar a motivação de alguns agentes e persuadir outros de forma mais eficaz, uma vez que não afirma apenas os deveres envolvidos, mas descreve-nos como membros de uma comunidade global. Em qualquer caso, qualquer resposta ética adequada aos problemas do planeta deve implicar a acção de diversas instituições já que estas corporificam adequadamente a cidadania global. Se de facto somos cidadãos globais, quer dizer, se estamos a agir no interior de uma comunidade global, então a verdade exige que reconheçamos esta dimensão das nossas vidas.
Comentário crítico: Embora os cépticos estejam errados em supor que a categoria da cidadania mundial possa não ser psicologicamente dinâmica (tanto política como eticamente), estão certos em reconhecer o perigo de que uma concepção puramente ética de cidadania global seja inadequada; deve dar-se atenção à criação das condições correctas da identidade, motivação e ao sentimento de estar enraizado em comunidades relevantes, que não precisam estar situadas em áreas geográficas concretas. Um exemplo de uma comunidade de pertença não localizada seria um grupo virtual de interesses.
Um dos temas chave deste problema relaciona-se com a natureza e carácter da ética global aceite. As teorias morais que exigem uma acção abrangente num nível global podem conduzir ao reconhecimento da eficácia do discurso da cidadania global, ainda que os argumentos inicias não se comecem aí. Por exemplo, a ética radical do sacrifício de Peter Singer com vista a erradicar a pobreza, é afirmada e defendida sem referência a uma cidadania mundial. (“Se pudermos impedir que um mal aconteça, sem sacrificarmos algo de importância moral comparável, devemos fazê-lo” (Peter Singer, 1979: cap. 8)) Para além de que a compreensão das nossas responsabilidades para com os membros de uma comunidade moral global ajudaria à aceitação de um princípio da acção concertada. Ainda assim, tem que reconhecer-se que embora o discurso da cidadania mundial possa ser necessário, depende da aceitação de uma ética global robusta (embora não tão exigente como os princípios de Singer), ao que se seguirá seguramente que todos e cada um que aceitem que uma tal ética tenha que usar ou aceitar uma tal categoria. É que há formas diversas de motivar as pessoas.»
(a) A cidadania mundial é uma concepção vaga e incoerente; degrada a concepção corrente de cidadania e é redundante relativamente à expressão adequada de uma ética global.
(b) A cidadania mundial não é uma concepção vaga, mas potencialmente rica e dinâmica; dada a aceitação de uma ética global, é preferível a adopção da categoria de cidadão mundial à sua rejeição.
A favor de (a): A extensão a ideia de “cidadania” para além dos termos afins de comunidade política e de comunidade moral em que tal pertença ocorre, esvazia-a do seu significado real. Este é um argumento que se baseia em parte na natureza política especial da cidadania (como defende Miller) e em parte na ideia mais geral de que ganhamos a nossa identidade particular de comunidades morais (como MacIntyre e outros comunitaristas defendem). Assim, MacIntyre vê os cidadãos mundiais como “desenraizados” e defende que ao tornarem-se cidadãos de todo o lado acabam por se tornar cidadãos de lugar nenhum (Cfr. Almond, 1990). Na mesma linha, Cooper vê os académicos que se preocupam com o ambiente como alguém que viaja em jactos pelo planeta ao mesmo tempo que discorre eloquentemente sobre o ambiente global acabando por perder de vista o ambiente como um campo de significado (Cooper, 1992). Por isso não somos realmente cidadãos globais, uma vez que a cidadania está restringida à pertença a uma comunidade política, e qualquer tentativa para usar a noção neste sentido amplo será, na melhor das hipóteses, metafórica, e, na pior, enganadora. Se, de um ponto de vista pragmático, deve servir para fortalecer a motivação, então pode haver alguma justificação para um uso incorrecto ou enganador da noção. Mas não é este o caso. A dimensão da resposta que os cidadãos dão aos seus deveres globais é função daquilo que as teorias éticas que eles aceitam e do modo de ser da cultura moral geral que os rodeia, mas não é função particular desta noção específica.
A favor de (b): De um ponto de vista político, há diversas formas segundo as quais as instituições através das quais podemos agir podem ser estendidas para além do estado-nação. De um ponto de vista ético, não nos tornamos desenraizados a não ser que rejeitemos os nossos outros níveis de identidade e comunidade. Tal rejeição não é exigida pela aceitação de uma cidadania mundial. De modo análogo, ninguém supõe que uma criança seja cidadão mundial antes de ser membro da sua família ou então que desista desta pertença quando aceita ser cidadão! Os estados modernos já são demasiado grandes para que a maioria dos indivíduos se sinta bastante identificado com ele, mas a sua ligação mostra-se através do modo como se envolve nas pequenas organizações e nas comunidades de pertença (frequentemente de carácter local). O que é significativo é que os interesses e preocupações destes grupos são globais no carácter. Podemos adaptar o adágio “pense globalmente, aja localmente” para que passe a significar “planeie globalmente, aja localmente”.
A ideia de ser um cidadão global permitirá, se aceite, reforçar a motivação de alguns agentes e persuadir outros de forma mais eficaz, uma vez que não afirma apenas os deveres envolvidos, mas descreve-nos como membros de uma comunidade global. Em qualquer caso, qualquer resposta ética adequada aos problemas do planeta deve implicar a acção de diversas instituições já que estas corporificam adequadamente a cidadania global. Se de facto somos cidadãos globais, quer dizer, se estamos a agir no interior de uma comunidade global, então a verdade exige que reconheçamos esta dimensão das nossas vidas.
Comentário crítico: Embora os cépticos estejam errados em supor que a categoria da cidadania mundial possa não ser psicologicamente dinâmica (tanto política como eticamente), estão certos em reconhecer o perigo de que uma concepção puramente ética de cidadania global seja inadequada; deve dar-se atenção à criação das condições correctas da identidade, motivação e ao sentimento de estar enraizado em comunidades relevantes, que não precisam estar situadas em áreas geográficas concretas. Um exemplo de uma comunidade de pertença não localizada seria um grupo virtual de interesses.
Um dos temas chave deste problema relaciona-se com a natureza e carácter da ética global aceite. As teorias morais que exigem uma acção abrangente num nível global podem conduzir ao reconhecimento da eficácia do discurso da cidadania global, ainda que os argumentos inicias não se comecem aí. Por exemplo, a ética radical do sacrifício de Peter Singer com vista a erradicar a pobreza, é afirmada e defendida sem referência a uma cidadania mundial. (“Se pudermos impedir que um mal aconteça, sem sacrificarmos algo de importância moral comparável, devemos fazê-lo” (Peter Singer, 1979: cap. 8)) Para além de que a compreensão das nossas responsabilidades para com os membros de uma comunidade moral global ajudaria à aceitação de um princípio da acção concertada. Ainda assim, tem que reconhecer-se que embora o discurso da cidadania mundial possa ser necessário, depende da aceitação de uma ética global robusta (embora não tão exigente como os princípios de Singer), ao que se seguirá seguramente que todos e cada um que aceitem que uma tal ética tenha que usar ou aceitar uma tal categoria. É que há formas diversas de motivar as pessoas.»
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