«Acredito ser possível apresentar um princípio bastante útil para distinguir casos de clonagem legítimos de ilegítimos. Depois de analisar diferentes tipos de casos, apresentarei este princípio como orientador das leis e políticas institucionais.
A minha esperança é que esta orientação venha a ser recebida pela maioria dos oponentes da clonagem como um compromisso bem-vindo porque regulará os casos mais repugnantes ao mesmo tempo que permitirá alguns mais apelativos. Não temos que aceitar a tese de Leon R. Kass segundo a qual “a única trincheira segura ao longo do declive ardiloso… é insistir na inviolável distinção entre clonagem animal e humana”.
[…] Se uma pessoa se clonar a si própria, o clone será efectivamente um gémeo idêntico mais novo. Muitos dos opositores da clonagem sentem repulsa pela possibilidade dos filhos virem a ser criados e educados por irmãos e não pelos verdadeiros pais genéticos. O bioeticista James Nelson imagina os clones à procura dos seus pais genéticos e a reclamarem uma relação pai-filho apesar da educação da criança ser mais o resultado da acção dos seus irmãos mais velhos e não dos seus pais que até poderiam nem sequer ter mais filhos. Será bastante injusto colocar os pais genéticos nesta situação. E seria horrível para a criança clonada procurar os pais e não ser por eles bem-vinda.
Ao longo de linhas similares, Leon R. Kass vai referindo como a clonagem perturbará os papéis e os deveres tradicionais:
“No caso da auto-clonagem, a “descendência” é, antes do mais, um gémeo de si próprio; pelo que o resultado pavoroso do incesto – ser pai de um dos irmãos – é aqui deliberado, embora sem o acto do coito. Mais ainda, todas as outras relações serão confundidas. O que significará pai, avô, tia, primo e irmã? Quem transportará esses laços e obrigações? Que identidade social manterá com um dos lados – do “pai” ou da “mãe” – necessariamente excluídos? Não é resposta dizer que a nossa sociedade, com os seus elevados índices de divórcios, segundos casamentos, adopções, filhos fora do casamento, e tudo o mais, já confunde a linhagem, as relações de parentesco e as responsabilidades para com os filhos (e outros), a não ser que queríamos discutir que isto é, do ponto de vista dos filhos, uma estado de coisas preferível.”
Kass também expressa o medo que a reprodução assexuada dê lugar a um aumento do número de pais solteiros a educar os seus clones. Kass queixa-se que:
“no caso da clonagem só há um “progenitor”. A situação habitual e triste das crianças com “um só pai” é aqui deliberadamente planeada e de forma vingativa… reprodução assexuada, que produz um filho de um só pai, representa um corte radical com a forma humana natural.”
Há também a preocupação com a possibilidade do clone passar a ser responsabilidade de um irmão mais velho ao qual faltará a devoção para com o bem-estar da criança que habitualmente os pais têm. Em virtude daqueles que se clonarem a si próprios virem a ser geneticamente idênticos aos seus irmãos mais novos, será um erro pensar que isto significará que eles se preocuparão com os clones da mesma forma que se preocupam com os seus filhos. Os irmãos não foram historicamente moldados pela mesma pressão evolutiva dos seus pais, pelo que não possuem a preocupação e a afeição uns pelos outros que os seus pais inerentemente possuíam relativamente a eles.
Com um pouco de imaginação, o leitor pode acrescentar uma lista de cenários desagradáveis da clonagem. […] Mencionarei quatro tipos de cenários em que a clonagem é uma opção apelativa. A primeira, que considero a mais constringente do conjunto, envolve casais que se tornaram “inférteis enquanto casais” por causa da menopausa ou por alguma razão anormal, e que perdem o seu filho único – ou talvez todos os seus filhos. Não só é extremamente perturbador para os pais enterrar os seus filhos, como é doloroso assistir ao fim da linhagem da família. Imagino que o número de pais que perdem todos os seus filhos antes do nascimento de um neto não seja insignificante. E claro que em tempos de epidemia, este número aumentará de forma lamentável. E mesmo que em circunstâncias normais os números não sejam elevados, o sofrimento dos poucos que vivem estas situações garante uma resposta societária compreensiva. Contudo, se estes pais inférteis fossem autorizados a clonar o filho que perderam, isso diminuiria o seu sofrimento. E se a criança ainda não tivesse atingido a maioridade, nem sequer seria necessário o seu consentimento. Mas se a criança falecida tivesse atingido a maioridade, então deveria obter-se o seu consentimento através de um processo semelhante ao da doação de órgãos. Em todas as situações em que não fosse possível obter a posição da criança sobre a possibilidade dos seus pais a virem a clonar depois da morte, a posição de princípio poderia ser a de que os seus pais poderem escolher clonar o seu filho morto. De qualquer forma, os detalhes não são agora necessários.
Mais improvável que a morte prematura de um filho único, mas ainda assim constringente, seria o caso de uma criança doente que precisa de um transplante de medula-óssea. Assumirei apenas que o leitor não pensará ser errado os pais conceberem um outro filho através da procriação sexual normal para salvar o filho doente, desde que viessem a amar e a cuidar do novo filho. Agora suponha que os pais eram inférteis devido a idade avançada ou a um qualquer tipo de anormalidade, de tal forma que, na ausência de um qualquer doador disponível, a clonagem do filho doente seria o único recurso disponível. E mesmo que o casal fosse fértil, as hipóteses de compatibilidade entre os tecidos genéticos tornaria a clonagem na opção preferível.
A clonagem também surge como uma solução compreensível para o terceiro cenário. Este envolve pais que muito provavelmente passarão para os seus filhos uma doença fatal ou debilitante. Imagine que antes de tomarem consciência disto, concebem um filho que felizmente ganha a lotaria genética, batendo todas as probabilidades ao nascer saudável. Uma outra possibilidade é a probabilidade de passarem uma doença como a hemofilia ao filho homem e que por isso desejem clonar a sua filha única. Será que esta família deveria ser condenada a conformar-se com uma família tipo da China comunista só com um filho? Isto dificilmente será justo. A maioria dos americanos deseja, sente até que tem direito a pelo menos dois filhos. A clonagem permitiria que a família condenada por genes indesejáveis tentasse atingir um tamanho familiar aceitável.
Há um quarto cenário, que é basicamente a combinação do primeiro e do terceiro. Este envolveria um casal que, após ter tido um filho, perde a capacidade de produzir óvulos e espermatozóides viáveis, mas que continua a desejar aumentar a família. Permitir que clonassem o seu filho único tornaria possível ter um novo filho geneticamente aparentado – o que não sucederia no caso da doação de gâmetas ou da adopção.»
A minha esperança é que esta orientação venha a ser recebida pela maioria dos oponentes da clonagem como um compromisso bem-vindo porque regulará os casos mais repugnantes ao mesmo tempo que permitirá alguns mais apelativos. Não temos que aceitar a tese de Leon R. Kass segundo a qual “a única trincheira segura ao longo do declive ardiloso… é insistir na inviolável distinção entre clonagem animal e humana”.
[…] Se uma pessoa se clonar a si própria, o clone será efectivamente um gémeo idêntico mais novo. Muitos dos opositores da clonagem sentem repulsa pela possibilidade dos filhos virem a ser criados e educados por irmãos e não pelos verdadeiros pais genéticos. O bioeticista James Nelson imagina os clones à procura dos seus pais genéticos e a reclamarem uma relação pai-filho apesar da educação da criança ser mais o resultado da acção dos seus irmãos mais velhos e não dos seus pais que até poderiam nem sequer ter mais filhos. Será bastante injusto colocar os pais genéticos nesta situação. E seria horrível para a criança clonada procurar os pais e não ser por eles bem-vinda.
Ao longo de linhas similares, Leon R. Kass vai referindo como a clonagem perturbará os papéis e os deveres tradicionais:
“No caso da auto-clonagem, a “descendência” é, antes do mais, um gémeo de si próprio; pelo que o resultado pavoroso do incesto – ser pai de um dos irmãos – é aqui deliberado, embora sem o acto do coito. Mais ainda, todas as outras relações serão confundidas. O que significará pai, avô, tia, primo e irmã? Quem transportará esses laços e obrigações? Que identidade social manterá com um dos lados – do “pai” ou da “mãe” – necessariamente excluídos? Não é resposta dizer que a nossa sociedade, com os seus elevados índices de divórcios, segundos casamentos, adopções, filhos fora do casamento, e tudo o mais, já confunde a linhagem, as relações de parentesco e as responsabilidades para com os filhos (e outros), a não ser que queríamos discutir que isto é, do ponto de vista dos filhos, uma estado de coisas preferível.”
Kass também expressa o medo que a reprodução assexuada dê lugar a um aumento do número de pais solteiros a educar os seus clones. Kass queixa-se que:
“no caso da clonagem só há um “progenitor”. A situação habitual e triste das crianças com “um só pai” é aqui deliberadamente planeada e de forma vingativa… reprodução assexuada, que produz um filho de um só pai, representa um corte radical com a forma humana natural.”
Há também a preocupação com a possibilidade do clone passar a ser responsabilidade de um irmão mais velho ao qual faltará a devoção para com o bem-estar da criança que habitualmente os pais têm. Em virtude daqueles que se clonarem a si próprios virem a ser geneticamente idênticos aos seus irmãos mais novos, será um erro pensar que isto significará que eles se preocuparão com os clones da mesma forma que se preocupam com os seus filhos. Os irmãos não foram historicamente moldados pela mesma pressão evolutiva dos seus pais, pelo que não possuem a preocupação e a afeição uns pelos outros que os seus pais inerentemente possuíam relativamente a eles.
Com um pouco de imaginação, o leitor pode acrescentar uma lista de cenários desagradáveis da clonagem. […] Mencionarei quatro tipos de cenários em que a clonagem é uma opção apelativa. A primeira, que considero a mais constringente do conjunto, envolve casais que se tornaram “inférteis enquanto casais” por causa da menopausa ou por alguma razão anormal, e que perdem o seu filho único – ou talvez todos os seus filhos. Não só é extremamente perturbador para os pais enterrar os seus filhos, como é doloroso assistir ao fim da linhagem da família. Imagino que o número de pais que perdem todos os seus filhos antes do nascimento de um neto não seja insignificante. E claro que em tempos de epidemia, este número aumentará de forma lamentável. E mesmo que em circunstâncias normais os números não sejam elevados, o sofrimento dos poucos que vivem estas situações garante uma resposta societária compreensiva. Contudo, se estes pais inférteis fossem autorizados a clonar o filho que perderam, isso diminuiria o seu sofrimento. E se a criança ainda não tivesse atingido a maioridade, nem sequer seria necessário o seu consentimento. Mas se a criança falecida tivesse atingido a maioridade, então deveria obter-se o seu consentimento através de um processo semelhante ao da doação de órgãos. Em todas as situações em que não fosse possível obter a posição da criança sobre a possibilidade dos seus pais a virem a clonar depois da morte, a posição de princípio poderia ser a de que os seus pais poderem escolher clonar o seu filho morto. De qualquer forma, os detalhes não são agora necessários.
Mais improvável que a morte prematura de um filho único, mas ainda assim constringente, seria o caso de uma criança doente que precisa de um transplante de medula-óssea. Assumirei apenas que o leitor não pensará ser errado os pais conceberem um outro filho através da procriação sexual normal para salvar o filho doente, desde que viessem a amar e a cuidar do novo filho. Agora suponha que os pais eram inférteis devido a idade avançada ou a um qualquer tipo de anormalidade, de tal forma que, na ausência de um qualquer doador disponível, a clonagem do filho doente seria o único recurso disponível. E mesmo que o casal fosse fértil, as hipóteses de compatibilidade entre os tecidos genéticos tornaria a clonagem na opção preferível.
A clonagem também surge como uma solução compreensível para o terceiro cenário. Este envolve pais que muito provavelmente passarão para os seus filhos uma doença fatal ou debilitante. Imagine que antes de tomarem consciência disto, concebem um filho que felizmente ganha a lotaria genética, batendo todas as probabilidades ao nascer saudável. Uma outra possibilidade é a probabilidade de passarem uma doença como a hemofilia ao filho homem e que por isso desejem clonar a sua filha única. Será que esta família deveria ser condenada a conformar-se com uma família tipo da China comunista só com um filho? Isto dificilmente será justo. A maioria dos americanos deseja, sente até que tem direito a pelo menos dois filhos. A clonagem permitiria que a família condenada por genes indesejáveis tentasse atingir um tamanho familiar aceitável.
Há um quarto cenário, que é basicamente a combinação do primeiro e do terceiro. Este envolveria um casal que, após ter tido um filho, perde a capacidade de produzir óvulos e espermatozóides viáveis, mas que continua a desejar aumentar a família. Permitir que clonassem o seu filho único tornaria possível ter um novo filho geneticamente aparentado – o que não sucederia no caso da doação de gâmetas ou da adopção.»
Sem comentários:
Enviar um comentário