«Para fundamentar a ética de forma credível, é necessário que a estrutura que a põe em evidência seja inevitável, bem como algo do qual não escolhêssemos fugir, mesmo que pudéssemos. Uma das coisas à qual não desejaríamos escapar com certeza é a de sermos um eu. Se o processo de nos estruturarmos como eus implicasse a ética, então esta estaria profundamente enraizada e fundamentada. (Fitche faz uma tentativa para discernir esta teoria em Systems of Ethics.) Deste modo, as verdades éticas só poderiam ser evitadas caso não constituíssem uma entidade; uma pessoa egoísta teria a capacidade de evitar as verdades éticas simplesmente desistindo da coisa cujos interesses ele pretende evidenciar como supremos, o si mesmo. (É de notar que se trata da existência de verdades e não de motivação.)
Se o que acarreta ética é o sermos um eu, estruturando-nos a nós mesmos como seres reflexivos, então isso poderia explicar por que razão a ética nos circunscreve à primeira pessoa. Uma restrição ética secundária diz-me que não é suposto eu ter um comportamento qualquer, é suposto, sim, que o acto seja minimizado mesmo que ele resulte da minha participação nele. Se o que explica ou fundamenta a ética é o facto de nos estruturarmos enquanto entidades, isso poderia explicar o facto de o “eu” e o “meu” figurarem como termos de referência dentro dos princípios morais fundamentais. Numa área mais limitada, um termo de referência pode ser utilizado sem estar sujeito a uma forma restrita lateral. Entre uma restrição lateral e uma perspectiva impessoal com potencial direccionada para a consecução de objectivos encontra-se uma perspectiva de referência maximizada (ou minimizada): Dê menos importância ao facto de eu ter tido o comportamento A. Se o facto de eu o ter feito desta vez evitar que o faça de futuro (evitando a necessidade de o fazer ou evitando sucumbir à tentação de o fazer), então a atribuição de menor importância a esse facto iria permitir a sua realização enquanto que uma perspectiva que impõe restrições não o permitiria, mesmo tendo conhecimento que dessa forma eu acabaria por violar essa restrição mais tarde ou de forma mais frequente. (Esta perspectiva de referência minimizada deve ser explorada de forma mais aprofundada e completa.) A ética não só nos diz como tratar seres que reflectem de forma consciente, nem só é dirigida a tais seres, dando indicações sobre como se devem comportar; a ética é, nesta perspectiva de estruturação de Kant, baseada na consciência reflectiva. Deste modo, não é surpreendente que os princípios éticos contenham obrigatoriamente termos de referência reflexivos, quer no âmbito das restrições quer no âmbito de princípios, que me induzem a reduzir a importância do meu comportamento A. A referência reflexiva é o sinal indicador da existência de ética.
Esta abordagem de estruturação segundo Kant não teria qualquer hipótese de sucesso se o eu fosse uma entidade primitiva, uma raiz metafísica sem quaisquer componentes ou partes, e não o resultado de um processo de estruturação, unificação e organização. Devem existir “partes móveis” suficientes numa interacção complexa para que a ética possa emergir desse processo. No primeiro capítulo vimos que o eu não é uma raiz, que o eu estrutura e sintetiza a si mesmo para maximizar o nível de unidade orgânica que se encontra à volta da produção intencional de auto-reflexão sobre a evidência. Nem as fronteiras do eu, nem as dimensões ao longo das quais ele se projecta, têm origem na metafísica; elas aparecem e são seleccionadas no processo de auto-síntese.
Passaremos agora a apresentar áreas onde a ética pode ter origem quando se dá o processo de estruturação do eu – as partes móveis que fazem parte do ser eu.
1. Capacidade reflexiva. A consciência reflexiva é um fenómeno mal entendido, e talvez valores e deveres entrem no microfilme da própria consciência reflexiva. (Será a consciência de si mesmo uma experiência de valor ela própria?) Atendendo à nossa capacidade de reflexão, referência “que vem de dentro”, a referência diz respeito a algo que tem uma característica que é atribuída pelo acto de referência, e diz respeito a ela como tendo uma característica atribuída desse modo (através da utilização de um sentido que envolve isto). Poderia haver maior grau de resposta a uma característica, maior maneira de moldar uma acção aos contornos de uma característica?
2. O modo como uma consciência reflexiva traça as suas fronteiras. (a) O eu poderia definir os seus limites simplesmente como o “lugar de valor que contém esta mesma consciência reflexiva”; as suas fronteiras seriam determinadas por um declive de valores. (b) Valor ou dever poderiam entrar em dimensões com as quais o eu se identifica. (c) Dever e valor poderiam ser incluídos no critério onde essa fronteira é estabelecida, por exemplo, no critério que traça as fronteiras do eu por forma a maximizar o seu grau de unidade orgânica. (d) Valor e dever poderiam entrar no critério através do qual o eu determina a sua própria unidade, face a todos os casos problemáticos sobre a identidade pessoal envolvendo laços, separações, entre outros.
3. O processo através do qual uma consciência reflexiva se reconhece a ela própria como tal, como algo que possui uma visão subjectiva do mundo.
4. O processo através do qual uma consciência reflexiva reconhece que existem outras consciências reflexivas no mundo; o processo através do qual, na terceira pessoa, estrutura uma outra visão de si mesmo como incluindo a sua própria primeira pessoa reflexiva.
A questão da existência de outros modos mentais de estruturar o mundo tem sido um problema difícil para os epistemólogos: partindo do princípio que apenas temos os movimentos corporais e os sons produzidos por uma pessoa, como poderemos ter a certeza que ali de facto existe uma outra pessoa com a sua própria subjectividade, uma vez que não temos experiência directa dessa subjectividade? Se qualquer premissa ética ou de valor entrasse no passo que é dado da evidência de comportamento para outra mente, então estaria claro porque devemos tratar os outros indivíduos de certa maneira. Nesta base, esta mesma condição de dever (ou outra que dela seja consequência) entraria no nosso reconhecimento (justificado) do outro como um indivíduo com marcas de personalidade próprias. É verdade que devemos tratar os outros de certa maneira, porque esse dever decorre do nosso reconhecimento dos outros como indivíduos.* Há que notar a diferença entre um dever que tem lugar numa quarta fase, e a fase anterior. Se ocorrer numa fase anterior, então a estruturação do eu (do nosso próprio eu) conduz ao seguinte raciocínio: Se existisse um outro eu, deveria ser tratado de certa maneira. Se o dever aparece pela primeira vez na quarta fase, então estruturar uma outra pessoa como sendo um eu leva-nos a pensar: trata-o de certa forma.
A característica que utiliza a força ética é o “ser-se um eu que busca o valor”, sendo que até aqui lidámos com a estruturação feita por “um eu”. Seria bem melhor se a mesma característica estivesse relacionada com ambos os fins; porém, introduzir um “ser-se aquele que busca o valor” num fim de estruturação poderia interferir com a condição de que essa estruturação se devia basear em algo tão profundo que ninguém escolheria existir sem ele. (Por outro lado, poderia esta simetria reduzir o modo como uma estruturação que Kant faz da ética depende da pessoa que estrutura? Se a característica C que leva a cabo essa estruturação também interfere com a de outras C que existem no mundo a qual exerce a força motora, e as de outros C também operam a mesma estruturação, então mesmo sem a consciência de si, teria lugar uma estruturação que conduzisse à ética?)»
Se o que acarreta ética é o sermos um eu, estruturando-nos a nós mesmos como seres reflexivos, então isso poderia explicar por que razão a ética nos circunscreve à primeira pessoa. Uma restrição ética secundária diz-me que não é suposto eu ter um comportamento qualquer, é suposto, sim, que o acto seja minimizado mesmo que ele resulte da minha participação nele. Se o que explica ou fundamenta a ética é o facto de nos estruturarmos enquanto entidades, isso poderia explicar o facto de o “eu” e o “meu” figurarem como termos de referência dentro dos princípios morais fundamentais. Numa área mais limitada, um termo de referência pode ser utilizado sem estar sujeito a uma forma restrita lateral. Entre uma restrição lateral e uma perspectiva impessoal com potencial direccionada para a consecução de objectivos encontra-se uma perspectiva de referência maximizada (ou minimizada): Dê menos importância ao facto de eu ter tido o comportamento A. Se o facto de eu o ter feito desta vez evitar que o faça de futuro (evitando a necessidade de o fazer ou evitando sucumbir à tentação de o fazer), então a atribuição de menor importância a esse facto iria permitir a sua realização enquanto que uma perspectiva que impõe restrições não o permitiria, mesmo tendo conhecimento que dessa forma eu acabaria por violar essa restrição mais tarde ou de forma mais frequente. (Esta perspectiva de referência minimizada deve ser explorada de forma mais aprofundada e completa.) A ética não só nos diz como tratar seres que reflectem de forma consciente, nem só é dirigida a tais seres, dando indicações sobre como se devem comportar; a ética é, nesta perspectiva de estruturação de Kant, baseada na consciência reflectiva. Deste modo, não é surpreendente que os princípios éticos contenham obrigatoriamente termos de referência reflexivos, quer no âmbito das restrições quer no âmbito de princípios, que me induzem a reduzir a importância do meu comportamento A. A referência reflexiva é o sinal indicador da existência de ética.
Esta abordagem de estruturação segundo Kant não teria qualquer hipótese de sucesso se o eu fosse uma entidade primitiva, uma raiz metafísica sem quaisquer componentes ou partes, e não o resultado de um processo de estruturação, unificação e organização. Devem existir “partes móveis” suficientes numa interacção complexa para que a ética possa emergir desse processo. No primeiro capítulo vimos que o eu não é uma raiz, que o eu estrutura e sintetiza a si mesmo para maximizar o nível de unidade orgânica que se encontra à volta da produção intencional de auto-reflexão sobre a evidência. Nem as fronteiras do eu, nem as dimensões ao longo das quais ele se projecta, têm origem na metafísica; elas aparecem e são seleccionadas no processo de auto-síntese.
Passaremos agora a apresentar áreas onde a ética pode ter origem quando se dá o processo de estruturação do eu – as partes móveis que fazem parte do ser eu.
1. Capacidade reflexiva. A consciência reflexiva é um fenómeno mal entendido, e talvez valores e deveres entrem no microfilme da própria consciência reflexiva. (Será a consciência de si mesmo uma experiência de valor ela própria?) Atendendo à nossa capacidade de reflexão, referência “que vem de dentro”, a referência diz respeito a algo que tem uma característica que é atribuída pelo acto de referência, e diz respeito a ela como tendo uma característica atribuída desse modo (através da utilização de um sentido que envolve isto). Poderia haver maior grau de resposta a uma característica, maior maneira de moldar uma acção aos contornos de uma característica?
2. O modo como uma consciência reflexiva traça as suas fronteiras. (a) O eu poderia definir os seus limites simplesmente como o “lugar de valor que contém esta mesma consciência reflexiva”; as suas fronteiras seriam determinadas por um declive de valores. (b) Valor ou dever poderiam entrar em dimensões com as quais o eu se identifica. (c) Dever e valor poderiam ser incluídos no critério onde essa fronteira é estabelecida, por exemplo, no critério que traça as fronteiras do eu por forma a maximizar o seu grau de unidade orgânica. (d) Valor e dever poderiam entrar no critério através do qual o eu determina a sua própria unidade, face a todos os casos problemáticos sobre a identidade pessoal envolvendo laços, separações, entre outros.
3. O processo através do qual uma consciência reflexiva se reconhece a ela própria como tal, como algo que possui uma visão subjectiva do mundo.
4. O processo através do qual uma consciência reflexiva reconhece que existem outras consciências reflexivas no mundo; o processo através do qual, na terceira pessoa, estrutura uma outra visão de si mesmo como incluindo a sua própria primeira pessoa reflexiva.
A questão da existência de outros modos mentais de estruturar o mundo tem sido um problema difícil para os epistemólogos: partindo do princípio que apenas temos os movimentos corporais e os sons produzidos por uma pessoa, como poderemos ter a certeza que ali de facto existe uma outra pessoa com a sua própria subjectividade, uma vez que não temos experiência directa dessa subjectividade? Se qualquer premissa ética ou de valor entrasse no passo que é dado da evidência de comportamento para outra mente, então estaria claro porque devemos tratar os outros indivíduos de certa maneira. Nesta base, esta mesma condição de dever (ou outra que dela seja consequência) entraria no nosso reconhecimento (justificado) do outro como um indivíduo com marcas de personalidade próprias. É verdade que devemos tratar os outros de certa maneira, porque esse dever decorre do nosso reconhecimento dos outros como indivíduos.* Há que notar a diferença entre um dever que tem lugar numa quarta fase, e a fase anterior. Se ocorrer numa fase anterior, então a estruturação do eu (do nosso próprio eu) conduz ao seguinte raciocínio: Se existisse um outro eu, deveria ser tratado de certa maneira. Se o dever aparece pela primeira vez na quarta fase, então estruturar uma outra pessoa como sendo um eu leva-nos a pensar: trata-o de certa forma.
A característica que utiliza a força ética é o “ser-se um eu que busca o valor”, sendo que até aqui lidámos com a estruturação feita por “um eu”. Seria bem melhor se a mesma característica estivesse relacionada com ambos os fins; porém, introduzir um “ser-se aquele que busca o valor” num fim de estruturação poderia interferir com a condição de que essa estruturação se devia basear em algo tão profundo que ninguém escolheria existir sem ele. (Por outro lado, poderia esta simetria reduzir o modo como uma estruturação que Kant faz da ética depende da pessoa que estrutura? Se a característica C que leva a cabo essa estruturação também interfere com a de outras C que existem no mundo a qual exerce a força motora, e as de outros C também operam a mesma estruturação, então mesmo sem a consciência de si, teria lugar uma estruturação que conduzisse à ética?)»
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* A premissa de valor não precisa de estar relacionada especificamente com os indivíduos; por exemplo, poderia constituir o comando que perspectiva e estrutura o mundo para conseguir maior valor. Uma vez que a relação mente-corpo teria mais valor do que apenas corpos que encetam comportamentos, atribuiríamos mentes a corpos receptivos; contudo isto não conduziria ao panpsiquismo, uma vez que ao atribuir capacidades mentais e sentimentos a objectos que ostensivamente não possuem estas características não resultaria numa “psicologia” directamente relacionada com o seu comportamento. Consultar The Claim of Reason (Oxford University Press, 1979), Part IV, de Stanley Cavell, para obter uma outra perspectiva sobre como o problema das outras mentes e a ética podem estar intimamente relacionados.
A classificação do mundo de acordo com o princípio da unidade orgânica pode estar relacionada com o valor de duas formas: valor é um dos estádios da unidade orgânica, e classificamo-la para que maximize o valor; classificamos para maximizar a unidade orgânica e sendo isto, o télos da nossa actividade, é especificado como valorável. Tal perspectiva poderia ainda afirmar que o objectivo da razão teórica é tal classificação unificadora, encontrando, entre outros, ligações e elos dedutivos, enquanto que a razão prática procura agir de acordo com razões, e ter motivos que liguem os seus comportamentos a factos; assim a unidade orgânica é aquela à qual a razão (seja de que tipo for) aspira, através do seu télos. (Comparar com Kant em Critique of Judgement.)
Parece plausível pensar que ao classificarmos o mundo, e delineando-o para que maximize a sua unidade orgânica, isso demarca entidades ao longo do tempo de acordo com o esquema continuador mais próximo; e que este esquema permite uma diversidade mais vasta a ser firmemente unificada de forma racional.
* A premissa de valor não precisa de estar relacionada especificamente com os indivíduos; por exemplo, poderia constituir o comando que perspectiva e estrutura o mundo para conseguir maior valor. Uma vez que a relação mente-corpo teria mais valor do que apenas corpos que encetam comportamentos, atribuiríamos mentes a corpos receptivos; contudo isto não conduziria ao panpsiquismo, uma vez que ao atribuir capacidades mentais e sentimentos a objectos que ostensivamente não possuem estas características não resultaria numa “psicologia” directamente relacionada com o seu comportamento. Consultar The Claim of Reason (Oxford University Press, 1979), Part IV, de Stanley Cavell, para obter uma outra perspectiva sobre como o problema das outras mentes e a ética podem estar intimamente relacionados.
A classificação do mundo de acordo com o princípio da unidade orgânica pode estar relacionada com o valor de duas formas: valor é um dos estádios da unidade orgânica, e classificamo-la para que maximize o valor; classificamos para maximizar a unidade orgânica e sendo isto, o télos da nossa actividade, é especificado como valorável. Tal perspectiva poderia ainda afirmar que o objectivo da razão teórica é tal classificação unificadora, encontrando, entre outros, ligações e elos dedutivos, enquanto que a razão prática procura agir de acordo com razões, e ter motivos que liguem os seus comportamentos a factos; assim a unidade orgânica é aquela à qual a razão (seja de que tipo for) aspira, através do seu télos. (Comparar com Kant em Critique of Judgement.)
Parece plausível pensar que ao classificarmos o mundo, e delineando-o para que maximize a sua unidade orgânica, isso demarca entidades ao longo do tempo de acordo com o esquema continuador mais próximo; e que este esquema permite uma diversidade mais vasta a ser firmemente unificada de forma racional.
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