«III. Clonagem e Engenharia
As mais impressionantes possibilidades que os geneticistas estão actualmente a explorar dariam aos cientistas e aos médicos o poder de escolher quais seres humanos existirão. Esse poder foi conquistado há muito tempo, de maneira ampla e desajeitada, quando se descobriu que permitir o acasalamento de certas pessoas, e não de outras, teria consequências nos filhos que produziriam. A eugenia, que tinha o apoio de George Bernard Shaw e Oliver Wendell Holmes, bem como de Adolf Hitler, fundamentava-se nessa descoberta simples. Mas a ciência genética agora acena com a possibilidade, pelo menos na forma de fantasia inteligível, de criar determinados seres humanos projectados, um por um, segundo uma planta minuciosa, ou de alterar os seres humanos existentes, ainda enquanto fetos ou mais tarde, para criar pessoas com as propriedades genéticas escolhidas.
Até a fantasia contida nisso, quando a tecnologia foi descrita pela primeira vez, foi recebida com choque e indignação, e esse choque cristalizou-se quando os cientistas clonaram na Escócia uma ovelha adulta, e outros cientistas e jornalistas especularam que a técnica poderia ser usada para clonar seres humanos. Comissões nomeadas às pressas pe- los governos e pelos órgãos internacionais denunciaram a ideia imediatamente. O presidente Clinton decretou que não se poderiam empregar verbas federais para financiar a pesquisa da clonagem humana, e o Senado dos Estados Unidos considerou proibir, por meio de leis totaamente abrangentes e impacientes, toda e qualquer pesquisa nesse sentido. A possibilidade da engenharia , genética total - que promete alterar a composição genética do zigoto para produzir uma bateria de propensões físicas, mentais e emocionais desejadas - também despertou grande temor e repulsa, e qualquer êxito na engenharia de mamíferos, comparáveis à criação da ovelha Dolly, sem dúvida provocaria uma reacção oficial semelhante. (Nesta discussão, usarei com frequência a palavra "engenharia" abrangendo tanto a alteração genética total quanto a clonagem humana, esta sendo tratada como caso especial daquela. Obviamente, engenharia e cIo nagem são técnicas distintas, mas muitas das questões sociais e morais que geram são idênticas.)
A retórica do Parlamento Europeu não difere da reacção que as perspectivas da engenharia genética produziram. Na sua "resolução acerca da clonagem do embrião humano", esta instituição declarou a sua "firme convicção de que a clonagem de seres humanos, tanto experimental, no contexto dos tratamentos de fertilidade, diagnósticos pré-implantes, para transplante de tecidos, quanto para qualquer outra finalidade, é antia-ética, moralmente repugnante, contrária ao respeito pela pessoa e uma violação grave dos direitos humanos fundamentais, o que não pode, em hipótese alguma, ser justificado ou aceite". Como poderíamos justificar, ou mesmo explicar, essa patética reacção? Poderíamos explorar três fundamentos para uma objecção, frequentemente mencionados. Em primeiro lugar, diz-se que a pesquisa genética representa um grande perigo e, por conseguinte, há necessidade de extrema cautela. Se a clonagem humana, ou qualquer outra engenharia genética total, for possível, a sua pesquisa ou as tentativas de a concretizar podem resultar num número inaceitável de abortos ou no nascimento de um número inadmissível de crianças deformadas, por exemplo. Em segundo lugar, algumas pessoas resistem à pesquisa em engenharia genética com base na justiça social. A clonagem, caso esteja disponível, será caríssima durante muito tempo e, por conseguinte, só seria acessível para os ricos que quisessem, por vaidade, clonar-se a si mesmos, aumentando as vantagens injustas da riqueza. (Oponentes horrorizados com a ideia da clonagem citaram o espectro de milhares de Rupert Murdochs ou Donald Trumps.) Em terceiro lugar, muitas das reasções hostis foram geradas por um valor estético independente e razoavelmente conhecido. A engenharia, se disponível, pode muito bem ser usada para perpetuar as astualmente desejadas características de altura, inteligência, cor e personalidade, e isso impediria que o mundo tivesse a variedade que parece essencial à novidade, à originalidade e à fascinação. Precisamos discutir cada uma dessas supostas justificativas para a proibição da pesquisa e do seu desenvolvimento, mas em minha opinião elas não explicam, juntas ou separadas, a força dogmática das reacções que descrevi.
Segurança. Não é claro até que ponto se pode confiar no precedente da Dolly para prever os prováveis resultados das experiências com a clonagem humana. Os conhecimentos técnicos provavelmente aumentarão; por outro lado, a clonagem humana pode tornar-se exponencialmente mais difícil do que a clonagem de ovelhas. Foram necessárias centenas de tentativas para produzir uma ovelha, mas, pelo que entendi, as outras perderam-se devido a abortos, e não foi produzida nenhuma ovelha deformada embora viável. Também não há muitos motivos para se pensar que a clonagem ou a engenharia produziria uma linhagem biológica de defeitos que ameaçasse gerações com uma deformidade, ou com uma deformidade que não viesse a aparecer antes de decorridas várias gerações. Todavia, de qualquer forma esses riscos não são suficientes, sozinhos, para justifiar a proibição de pesquisas futuras que poderiam aprimorar nossa opinião sobre elas, e talvez a nossa capacidade de impedir ou reduzir quaisquer ameaças que sejam de facto genuínas. É verdade que o súbito aparecimento do doutor Seed, nas manchetes ou na tela, prometendo clonar qualquer pessoa por um preço alto, foi o suficiente para aterrorizar a todos. Mas a regulamentação pode contê-lo, assim como a milhares de outros aventureiros da clonagem que certamente aparecerão, sem extinguir totalmente a pesquisa. Aém de que, se estamos a avaliar os riscos dos danos que as experiências ou os exames podem produzir, também precisamos contemplar a esperança de que a evolução e o aperfeiçoamento das técnicas da engenharia genética venham a diminuir muito o número de defeitos e deformidades com que nascem as pessoas hoje em dia ou com os quais cres- cem inexoravelmente. O balanço dos riscos pode muito bem pender para o lado favorável às experiências.»
As mais impressionantes possibilidades que os geneticistas estão actualmente a explorar dariam aos cientistas e aos médicos o poder de escolher quais seres humanos existirão. Esse poder foi conquistado há muito tempo, de maneira ampla e desajeitada, quando se descobriu que permitir o acasalamento de certas pessoas, e não de outras, teria consequências nos filhos que produziriam. A eugenia, que tinha o apoio de George Bernard Shaw e Oliver Wendell Holmes, bem como de Adolf Hitler, fundamentava-se nessa descoberta simples. Mas a ciência genética agora acena com a possibilidade, pelo menos na forma de fantasia inteligível, de criar determinados seres humanos projectados, um por um, segundo uma planta minuciosa, ou de alterar os seres humanos existentes, ainda enquanto fetos ou mais tarde, para criar pessoas com as propriedades genéticas escolhidas.
Até a fantasia contida nisso, quando a tecnologia foi descrita pela primeira vez, foi recebida com choque e indignação, e esse choque cristalizou-se quando os cientistas clonaram na Escócia uma ovelha adulta, e outros cientistas e jornalistas especularam que a técnica poderia ser usada para clonar seres humanos. Comissões nomeadas às pressas pe- los governos e pelos órgãos internacionais denunciaram a ideia imediatamente. O presidente Clinton decretou que não se poderiam empregar verbas federais para financiar a pesquisa da clonagem humana, e o Senado dos Estados Unidos considerou proibir, por meio de leis totaamente abrangentes e impacientes, toda e qualquer pesquisa nesse sentido. A possibilidade da engenharia , genética total - que promete alterar a composição genética do zigoto para produzir uma bateria de propensões físicas, mentais e emocionais desejadas - também despertou grande temor e repulsa, e qualquer êxito na engenharia de mamíferos, comparáveis à criação da ovelha Dolly, sem dúvida provocaria uma reacção oficial semelhante. (Nesta discussão, usarei com frequência a palavra "engenharia" abrangendo tanto a alteração genética total quanto a clonagem humana, esta sendo tratada como caso especial daquela. Obviamente, engenharia e cIo nagem são técnicas distintas, mas muitas das questões sociais e morais que geram são idênticas.)
A retórica do Parlamento Europeu não difere da reacção que as perspectivas da engenharia genética produziram. Na sua "resolução acerca da clonagem do embrião humano", esta instituição declarou a sua "firme convicção de que a clonagem de seres humanos, tanto experimental, no contexto dos tratamentos de fertilidade, diagnósticos pré-implantes, para transplante de tecidos, quanto para qualquer outra finalidade, é antia-ética, moralmente repugnante, contrária ao respeito pela pessoa e uma violação grave dos direitos humanos fundamentais, o que não pode, em hipótese alguma, ser justificado ou aceite". Como poderíamos justificar, ou mesmo explicar, essa patética reacção? Poderíamos explorar três fundamentos para uma objecção, frequentemente mencionados. Em primeiro lugar, diz-se que a pesquisa genética representa um grande perigo e, por conseguinte, há necessidade de extrema cautela. Se a clonagem humana, ou qualquer outra engenharia genética total, for possível, a sua pesquisa ou as tentativas de a concretizar podem resultar num número inaceitável de abortos ou no nascimento de um número inadmissível de crianças deformadas, por exemplo. Em segundo lugar, algumas pessoas resistem à pesquisa em engenharia genética com base na justiça social. A clonagem, caso esteja disponível, será caríssima durante muito tempo e, por conseguinte, só seria acessível para os ricos que quisessem, por vaidade, clonar-se a si mesmos, aumentando as vantagens injustas da riqueza. (Oponentes horrorizados com a ideia da clonagem citaram o espectro de milhares de Rupert Murdochs ou Donald Trumps.) Em terceiro lugar, muitas das reasções hostis foram geradas por um valor estético independente e razoavelmente conhecido. A engenharia, se disponível, pode muito bem ser usada para perpetuar as astualmente desejadas características de altura, inteligência, cor e personalidade, e isso impediria que o mundo tivesse a variedade que parece essencial à novidade, à originalidade e à fascinação. Precisamos discutir cada uma dessas supostas justificativas para a proibição da pesquisa e do seu desenvolvimento, mas em minha opinião elas não explicam, juntas ou separadas, a força dogmática das reacções que descrevi.
Segurança. Não é claro até que ponto se pode confiar no precedente da Dolly para prever os prováveis resultados das experiências com a clonagem humana. Os conhecimentos técnicos provavelmente aumentarão; por outro lado, a clonagem humana pode tornar-se exponencialmente mais difícil do que a clonagem de ovelhas. Foram necessárias centenas de tentativas para produzir uma ovelha, mas, pelo que entendi, as outras perderam-se devido a abortos, e não foi produzida nenhuma ovelha deformada embora viável. Também não há muitos motivos para se pensar que a clonagem ou a engenharia produziria uma linhagem biológica de defeitos que ameaçasse gerações com uma deformidade, ou com uma deformidade que não viesse a aparecer antes de decorridas várias gerações. Todavia, de qualquer forma esses riscos não são suficientes, sozinhos, para justifiar a proibição de pesquisas futuras que poderiam aprimorar nossa opinião sobre elas, e talvez a nossa capacidade de impedir ou reduzir quaisquer ameaças que sejam de facto genuínas. É verdade que o súbito aparecimento do doutor Seed, nas manchetes ou na tela, prometendo clonar qualquer pessoa por um preço alto, foi o suficiente para aterrorizar a todos. Mas a regulamentação pode contê-lo, assim como a milhares de outros aventureiros da clonagem que certamente aparecerão, sem extinguir totalmente a pesquisa. Aém de que, se estamos a avaliar os riscos dos danos que as experiências ou os exames podem produzir, também precisamos contemplar a esperança de que a evolução e o aperfeiçoamento das técnicas da engenharia genética venham a diminuir muito o número de defeitos e deformidades com que nascem as pessoas hoje em dia ou com os quais cres- cem inexoravelmente. O balanço dos riscos pode muito bem pender para o lado favorável às experiências.»
Sem comentários:
Enviar um comentário