«Vimos como alguns princípios morais discutidos por alguns filósofos foram vistos como pressupostos; na secção anterior, vimos como os princípios de resposta aos valores e à realidade se podem pressupor. Porém, mesmo que possamos exibir tais pressuposições no caso de princípios profundos que consideramos aceitáveis, por exemplo, um princípio de resposta a valores ou à realidade, não me parece que deste modo possamos chegar a uma explicação adequada sobre o universo das verdades morais. Uma vez que existem princípios éticos que se podem pressupor e são alternativos e até mesmo conflituosos, tais como PD e IRS, isso será um facto contingente do qual dependemos no universo. Poderá, então, existir um princípio que se pressuponha como rejeição da realidade, e deste modo estaríamos a segui-lo ao desrespeitá-lo? Todavia, usando ingenuidade suficiente podemos criar um outro princípio de pressuposição adequado como uma alternativa a qualquer tipo de reacção. Para ter a certeza, haveria uma explicação pela qual aquele princípio, que de facto existe no nosso universo, contém, nomeadamente, a explicação do que permite a pressuposição. Porém embora exista no nosso universo, e não apenas como um facto bruto, se a sua única base é a pressuposição, então não necessita pertencer a outro universo possível. (Se um princípio que pode ser pressuposto permanece em vez de outro, apenas pelo facto de que possui a virtude da permanência, este facto constituiria outro motivo análogo de reflexão.)
Não me parece que, apesar de tudo, desta forma a moralidade seja contingente. Poderia existir um universo destinado à procura de valores do eu, contudo não existiriam condições ou pressões morais sobre como devessem ser tratados, ao passo que existiriam condições sobre como outra coisa qualquer (dissociada deles) deveria ser tratada. Não poderia existir um universo no qual pudesse ser possível matar ou torturar pessoas sem qualquer razão de peso. As verdades morais não existem apenas para serem adoptadas no universo. Elas permanecem no universo – qualquer universo que possua a procura de valores do eu. Deste modo elas são muito mais verdades necessárias do que contingentes. No entanto a explicação pressuposta de verdades éticas fundamentais, uma vez retirada a sua qualidade de facto bruto, não elimina o facto de elas serem contingentes; nesta linha de pensamento, outras verdades poderiam permanecer no seu lugar. (Lembremo-nos das questões relacionadas com a posição teológica que defende que as verdades éticas são escolhidas e criadas por Deus, sendo que no caso de Deus ter escolhido de modo diferente, o que poderia ter acontecido, então poderiam resultar verdades éticas diferentes e até mesmo opostas.)
A Estruturação de Kant
Se princípios morais fundamentais podem eventualmente não ser contingentes, o que poderia ser a base dessa não contingência? Infelizmente não possuímos uma compreensão adequada de outras necessidades aparentes que não se devem somente ao significado dos conceitos envolvidos, especialmente nos casos da matemática (teoria de números e combinações) e da lógica. (Além disso, desde o trabalho de W.V. Quine, perdemos confiança nas explicações, pensando-se anteriormente serem livres de questões problemáticas, de necessidades criadas apenas por relações de significado analíticas.) Embora não seja possível traçar considerações sobre uma teoria da necessidade, reconhecida como sendo adequada em qualquer lado, poderemos confortar-nos com a ideia de que o estatuto das verdades éticas, geralmente mal interpretado, poderia resultar como não sendo pior do que o das verdades matemáticas.
A questão de Kant na obra Critique of Pure Reason consistia no seguinte: como são possíveis as verdades sintéticas a priori (de geometria e aritmética, “qualquer acontecimento tem uma causa”, e assim por diante)? A observação pode apenas dizer-nos que algo é o caso, não que deve ser o caso; mais se acrescenta, as afirmações não são verdades verbais que devem permanecer atendendo ao que os conceitos que a constituem significam. A explicação de Kant, se quisermos ser directos, é a de que estruturamos o mundo para que as asserções que fazemos sejam verdadeiras. Estruturamos o mundo ao desenvolvermos experiências com ele, ou então fá-lo a nossa estrutura cognitiva; qualquer mundo que pudéssemos experimentar transportaria consigo indícios desse processo de estruturação. (Comparemos esta situação com aquela em que os mapas resultam de um processo de projecção usado.) Assim, todos os mundos (dos quais temos conhecimento experimental) devem evidenciar características indicadoras, para que as asserções que representam estas características não só sejam verdadeiras mas também devam ser verdadeiras.*
Não é nossa prioridade avaliar aqui se Kant está correcto no argumento que apresenta na sua primeira Critique, se de facto existem aquelas verdades sintéticas a que se referia, ou se a explicação que Kant oferece de facto as fundamenta. O que nos importa é se uma teoria deste tipo, que podemos designar por estruturação de Kant, poderia servir de fundamentação para as verdades de teor ético. Poderiam as verdades éticas permanecer como resultado ou efeito secundário de um qualquer processo no que respeita ao modo como organizamos o mundo de forma cognitiva, ou à relação que estabelecemos entre nós próprios e o mundo? Poderiam as verdades éticas possuir um estatuto semelhante à que Kant atribui a verdades de síntese necessárias na sua primeira Critique? Não pretendo declarar que a própria teoria ética de Kant pertence a este tipo, ao desenvolver o género de programa que apresenta nessa obra. Contudo, seria surpreendente não existir qualquer forma de interpretação esclarecedora sobre o que escreveu acerca de ética, delineando uma estruturação pessoal.
Como resultado deste programa obteríamos verdades éticas objectivas ou subjectivas? Nenhuma das qualificações seria adequada ao seu estatuto; uma vez que as verdades não teriam validade independente de tudo o resto sobre nós, também não dependeriam de nada pessoal, nada como uma preferência que variaria de pessoa para pessoa. As verdades da ética seriam tão sólidas como Kant julgava que as verdades de Euclídes sobre geometria e as de Newton subjacentes à mecânica o eram – e este é de facto um estatuto sólido. Esta análise também serviria de argumento para a ideia de que, na nossa opinião, há algo mais subjectivo em ética do que em outras verdades (objectivas) – isto no caso de uma explicação de estruturação das verdades tal como Kant previu ser construída para a ética e não para outras verdades (ao contrário da análise de Kant na sua primeira Critique).»
Não me parece que, apesar de tudo, desta forma a moralidade seja contingente. Poderia existir um universo destinado à procura de valores do eu, contudo não existiriam condições ou pressões morais sobre como devessem ser tratados, ao passo que existiriam condições sobre como outra coisa qualquer (dissociada deles) deveria ser tratada. Não poderia existir um universo no qual pudesse ser possível matar ou torturar pessoas sem qualquer razão de peso. As verdades morais não existem apenas para serem adoptadas no universo. Elas permanecem no universo – qualquer universo que possua a procura de valores do eu. Deste modo elas são muito mais verdades necessárias do que contingentes. No entanto a explicação pressuposta de verdades éticas fundamentais, uma vez retirada a sua qualidade de facto bruto, não elimina o facto de elas serem contingentes; nesta linha de pensamento, outras verdades poderiam permanecer no seu lugar. (Lembremo-nos das questões relacionadas com a posição teológica que defende que as verdades éticas são escolhidas e criadas por Deus, sendo que no caso de Deus ter escolhido de modo diferente, o que poderia ter acontecido, então poderiam resultar verdades éticas diferentes e até mesmo opostas.)
A Estruturação de Kant
Se princípios morais fundamentais podem eventualmente não ser contingentes, o que poderia ser a base dessa não contingência? Infelizmente não possuímos uma compreensão adequada de outras necessidades aparentes que não se devem somente ao significado dos conceitos envolvidos, especialmente nos casos da matemática (teoria de números e combinações) e da lógica. (Além disso, desde o trabalho de W.V. Quine, perdemos confiança nas explicações, pensando-se anteriormente serem livres de questões problemáticas, de necessidades criadas apenas por relações de significado analíticas.) Embora não seja possível traçar considerações sobre uma teoria da necessidade, reconhecida como sendo adequada em qualquer lado, poderemos confortar-nos com a ideia de que o estatuto das verdades éticas, geralmente mal interpretado, poderia resultar como não sendo pior do que o das verdades matemáticas.
A questão de Kant na obra Critique of Pure Reason consistia no seguinte: como são possíveis as verdades sintéticas a priori (de geometria e aritmética, “qualquer acontecimento tem uma causa”, e assim por diante)? A observação pode apenas dizer-nos que algo é o caso, não que deve ser o caso; mais se acrescenta, as afirmações não são verdades verbais que devem permanecer atendendo ao que os conceitos que a constituem significam. A explicação de Kant, se quisermos ser directos, é a de que estruturamos o mundo para que as asserções que fazemos sejam verdadeiras. Estruturamos o mundo ao desenvolvermos experiências com ele, ou então fá-lo a nossa estrutura cognitiva; qualquer mundo que pudéssemos experimentar transportaria consigo indícios desse processo de estruturação. (Comparemos esta situação com aquela em que os mapas resultam de um processo de projecção usado.) Assim, todos os mundos (dos quais temos conhecimento experimental) devem evidenciar características indicadoras, para que as asserções que representam estas características não só sejam verdadeiras mas também devam ser verdadeiras.*
Não é nossa prioridade avaliar aqui se Kant está correcto no argumento que apresenta na sua primeira Critique, se de facto existem aquelas verdades sintéticas a que se referia, ou se a explicação que Kant oferece de facto as fundamenta. O que nos importa é se uma teoria deste tipo, que podemos designar por estruturação de Kant, poderia servir de fundamentação para as verdades de teor ético. Poderiam as verdades éticas permanecer como resultado ou efeito secundário de um qualquer processo no que respeita ao modo como organizamos o mundo de forma cognitiva, ou à relação que estabelecemos entre nós próprios e o mundo? Poderiam as verdades éticas possuir um estatuto semelhante à que Kant atribui a verdades de síntese necessárias na sua primeira Critique? Não pretendo declarar que a própria teoria ética de Kant pertence a este tipo, ao desenvolver o género de programa que apresenta nessa obra. Contudo, seria surpreendente não existir qualquer forma de interpretação esclarecedora sobre o que escreveu acerca de ética, delineando uma estruturação pessoal.
Como resultado deste programa obteríamos verdades éticas objectivas ou subjectivas? Nenhuma das qualificações seria adequada ao seu estatuto; uma vez que as verdades não teriam validade independente de tudo o resto sobre nós, também não dependeriam de nada pessoal, nada como uma preferência que variaria de pessoa para pessoa. As verdades da ética seriam tão sólidas como Kant julgava que as verdades de Euclídes sobre geometria e as de Newton subjacentes à mecânica o eram – e este é de facto um estatuto sólido. Esta análise também serviria de argumento para a ideia de que, na nossa opinião, há algo mais subjectivo em ética do que em outras verdades (objectivas) – isto no caso de uma explicação de estruturação das verdades tal como Kant previu ser construída para a ética e não para outras verdades (ao contrário da análise de Kant na sua primeira Critique).»
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* Não devemos menosprezar formulações imperfeitas presentes nas posições filosóficas, até mesmo aquela mais rudimentar sobre Kant e os óculos de sol. Estes pontos de vista aparecem no pensamento criativo dos seus autores não totalmente elaboradas, mas como ideias intuitivas que parecem ser prometedoras e oferecer algum tipo de discernimento. A elaboração de pormenores e qualificações serve para mostrar que (ou provar se) a ideia intuitiva pode levar a cabo a tarefa para a qual foi criada. Porém, o apelo da posição resultante como grande parte da sua influência posterior na filosofia, bem como grande parte da sua influência cultural em áreas fora da filosofia, dever-se-ão a essas ideias intuitivas mais simples – o ponto fulcral dessa perspectiva. Uma perspectiva esclarecedora e superficial da história da filosofia poderia ser escrita (ou ensinada), apresentando as questões filosóficas com que um filósofo se depara e as ideias intuitivas, à medida que lhe ocorrem, e que ele aceitou esclarecer por forma a evitar estas questões. De preferência, tal história – opondo-se à raiz do pensamento histórico actual – iluminaria as profundezas subjacentes à aparência de tais elaborações.
Não pretendo diminuir a importância da criação ou do conhecimento de tais elaborações. Só desse modo podemos pensar que uma ideia pode ter uma função específica. (E que, também, por detrás de muitas elaborações há um conjunto de ideias intuitivas que é necessário ter em conta.) Cada parte é importante – ideia intuitiva e desenvolvimento elaborado – mas cada uma não é mais do que apenas uma parte.
* Não devemos menosprezar formulações imperfeitas presentes nas posições filosóficas, até mesmo aquela mais rudimentar sobre Kant e os óculos de sol. Estes pontos de vista aparecem no pensamento criativo dos seus autores não totalmente elaboradas, mas como ideias intuitivas que parecem ser prometedoras e oferecer algum tipo de discernimento. A elaboração de pormenores e qualificações serve para mostrar que (ou provar se) a ideia intuitiva pode levar a cabo a tarefa para a qual foi criada. Porém, o apelo da posição resultante como grande parte da sua influência posterior na filosofia, bem como grande parte da sua influência cultural em áreas fora da filosofia, dever-se-ão a essas ideias intuitivas mais simples – o ponto fulcral dessa perspectiva. Uma perspectiva esclarecedora e superficial da história da filosofia poderia ser escrita (ou ensinada), apresentando as questões filosóficas com que um filósofo se depara e as ideias intuitivas, à medida que lhe ocorrem, e que ele aceitou esclarecer por forma a evitar estas questões. De preferência, tal história – opondo-se à raiz do pensamento histórico actual – iluminaria as profundezas subjacentes à aparência de tais elaborações.
Não pretendo diminuir a importância da criação ou do conhecimento de tais elaborações. Só desse modo podemos pensar que uma ideia pode ter uma função específica. (E que, também, por detrás de muitas elaborações há um conjunto de ideias intuitivas que é necessário ter em conta.) Cada parte é importante – ideia intuitiva e desenvolvimento elaborado – mas cada uma não é mais do que apenas uma parte.
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