«Base ética objectiva?
(a) A cidadania mundial pressupõe uma ética objectivista tradicional e um conceito universal com normas centrais intemporais e perenes.
(b) A cidadania mundial não pressupõe uma ética objectivista tradicional mas pode ser defendida por qualquer ética com um conteúdo apropriado, cuja normas centrais sejam relativas ao tempo e ao espaço.
A favor de (a): A cidadania mundial é uma concepção que emergiu de um certo tipo de pensamento ocidental associado ao Iluminismo. Defende uma ordem global enformada por um conjunto de valores partilhados. Embora o carácter particular destas éticas varie – Lei Natural, Kant, Utilitarismo, Direitos Naturais – todas partilham a característica comum de serem objectivamente verdadeiras ou válidas, descobertas universalmente e a priori por um teórico, na acepção em que Bull o entende, num cadeirão e não através de uma investigação empírica do que está estabelecido. (Bull prefere o que designa de aproximação a posteriori que funda os valores morais num acordo geral (Bull, 1979); para uma análise das teorias éticas tradicionais de tipo cosmopolita ver Dower 1998). De acordo com esta perspectiva, se for aceite a posição que defende que os valores não são universais, quer dizer, que variam de cultura para cultura, então não é possível uma ética global e não há fundamento para um conjunto de normas morais que sustentem a cidadania mundial. Nada haverá de particularmente moderno na ideia de cidadania mundial, desde que os estóicos a defenderam; e não dependerá seguramente das condições políticas modernas ou da presença da moderna tecnologia.
Esta posição pode, uma vez mais, ser defendida por um ou outro de dois tipos de pensamento diversos. Primeiro, há aqueles que, por suspeitarem de uma ética objectivista do tipo tradicional, rejeitam o discurso da cidadania mundial por este se fundar num erro teórico e de poder ser, na prática, uma forma de imperialismo cultural, em parte por se basear em ideias que emanam do Iluminismo europeu. Por outro lado, há aqueles que advogam a cidadania mundial precisamente por afirmarem aquela perspectiva ética e por acreditarem que é a única base sólida para construir um tal discurso.
A favor de (b): A cidadania mundial, tal como a cidadania nacional, não propõe qualquer tipo de teoria ética. A cidadania nacional baseia-se em alguns valores partilhados, ainda que grupos diferentes numa sociedade pluralista possuam igualmente valores divergentes. Em que medida esses valores acabam por ser partilhados ou qual a sua fonte, é uma questão de importância secundária. O que interessa para uma ética global é que os agentes aceitem que possuem razões morais para agir responsavelmente relativamente a todo mundo e cooperar na protecção dos interesses comuns e assim por diante. Esta ética pode muito bem ser construída e progredir ou desenvolver-se gradualmente através da negociação. Assim, as condições modernas são cruciais, especialmente no sentido em que as modernas tecnologias da comunicação tornam possíveis formas de identidade e de cooperação e tipos de instituições que não o eram no passado. Em alternativa, a ética de alguém que se chama a si próprio cidadão global pode fundar-se em valores pessoais e subjectivos, que não derivem nem de factos objectivos nem de consensos ou acordos.
Comentário crítico: Uma vez que a posição (b) está aberta no sentido em que admite tanto teorias éticas tradicionais como outras bases éticas, e uma vez que há claramente pessoas que no mundo moderno rejeitam o pensamento tradicional, mas que se vêem a si mesmas como cidadãos globais, parece que (b) precisa ser aceite. Mas precisamos ser cautelosos. Certamente que a cidadania global num sentido institucional pode ser um desenvolvimento moderno peculiar, porque é num contexto de problemas globais partilhados que as pessoas cooperam e desenvolvem normas e valores éticos partilhados. Mas há aqui aspectos idênticos da cidadania mundial – o moral e o institucional – que podem apontar em direcções opostas. Qualquer pessoa racional, talvez por causa da percepção dos problemas globais comuns, procurará chegar a um consenso com pessoas que possuam teorias éticas bastante diferentes quanto a um tipo de ética global, a qual, embora não seja objectiva no sentido tradicional, será aceitável à luz do pensar individual. Se fosse tradicional (por exemplo, kantiana, utilitarista, cristã), seria de um tipo que poderia ser aceite por indivíduos racionais em diferentes épocas.
Na medida em que a cidadania mundial implica o desenvolvimento de instituições comuns através das quais os indivíduos possam trabalhar, e à medida que essas instituições se desenvolvam, maior será o conjunto de normas que exigirão acordo (frequentemente através de um processo de negociação). Estas normas decorrerão não de uma teoria mas do consenso e serão sustentadas por um conjunto amplo de agentes cujos pontos de partida teóricos serão bastante variados. Por isso, num certo sentido, a cidadania mundial não precisa pressupor uma qualquer teoria ética particular ou um tipo de ética teórica, mas precisa de um outro nível em que cada pessoa que aceite ser um cidadão global possa ter a sua própria teoria ética (Dower, 1998: cap. 6).»
(a) A cidadania mundial pressupõe uma ética objectivista tradicional e um conceito universal com normas centrais intemporais e perenes.
(b) A cidadania mundial não pressupõe uma ética objectivista tradicional mas pode ser defendida por qualquer ética com um conteúdo apropriado, cuja normas centrais sejam relativas ao tempo e ao espaço.
A favor de (a): A cidadania mundial é uma concepção que emergiu de um certo tipo de pensamento ocidental associado ao Iluminismo. Defende uma ordem global enformada por um conjunto de valores partilhados. Embora o carácter particular destas éticas varie – Lei Natural, Kant, Utilitarismo, Direitos Naturais – todas partilham a característica comum de serem objectivamente verdadeiras ou válidas, descobertas universalmente e a priori por um teórico, na acepção em que Bull o entende, num cadeirão e não através de uma investigação empírica do que está estabelecido. (Bull prefere o que designa de aproximação a posteriori que funda os valores morais num acordo geral (Bull, 1979); para uma análise das teorias éticas tradicionais de tipo cosmopolita ver Dower 1998). De acordo com esta perspectiva, se for aceite a posição que defende que os valores não são universais, quer dizer, que variam de cultura para cultura, então não é possível uma ética global e não há fundamento para um conjunto de normas morais que sustentem a cidadania mundial. Nada haverá de particularmente moderno na ideia de cidadania mundial, desde que os estóicos a defenderam; e não dependerá seguramente das condições políticas modernas ou da presença da moderna tecnologia.
Esta posição pode, uma vez mais, ser defendida por um ou outro de dois tipos de pensamento diversos. Primeiro, há aqueles que, por suspeitarem de uma ética objectivista do tipo tradicional, rejeitam o discurso da cidadania mundial por este se fundar num erro teórico e de poder ser, na prática, uma forma de imperialismo cultural, em parte por se basear em ideias que emanam do Iluminismo europeu. Por outro lado, há aqueles que advogam a cidadania mundial precisamente por afirmarem aquela perspectiva ética e por acreditarem que é a única base sólida para construir um tal discurso.
A favor de (b): A cidadania mundial, tal como a cidadania nacional, não propõe qualquer tipo de teoria ética. A cidadania nacional baseia-se em alguns valores partilhados, ainda que grupos diferentes numa sociedade pluralista possuam igualmente valores divergentes. Em que medida esses valores acabam por ser partilhados ou qual a sua fonte, é uma questão de importância secundária. O que interessa para uma ética global é que os agentes aceitem que possuem razões morais para agir responsavelmente relativamente a todo mundo e cooperar na protecção dos interesses comuns e assim por diante. Esta ética pode muito bem ser construída e progredir ou desenvolver-se gradualmente através da negociação. Assim, as condições modernas são cruciais, especialmente no sentido em que as modernas tecnologias da comunicação tornam possíveis formas de identidade e de cooperação e tipos de instituições que não o eram no passado. Em alternativa, a ética de alguém que se chama a si próprio cidadão global pode fundar-se em valores pessoais e subjectivos, que não derivem nem de factos objectivos nem de consensos ou acordos.
Comentário crítico: Uma vez que a posição (b) está aberta no sentido em que admite tanto teorias éticas tradicionais como outras bases éticas, e uma vez que há claramente pessoas que no mundo moderno rejeitam o pensamento tradicional, mas que se vêem a si mesmas como cidadãos globais, parece que (b) precisa ser aceite. Mas precisamos ser cautelosos. Certamente que a cidadania global num sentido institucional pode ser um desenvolvimento moderno peculiar, porque é num contexto de problemas globais partilhados que as pessoas cooperam e desenvolvem normas e valores éticos partilhados. Mas há aqui aspectos idênticos da cidadania mundial – o moral e o institucional – que podem apontar em direcções opostas. Qualquer pessoa racional, talvez por causa da percepção dos problemas globais comuns, procurará chegar a um consenso com pessoas que possuam teorias éticas bastante diferentes quanto a um tipo de ética global, a qual, embora não seja objectiva no sentido tradicional, será aceitável à luz do pensar individual. Se fosse tradicional (por exemplo, kantiana, utilitarista, cristã), seria de um tipo que poderia ser aceite por indivíduos racionais em diferentes épocas.
Na medida em que a cidadania mundial implica o desenvolvimento de instituições comuns através das quais os indivíduos possam trabalhar, e à medida que essas instituições se desenvolvam, maior será o conjunto de normas que exigirão acordo (frequentemente através de um processo de negociação). Estas normas decorrerão não de uma teoria mas do consenso e serão sustentadas por um conjunto amplo de agentes cujos pontos de partida teóricos serão bastante variados. Por isso, num certo sentido, a cidadania mundial não precisa pressupor uma qualquer teoria ética particular ou um tipo de ética teórica, mas precisa de um outro nível em que cada pessoa que aceite ser um cidadão global possa ter a sua própria teoria ética (Dower, 1998: cap. 6).»
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