«A democracia liberal não pode reduzir-se à ideia da regra das maiorias. A democracia liberal também inclui uma complexa série de regras e princípios para estruturar, dividir e limitar o poder. O mais destacado destes princípios é a protecção dos direitos individuais. De facto, são inúmeros os autores que defendem a democracia liberal como uma protecção constitucional dos direitos civis e políticos básicos dos indivíduos. É claro que muitas democracias liberais estão confrontadas também com grupos etnoculturais que reclamam a protecção constitucional de direitos de grupo. Estas exigências ouvem-se cada vez mais nos Estados Unidos, frequentemente sob a capa do multiculturalismo, mas sempre fizeram parte da vida política de outras democracias liberais, como o Canadá ou a Suiça. Neste ensaio quero examinar a ideia dos direitos de grupo com o fim de iluminar alguns aspectos importantes da teoria liberal democrática, não apenas no que se refere à relação entre direitos de grupo e direitos individuais, mas também no que afecta a natureza da cidadania e da comunidade política e a relação entre o liberalismo, o nacionalismo e o pluralismo cultural. A recente explosão dos conflitos étnicos no leste da Europa e na antiga União Soviética sugerem que o esclarecimento destas questões é imprescindível para a instalação da democracia nestes países.
Muitas pessoas defendem que a ideia de direitos de grupo é incompatível com a tradição liberal. Deste ponto de vista, os indivíduos constituiriam as unidades básicas da teoria liberal e os seus direitos e deveres não deveriam depender de ou variar em função da sua pertença a um grupo etnocultural. A atitude do estado liberal relativamente aos grupos etnoculturais deveria ser, asseguram, de neutralidade. Um estado neutro não deveria apoiar nem desincentivar a pertença a grupos etnoculturais, e de facto não os deveria reconhecer explicitamente, excepto para assegurar que os seus membros não são objecto de discriminação. Garantir reconhecimento legal aos grupos etnoculturais, diz-se, ameaça os princípios liberais da liberdade, da igualdade e da solidariedade.
Creio que isto é errado, tanto de um ponto de vista histórico como conceptual. São muitas as democracias liberais que concederam um reconhecimento legal aos grupos etnoculturais, algo frequentemente necessário para defender a liberdade individual e evitar graves injustiças. Para ver isto é preciso esclarecer algumas confusões comuns sobre a relação entre indivíduos, culturas e estados. Antes de poder avaliar adequadamente as questões normativas que afectam os direitos de grupo, devo primeiro fornecer uma explicação clara das práticas efectivas das democracias liberais relativamente aos grupos etnoculturais. Na primeira parte deste ensaio centrar-me-ei na descrição do modo como os estados liberais responderam historicamente à diversidade cultural. Na segunda parte dedicar-me-ei a questões mais explicitamente normativas e considerarei o modo como os direitos de grupo se vinculam aos princípios liberais básicos da liberdade e da igualdade.
Começarei a Secção I explicando por que não é possível aos Estados Unidos declararem-se neutros com relação aos grupos etnoculturais. Defenderei que a capacidade dos grupos etnoculturais para se manterem como tais depende directamente de uma gama de políticas governamentais que incluem questões como os direitos linguísticos, a política migratória, o desenho das fronteiras regionais e a fixação das celebrações oficiais. Depois disto estar reconhecido, a questão não será a de saber se os estados devem implicar-se na reprodução dos grupos o das identidades culturais, mas se deveriam fazê-lo. Na Secção 2 discuto o modo como os estados liberais abordaram historicamente a diversidade cultural. Defenderei que a formação histórica das democracias liberais comportou esforços deliberados de “construção nacional” que incluíam a consolidação e a difusão de uma cultura comum usada nas instituições sociais. Uma vez enfrentado este projecto de construção nacional, os grupos minoritários reagiram de formas diversas (Secção 3). Regra geral, os grupos de imigrantes voluntários aceitaram a integração nessa cultura comum. Sem dúvida que os grupos não imigrantes especialmente concentrados, cujo território histórico foi incorporado num estado mais amplo, resistiram tradicionalmente à integração, dando início às suas próprias formas de “construção nacional” com o fim de reter e consolidar a sua própria cultura societária, baseada na língua e nas instituições públicas. Chamarei a estes grupos “minorias nacionais”. As democracias liberais que contêm estes grupos não são, por conseguinte, estados-nação, mas estados multinacionais. Muitas democracias ocidentais são multinacionais neste sentido (por exemplo, a Espanha, o Canadá, a Bélgica e a Suiça), como o são também inúmeras democracias emergentes do leste. Em todos estes países, o modo como o nacionalismo acomodou as minorias converteu-se numa das questões mais importantes e difíceis
Como devem as democracias liberais responder às exigências de direitos de grupo para o auto-governo colocadas pelas minorias nacionais? Muitos teóricos liberais têm-se oposto a estes direitos. Manterei, todavia, que o nacionalismo das minorias pode ser compatível com os princípios liberais e que, de facto, pode ser tão legítimo como os projectos de construção nacional das maiorias (Secção 4). Os princípios liberais democráticos de liberdade individual e justiça social são mais facilmente acessíveis (e amiúde só podem ser alcançados) em unidades nacionais coesas que partilhem uma língua e uma cultura comuns. A teoria democrática liberal considera os indivíduos como cidadãos livres e iguais no contexto da sua própria sociedade nacional. Creio pessoalmente que este é um desejo compreensível e legítimo. As nações são, portanto, as unidades básicas da teoria liberal, pois são as unidades nas quais se alcançam os princípios liberais da liberdade e da igualdade (Secção 5).
Isto quer dizer que a teoria democrática liberal não é apenas uma teoria sobre a relação entre os indivíduos, por um lado, e os estados, pelo outro. Também deve incluir uma descrição explícita do estatuto legal e político dos grupos etnoculturais. Com efeito, nem todos os direitos de grupo são compatíveis com a tradição liberal. Concluirei discutindo diferentes tipos de direitos de grupo e explicando quais deles são compatíveis com os valores liberais de liberdade individual e justiça social (Secção 6).»
Muitas pessoas defendem que a ideia de direitos de grupo é incompatível com a tradição liberal. Deste ponto de vista, os indivíduos constituiriam as unidades básicas da teoria liberal e os seus direitos e deveres não deveriam depender de ou variar em função da sua pertença a um grupo etnocultural. A atitude do estado liberal relativamente aos grupos etnoculturais deveria ser, asseguram, de neutralidade. Um estado neutro não deveria apoiar nem desincentivar a pertença a grupos etnoculturais, e de facto não os deveria reconhecer explicitamente, excepto para assegurar que os seus membros não são objecto de discriminação. Garantir reconhecimento legal aos grupos etnoculturais, diz-se, ameaça os princípios liberais da liberdade, da igualdade e da solidariedade.
Creio que isto é errado, tanto de um ponto de vista histórico como conceptual. São muitas as democracias liberais que concederam um reconhecimento legal aos grupos etnoculturais, algo frequentemente necessário para defender a liberdade individual e evitar graves injustiças. Para ver isto é preciso esclarecer algumas confusões comuns sobre a relação entre indivíduos, culturas e estados. Antes de poder avaliar adequadamente as questões normativas que afectam os direitos de grupo, devo primeiro fornecer uma explicação clara das práticas efectivas das democracias liberais relativamente aos grupos etnoculturais. Na primeira parte deste ensaio centrar-me-ei na descrição do modo como os estados liberais responderam historicamente à diversidade cultural. Na segunda parte dedicar-me-ei a questões mais explicitamente normativas e considerarei o modo como os direitos de grupo se vinculam aos princípios liberais básicos da liberdade e da igualdade.
Começarei a Secção I explicando por que não é possível aos Estados Unidos declararem-se neutros com relação aos grupos etnoculturais. Defenderei que a capacidade dos grupos etnoculturais para se manterem como tais depende directamente de uma gama de políticas governamentais que incluem questões como os direitos linguísticos, a política migratória, o desenho das fronteiras regionais e a fixação das celebrações oficiais. Depois disto estar reconhecido, a questão não será a de saber se os estados devem implicar-se na reprodução dos grupos o das identidades culturais, mas se deveriam fazê-lo. Na Secção 2 discuto o modo como os estados liberais abordaram historicamente a diversidade cultural. Defenderei que a formação histórica das democracias liberais comportou esforços deliberados de “construção nacional” que incluíam a consolidação e a difusão de uma cultura comum usada nas instituições sociais. Uma vez enfrentado este projecto de construção nacional, os grupos minoritários reagiram de formas diversas (Secção 3). Regra geral, os grupos de imigrantes voluntários aceitaram a integração nessa cultura comum. Sem dúvida que os grupos não imigrantes especialmente concentrados, cujo território histórico foi incorporado num estado mais amplo, resistiram tradicionalmente à integração, dando início às suas próprias formas de “construção nacional” com o fim de reter e consolidar a sua própria cultura societária, baseada na língua e nas instituições públicas. Chamarei a estes grupos “minorias nacionais”. As democracias liberais que contêm estes grupos não são, por conseguinte, estados-nação, mas estados multinacionais. Muitas democracias ocidentais são multinacionais neste sentido (por exemplo, a Espanha, o Canadá, a Bélgica e a Suiça), como o são também inúmeras democracias emergentes do leste. Em todos estes países, o modo como o nacionalismo acomodou as minorias converteu-se numa das questões mais importantes e difíceis
Como devem as democracias liberais responder às exigências de direitos de grupo para o auto-governo colocadas pelas minorias nacionais? Muitos teóricos liberais têm-se oposto a estes direitos. Manterei, todavia, que o nacionalismo das minorias pode ser compatível com os princípios liberais e que, de facto, pode ser tão legítimo como os projectos de construção nacional das maiorias (Secção 4). Os princípios liberais democráticos de liberdade individual e justiça social são mais facilmente acessíveis (e amiúde só podem ser alcançados) em unidades nacionais coesas que partilhem uma língua e uma cultura comuns. A teoria democrática liberal considera os indivíduos como cidadãos livres e iguais no contexto da sua própria sociedade nacional. Creio pessoalmente que este é um desejo compreensível e legítimo. As nações são, portanto, as unidades básicas da teoria liberal, pois são as unidades nas quais se alcançam os princípios liberais da liberdade e da igualdade (Secção 5).
Isto quer dizer que a teoria democrática liberal não é apenas uma teoria sobre a relação entre os indivíduos, por um lado, e os estados, pelo outro. Também deve incluir uma descrição explícita do estatuto legal e político dos grupos etnoculturais. Com efeito, nem todos os direitos de grupo são compatíveis com a tradição liberal. Concluirei discutindo diferentes tipos de direitos de grupo e explicando quais deles são compatíveis com os valores liberais de liberdade individual e justiça social (Secção 6).»
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