«O argumento do futuro em aberto
Dan Brock refere um segundo argumento a favor da perspectiva de que a clonagem com o objectivo produzir pessoas é intrinsecamente má[1]. O argumento, que se baseia nas ideias de Joel Feinberg, que defende um direito a um futuro em aberto[2], e de Hans Jonas, que defende um direito à ignorância até um certo ponto[3], é mais ou menos o seguinte: a caracterização genética de um indivíduo pode muito bem ser determinada até certo ponto pelas possibilidades que tem aberto, pelo que tal pode constranger o curso da sua vida futura. Se não há pessoas com a mesma caracterização genética, ou se há mais alguém com essa caracterização, mas se o indivíduo não tem disso conhecimento, ou, finalmente, se há uma tal pessoa, mas que ou é seu contemporâneo ou alguém mais novo, então o indivíduo não será capaz de observar o curso da vida da pessoa que possui a mesma caracterização genética. Mas se o indivíduo souber de alguém com uma caracterização genética idêntica cuja vida foi anterior à sua? Então poderia saber que há certas possibilidades que não estão de facto em aberto, o que diminuiria o seu sentimento de ser capaz de escolher o seu curso de vida.
Para ver em que medida este argumento não é sólido, é preciso analisar o raciocínio que pode estar envolvido quando alguém, ao observar a vida anterior de uma pessoa com a mesma caracterização genética, conclui que a sua vida está sujeita a determinados constrangimentos. Uma possibilidade será que um indivíduo pode ter observado alguém que se esforçou arduamente, durante um longo período de tempo, para alcançar algum objectivo mas que fracassou sempre. Talvez o anterior indivíduo geneticamente idêntico tenha desejado ser a primeira pessoa a correr a maratona em menos de duas horas, e depois de vários anos de treino intenso e bem programado, de atenção à dieta, e assim por diante, nunca conseguiu baixar das duas horas e meia. Alguém estaria, por isso, justificado em considerar que talvez esse objectivo não estivesse realmente em aberto para esse indivíduo. Mas seria esse conhecimento uma coisa má, como parece sugerir Hans Jonas? Eu, pelo contrário, pensaria que esse conhecimento seria valioso, uma vez que facilitaria a selecção dos objectivos que realisticamente alguém poderia perseguir.
Uma possibilidade bem diferente é alguém poder observar o curso de vida de um indivíduo geneticamente idêntico, e concluir daí que nenhuma vida significativamente diferente estaria em aberto. Poderia certamente sentir que a sua vida estaria constrangida de uma forma que bastante indesejável. Mas ao chegar à conclusão de que a sua vida não poderia ser significativamente diferente da vida do outro indivíduo, poderia estar a concluir algo para o qual não há qualquer evidência favorável, mas relativamente à qual há uma excelente evidência contra: a vida dos gémeos idênticos demonstra que é efectivamente possível viver vidas diferentes, ainda que possuindo o mesmo material genético.
Em resumo, a ideia de que a informação acerca da vida de um indivíduo geneticamente idêntico a uma pessoa tornaria possível concluir que apenas um conjunto limitado de alternativas lhe estão disponíveis só seria justificável se o determinismo genético, ou algo bastante aproximado, estivesse correcto. Mas nada há de verdadeiro no determinismo genético. O segundo argumento a favor da perspectiva de que a clonagem com o objectivo de produzir pessoas é intrinsecamente má também não é sólido.
Considerações a favor da clonagem de pessoas
Como afirmei anteriormente, saber se é desejável produzir pessoas através da clonagem depende do resultado de algo que ainda não está decidido: a questão do envelhecimento. Contudo, apenas assumirei agora que será possível clonar um indivíduo adulto de tal forma que se acabe com uma célula cujos cromossomas possuam telómeros de comprimento total, para que o indivíduo resultante venha a ter uma esperança de vida normal. Dada tal assunção, quero argumentar que há um grande número de benefícios importantes que podem resultar da clonagem de seres humanos com o objectivo de produzir pessoas.
Ao apresentar o que considero ser os benefícios da clonagem, terei em consideração objecções possíveis. Serão discutidas em “Objecções à Clonagem de Humanos”.
Conhecimento científico: psicologia e o problema hereditariedade vs ambiente
Uma tarefa teórica crucial para a psicologia é a construção de uma teoria satisfatória que explique a aquisição dos traços de personalidade, sendo central para o desenvolvimento de uma tal teoria a informação sobre a quantidade dos diversos traços herdados, ou em alternativa, a dependência de aspectos ambientais que são controláveis, ou, finalmente, dependência de factores, cerebrais ou ambientais, que sejam aleatórios. Mas esse conhecimento não é só teoreticamente crucial para a psicologia. O conhecimento do contributo que a caracterização genética, o ambiente e o acaso, terão ou não no desenvolvimento do indivíduo, permitirá desenvolver aproximações à formação de crianças que aumentarão a probabilidade de criar pessoas com traços desejáveis, pessoas que terão melhores hipóteses de realizar o seu potencial, e de viver vidas mais felizes e gratificantes. Portanto, esse conhecimento não possui só um enorme interesse teórico: será potencialmente benéfico para a sociedade.
A clonagem beneficiará a sociedade
Uma sugestão bem familiar é que a clonagem de indivíduos que deram contribuições bem significativas para a sociedade pode beneficiar a humanidade. Tendo em conta o modo como esta sugestão é habitualmente apresentada, quando, por exemplo, se afirma que se fosse possível clonar Albert Einstein, o resultado seria um indivíduo que também daria contribuições bem significativas para a sociedade, então a sugestão não é boa. Em primeiro lugar, saber se um indivíduo virá a desenvolver um trabalho altamente criativo depende sobretudo de traços cuja aquisição depende do ambiente em que o indivíduo é criado, e não tanto do facto de ser determinado simplesmente pela sua herança genética. Mas não poderá perguntar-se antes sobre o que aconteceria se também controlássemos o ambiente, criando um clone do Einstein, por exemplo, num ambiente o mais aproximado possível do tipo de ambiente em que Einstein foi criado? É claro que isso é capaz de ser algo difícil de concretizar. Mas mesmo que pudesse ser feito, não é evidente que fosse suficiente, porque há um outro aspecto a considerar, a saber, que grandes descobertas podem depender de coisas que são em grande medida acidentais, cuja ocorrência não fica garantida pela combinação de certa caracterização genética com um tipo geral de ambiente. Por exemplo, grandes matemáticos desenvolveram um enorme interesse pelos números numa fase inicial do seu desenvolvimento. Será que, por isso, há boas razões para concluir que se pudéssemos clonar Carl Friedrich Gauss, e educá-lo num ambiente semelhante ao original, essa pessoa teria desenvolvido um interesse similar pelos números, vindo depois a alcançar grandes feitos na matemática? Ou será provável que um clone de Einstein, educado num ambiente semelhante ao original, poderia ter cogitado, como o fez Einstein, sobre como seria o mundo se alguém pudesse viajar à velocidade da luz, e depois reflectisse sobre os assuntos que fascinaram Einstein, levando-o finalmente a desenvolver teorias físicas revolucionárias?
Acredito que há problemas sérios com esta sugestão, em particular com a forma como é habitualmente apresentada. Por um lado, não estou convencido que uma versão um pouco mais modesta desta versão não possa ser defendida. Considere-se, por exemplo, as irmãs Polgar. Temos aqui um caso em que o pai das três irmãs conseguiu criar um ambiente que tornou possível que todas se tornassem grandes jogadoras de xadrez, e uma delas, Judit Polgar, é hoje a maior jogadora de xadrez de todos os tempos. Não será razoável pensar que se forem feitos um grande número de clones da Judit Polgar, e se os criamos num ambiente bastante similar àquele em que ela viveu com as suas irmãs, o resultado não será termos um grande conjunto de grandes jogadoras de xadrez?
De um modo mais geral, acredito que existe uma base hereditária forte para a inteligência[4], e também acredito que há uma boa razão para pensar que outros traços que podem desempenhar um papel central na criatividade, como a persistência, a determinação e a confiança nas capacidades individuais, podem ser produzidos pela combinação certa entre a hereditariedade e o ambiente. Assim, embora a probabilidade de um clone de um indivíduo extraordinariamente criativo vir a realizar grandes conquistas não seja talvez, pelo menos em muitas áreas, especialmente alta, penso que há razões para pensar que, dado o ambiente apropriado, o resultado seria o de que o indivíduo pudesse vir a alcançar grandes feitos que beneficiariam a sociedade de formas significativas.»
Dan Brock refere um segundo argumento a favor da perspectiva de que a clonagem com o objectivo produzir pessoas é intrinsecamente má[1]. O argumento, que se baseia nas ideias de Joel Feinberg, que defende um direito a um futuro em aberto[2], e de Hans Jonas, que defende um direito à ignorância até um certo ponto[3], é mais ou menos o seguinte: a caracterização genética de um indivíduo pode muito bem ser determinada até certo ponto pelas possibilidades que tem aberto, pelo que tal pode constranger o curso da sua vida futura. Se não há pessoas com a mesma caracterização genética, ou se há mais alguém com essa caracterização, mas se o indivíduo não tem disso conhecimento, ou, finalmente, se há uma tal pessoa, mas que ou é seu contemporâneo ou alguém mais novo, então o indivíduo não será capaz de observar o curso da vida da pessoa que possui a mesma caracterização genética. Mas se o indivíduo souber de alguém com uma caracterização genética idêntica cuja vida foi anterior à sua? Então poderia saber que há certas possibilidades que não estão de facto em aberto, o que diminuiria o seu sentimento de ser capaz de escolher o seu curso de vida.
Para ver em que medida este argumento não é sólido, é preciso analisar o raciocínio que pode estar envolvido quando alguém, ao observar a vida anterior de uma pessoa com a mesma caracterização genética, conclui que a sua vida está sujeita a determinados constrangimentos. Uma possibilidade será que um indivíduo pode ter observado alguém que se esforçou arduamente, durante um longo período de tempo, para alcançar algum objectivo mas que fracassou sempre. Talvez o anterior indivíduo geneticamente idêntico tenha desejado ser a primeira pessoa a correr a maratona em menos de duas horas, e depois de vários anos de treino intenso e bem programado, de atenção à dieta, e assim por diante, nunca conseguiu baixar das duas horas e meia. Alguém estaria, por isso, justificado em considerar que talvez esse objectivo não estivesse realmente em aberto para esse indivíduo. Mas seria esse conhecimento uma coisa má, como parece sugerir Hans Jonas? Eu, pelo contrário, pensaria que esse conhecimento seria valioso, uma vez que facilitaria a selecção dos objectivos que realisticamente alguém poderia perseguir.
Uma possibilidade bem diferente é alguém poder observar o curso de vida de um indivíduo geneticamente idêntico, e concluir daí que nenhuma vida significativamente diferente estaria em aberto. Poderia certamente sentir que a sua vida estaria constrangida de uma forma que bastante indesejável. Mas ao chegar à conclusão de que a sua vida não poderia ser significativamente diferente da vida do outro indivíduo, poderia estar a concluir algo para o qual não há qualquer evidência favorável, mas relativamente à qual há uma excelente evidência contra: a vida dos gémeos idênticos demonstra que é efectivamente possível viver vidas diferentes, ainda que possuindo o mesmo material genético.
Em resumo, a ideia de que a informação acerca da vida de um indivíduo geneticamente idêntico a uma pessoa tornaria possível concluir que apenas um conjunto limitado de alternativas lhe estão disponíveis só seria justificável se o determinismo genético, ou algo bastante aproximado, estivesse correcto. Mas nada há de verdadeiro no determinismo genético. O segundo argumento a favor da perspectiva de que a clonagem com o objectivo de produzir pessoas é intrinsecamente má também não é sólido.
Considerações a favor da clonagem de pessoas
Como afirmei anteriormente, saber se é desejável produzir pessoas através da clonagem depende do resultado de algo que ainda não está decidido: a questão do envelhecimento. Contudo, apenas assumirei agora que será possível clonar um indivíduo adulto de tal forma que se acabe com uma célula cujos cromossomas possuam telómeros de comprimento total, para que o indivíduo resultante venha a ter uma esperança de vida normal. Dada tal assunção, quero argumentar que há um grande número de benefícios importantes que podem resultar da clonagem de seres humanos com o objectivo de produzir pessoas.
Ao apresentar o que considero ser os benefícios da clonagem, terei em consideração objecções possíveis. Serão discutidas em “Objecções à Clonagem de Humanos”.
Conhecimento científico: psicologia e o problema hereditariedade vs ambiente
Uma tarefa teórica crucial para a psicologia é a construção de uma teoria satisfatória que explique a aquisição dos traços de personalidade, sendo central para o desenvolvimento de uma tal teoria a informação sobre a quantidade dos diversos traços herdados, ou em alternativa, a dependência de aspectos ambientais que são controláveis, ou, finalmente, dependência de factores, cerebrais ou ambientais, que sejam aleatórios. Mas esse conhecimento não é só teoreticamente crucial para a psicologia. O conhecimento do contributo que a caracterização genética, o ambiente e o acaso, terão ou não no desenvolvimento do indivíduo, permitirá desenvolver aproximações à formação de crianças que aumentarão a probabilidade de criar pessoas com traços desejáveis, pessoas que terão melhores hipóteses de realizar o seu potencial, e de viver vidas mais felizes e gratificantes. Portanto, esse conhecimento não possui só um enorme interesse teórico: será potencialmente benéfico para a sociedade.
A clonagem beneficiará a sociedade
Uma sugestão bem familiar é que a clonagem de indivíduos que deram contribuições bem significativas para a sociedade pode beneficiar a humanidade. Tendo em conta o modo como esta sugestão é habitualmente apresentada, quando, por exemplo, se afirma que se fosse possível clonar Albert Einstein, o resultado seria um indivíduo que também daria contribuições bem significativas para a sociedade, então a sugestão não é boa. Em primeiro lugar, saber se um indivíduo virá a desenvolver um trabalho altamente criativo depende sobretudo de traços cuja aquisição depende do ambiente em que o indivíduo é criado, e não tanto do facto de ser determinado simplesmente pela sua herança genética. Mas não poderá perguntar-se antes sobre o que aconteceria se também controlássemos o ambiente, criando um clone do Einstein, por exemplo, num ambiente o mais aproximado possível do tipo de ambiente em que Einstein foi criado? É claro que isso é capaz de ser algo difícil de concretizar. Mas mesmo que pudesse ser feito, não é evidente que fosse suficiente, porque há um outro aspecto a considerar, a saber, que grandes descobertas podem depender de coisas que são em grande medida acidentais, cuja ocorrência não fica garantida pela combinação de certa caracterização genética com um tipo geral de ambiente. Por exemplo, grandes matemáticos desenvolveram um enorme interesse pelos números numa fase inicial do seu desenvolvimento. Será que, por isso, há boas razões para concluir que se pudéssemos clonar Carl Friedrich Gauss, e educá-lo num ambiente semelhante ao original, essa pessoa teria desenvolvido um interesse similar pelos números, vindo depois a alcançar grandes feitos na matemática? Ou será provável que um clone de Einstein, educado num ambiente semelhante ao original, poderia ter cogitado, como o fez Einstein, sobre como seria o mundo se alguém pudesse viajar à velocidade da luz, e depois reflectisse sobre os assuntos que fascinaram Einstein, levando-o finalmente a desenvolver teorias físicas revolucionárias?
Acredito que há problemas sérios com esta sugestão, em particular com a forma como é habitualmente apresentada. Por um lado, não estou convencido que uma versão um pouco mais modesta desta versão não possa ser defendida. Considere-se, por exemplo, as irmãs Polgar. Temos aqui um caso em que o pai das três irmãs conseguiu criar um ambiente que tornou possível que todas se tornassem grandes jogadoras de xadrez, e uma delas, Judit Polgar, é hoje a maior jogadora de xadrez de todos os tempos. Não será razoável pensar que se forem feitos um grande número de clones da Judit Polgar, e se os criamos num ambiente bastante similar àquele em que ela viveu com as suas irmãs, o resultado não será termos um grande conjunto de grandes jogadoras de xadrez?
De um modo mais geral, acredito que existe uma base hereditária forte para a inteligência[4], e também acredito que há uma boa razão para pensar que outros traços que podem desempenhar um papel central na criatividade, como a persistência, a determinação e a confiança nas capacidades individuais, podem ser produzidos pela combinação certa entre a hereditariedade e o ambiente. Assim, embora a probabilidade de um clone de um indivíduo extraordinariamente criativo vir a realizar grandes conquistas não seja talvez, pelo menos em muitas áreas, especialmente alta, penso que há razões para pensar que, dado o ambiente apropriado, o resultado seria o de que o indivíduo pudesse vir a alcançar grandes feitos que beneficiariam a sociedade de formas significativas.»
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[1] Brock, D. W. na secção com o título “Será que o uso da clonagem violaria direitos humanos importantes?”.
[2] Feinberg, J. (1980). “O direito da criança a um futuro em aberto” in Whose child? Children’s right, Parental authority, and State Power, Aiken, W. & LaFollette, H. eds., Rowan and Litlefield, Totowas, NJ.
[3] Jonas, H. (1974) Philosophical Essay: from Ancient Creed to Technological Man, Prentice-Hall, Elgewood Cliffs, NJ.
[4] Ver, por exemplo, a discussão deste problema em Bouchard, pp. 55, 56.
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