quinta-feira, 29 de maio de 2008

Será a eutanásia moral? Eis a RESPOSTA do Rúben e do Daniel:

Situação a tratar

A 24 de Fevereiro, o filho do casal H. T. Houle morreu, no Centro Médico do Maine, na sequência de uma operação cirúrgica de emergência ordenada pelo tribunal. A criança nascera a 9 de Fevereiro, horrivelmente deformada. Tinha malformações em todo o lado esquerdo: não tinha olho esquerdo; faltava-lhe praticamente a orelha esquerda; tinha a mão esquerda deformada; algumas das suas vértebras não estavam fundidas. Além disso, sofria de uma fístula traqueo-esofágica e não podia ser alimentada pela boca. O ar escapava-se-lhe para o estômago em vez de seguir para os pulmões. Como referiu o Dr. André Hellegers…,”Não é preciso grande imaginação para pensar que haveria mais deformações internas…”.
Com o passar dos dias o estado da criança piorou. Surgiu uma pneumonia. Os seus reflexos tornaram-se mais fracos e, devido á circulação deficiente, surgiram suspeitas de lesões cerebrais graves. A fístula traqueo-esofágica, a ameaça imediata á sua sobrevivência, pode ser corrigida com relativa facilidade mediante cirurgia. Mas, tendo em atenção as complicações e deformidades associadas, os pais recusaram-se a dar autorização para a intervenção cirúrgica do “Bebé Houle”. Vários médicos do Centro Médico do Maine tinham uma opinião diferente e apresentaram o caso em tribunal. O Juiz do Tribunal Superior do Maine, David G. Roberts, ordenou que se realizasse a cirurgia. Foi este o teor da sua decisão: “No momento do nascimento com vida, existe um ser humano que tem o direito á mais ampla protecção legal. O mais fundamental de todos os direitos de que goza qualquer ser humano é o direito á própria vida”.

Será a decisão do Juiz do Tribunal Superior moralmente aceitável? Porquê?

Antes de nos pronunciarmos sobre esta questão, iremos esclarecer alguns conceitos importantes para a melhor compreensão de toda esta temática.
Será a decisão do Juiz justa? Será que a lei pode contrariar a vontade dos pais de deixar o seu filho partir ou será que a decisão de uma instituição pública deve prevalecer?

Para respondermos a estas questões temos de introduzir o tema principal implícito desta discussão: será a eutanásia moralmente justificável?

A Eutanásia

A palavra eutanásia vem do grego e significa morte sem dor, morte feliz (eu – bem, + thanatos – morte).

As actuais discussões acerca do direito de morrer são criadas principalmente por uma diferente interpretação do termo “eutanásia”.

A eutanásia é definida pela ESA (Euthanasia Society of America) como sendo o acto de pôr termo à vida humana de forma indolor, com a finalidade de por fim a um grande sofrimento físico. Com o tempo, o significado da palavra tem vindo a ser alterado, chegando a eutanásia a ser conhecida, nos dias de hoje, como “homicídio por compaixão”

A justificação para a eutanásia reside no facto de o paciente se encontrar numa terrível agonia e, dado que morrerá de qualquer modo, seria inaceitável prolongar desnecessariamente o seu sofrimento.

Posição Tradicional:

Em relação à posição tradicional o professor Sullivan considera como pontos mais importantes:

“…em primeiro lugar, que nunca deveríamos pôr fim intencionalmente á vida de um paciente, quer por acção quer por omissão, e, em segundo, que só podemos cancelar ou omitir o tratamento a um paciente, sabendo que isso irá ter como resultado a morte, se o meio de tratamento utilizado for extraordinário” (James Rachels, 1997: p. 12).

Tal como refere Ramsey, “os meios ordinários de manutenção da vida são todos os medicamentos, tratamentos e operações que apresentam uma esperança razoável de benefícios para o paciente e que podem ser obtidos e utilizados sem despesa e dor excessivas e outros incómodos” (Cit. por James Rachels, 1997: p. 14). Enquanto que “os meios extraordinários de manutenção da vida são todos aqueles remédios, tratamentos e operações que não podem ser obtidos sem despesas, dores excessivas e outros incómodos, ou que, se usados não apresentariam uma esperança razoável de benefícios” (James Rachels, 1997: p. 15).

Mas estas definições não são satisfatórias porque não explicitam a partir de que ponto se poderá considerar algo excessivo. Por exemplo, se um transplante de um rim custar 10,000€, seria excessivo ou não? Talvez se fosse utilizado para transplantar um rim ao Sr. António com 89 anos de idade, que sofre de insuficiência renal e que também tem diabetes, isso seria provavelmente considerado excessivo, portanto, um meio extraordinário; mas suponhamos a mesma operação, mas agora para uma pessoa de 20 anos, na qual a esperança de benefícios seja maior, pois a esperança média de vida é muito maior que a idade que ele tem, então neste ultimo caso o meio utilizado considera-se ordinário.

Com este exemplo não é apenas o carácter excessivo que queremos demonstrar que se altera de caso para caso, mas também que o que é excessivo depende do se seria bom para a vida caso fosse prolongada.

Outro ponto fraco desta perspectiva reside na intenção. Considere-se o seguinte exemplo: um pai educa o seu filho na esperança de que no futuro o seu filho venha a ser um homem respeitado e consciente da vida tal como ela é; e suponha-se outro pai que educa o seu filho porque considera que esse é o seu dever como pai mesmo que não tenha quaisquer expectativas quanto ao seu filho vir tornar-se um bom homem no futuro. Tanto neste caso como em qualquer outro caso em que um médico decida abreviar a vida de um paciente numa terrível agonia e no caso das suas mortes serem inevitáveis, seriam consideradas boas acções independentemente da intenção da pessoa. Com este exemplo tentamos provar que a intenção de alguém não pode ser utilizada para avaliar a acção, mas apenas para avaliar o carácter dessa pessoa. Uma acção é justa ou não dependendo de razões objectivas, tais como o dever e lei, que estão por detrás do acto em si.

O juramento de Hipócrates

Começou por ser feito pelos médicos há cerca de 400 anos a.C.. Contudo, o juramento inicial tem vindo a ser alterado com o passar dos anos, pois muitas partes desse juramento tornaram-se obsoletas devido a diferenças culturais e ,portanto ,foram removidas ou alteradas.

Um dos princípios centrais deste juramento, que podia ser a razão da confiança pública nos médicos, é que profissionalmente estão do lado da vida: a vida deveria ser preservada do mesmo modo que deveria aliviar-se o sofrimento, pelo que as habilidades de um médico nunca deveriam ser usadas para baixar os padrões de saúde do paciente ou para lhe abreviar a morte.

No caso dos seres humanos que se encontram em estado vegetativo, e que perderam as suas capacidades cerebrais, nomeadamente, a ratio (a capacidade humana de raciocínio), os indivíduos já não são considerados seres humanos verdadeiramente vivos. Lembramos as palavras de um cirurgião famoso que dizia que quando o cérebro desaparece é inútil manter mais alguma coisa em funcionamento (o que determina a ocorrência da morte não é a perda da função do cérebro, mas a perda da função cerebral – a “mente”).

Mas se os médicos podem pôr de lado o princípio da vida para interromper a vida ainda por nascer in útero também podem pôr de lado esse mesmo princípio para aprovarem o acto positivo de pôr fim á vida sub-humana in extremis. Ou seja, é ridículo conceber a aprovação ética para uma e não conceber essa mesma aprovação para a outra. Uma das consequências deste facto é expressa por C. Everett Koop da seguinte maneira:

“O paciente já não poderá olhar para o seu médico como o seu advogado em termos de prolongamento da vida – porque quando, na mente desse médico, a vida do paciente estiver a esvair-se, a pessoa doente não tem garantias de que o clínico se aproximará dela no seu papel de preservador da vida; poderá estar a aproximar-se como carrasco” (C. Everett Koop, 1997: p.23).

Diferenciação entre eutanásia activa e eutanásia passiva

A Eutanásia Passiva é considerada mais aceitável do que a activa, quando induzida pelo médico, porque o médico tem como obrigação, numa situação em que não é possível qualquer meio para a cura, ou seja, quando a morte é inevitável, cuidar do seu paciente dando-lhe conforto, de modo a permitir que a Natureza siga o seu curso normal, suspendendo essas medidas inúteis de manutenção de vida.

Mas se nos limitarmos a suspender o tratamento, o paciente pode demorar mais tempo a morrer e, assim, poderá sofrer mais do que numa situação em que fosse aplicada uma acção mais directa, dando-lhe uma injecção letal (Eutanásia Activa).

Se a diferença entre a acção e a omissão, ou por outras palavras, a diferença entre matar e deixar morrer fosse em si mesma uma questão moralmente relevante, deveríamos dizer que a eutanásia passiva era menos repreensível do que a eutanásia activa. Mas isso não é verdade. O resultado final é o mesmo, só os meios são muito diferentes. Na eutanásia passiva, o sofrimento do paciente em questão é prolongado desnecessariamente, enquanto que na eutanásia activa isso não se verifica pois é aplicada uma acção directa e letal. Ainda assim algo de errado se passa: a eutanásia activa é condenada não só por ser ilegal, mas também por ser contrário a tudo aquilo que a profissão médica defende, tal como já referimos anteriormente.

Tal como refere Peter Singer, "as consequências quer de um acto quer de uma omissão serão muitas vezes, em todos os aspectos significativos, indistinguíveis. Por exemplo, omitir a administração de antibióticos a uma criança com pneumonia pode ter consequências não menos fatais que dar a essa criança uma injecção letal” (Peter Singer, 2002: p. 227).

Diferenciação da eutanásia de acordo com a vontade do paciente

Eutanásia voluntária

A eutanásia voluntária é efectuada a pedido da pessoa que tem como desejo a morte. A forma mais habitual é a utilização de uma dose excessiva de um fármaco que é deixada perto da mão do paciente. Outra forma deste tipo de eutanásia é a escolha, quer muito tempo antes quer no momento, de alguém (não obrigatoriamente um médico), para, na incapacidade do paciente, lhe administrar o fármaco.

Eutanásia não voluntária
O ser humano não é capaz de compreender a escolha entre a vida e a morte porque está incapacitado o fazer (não possui a ratio na altura ou a longo prazo) ou porque não formula nenhum pedido. Como refere Peter Singer, “aqueles que são incapazes de dar consentimento incluiriam bebés com doenças incuráveis ou graves deficiências e pessoas que, devido a acidente, doença ou idade avançada, perderam permanentemente a capacidade de compreender as questões em causa, sem terem previamente pedido nem rejeitado a eutanásia efectuada nessas circunstâncias” (Peter Singer, 2002: pp. 199 - 200).

Eutanásia involuntária
Na eutanásia involuntária, a pessoa que se mata é capaz de consentir a sua própria morte, mas não o faz, quer por não lhe terem perguntado, quer porque embora lhe tenham perguntado, ainda assim prefere continuar a viver. Neste caso, matar alguém que não consentiu ser morto apenas se pode chamar de eutanásia quando o motivo para a morte é o desejo de evitar o sofrimento insuportável da pessoa que é morta.

A justificação da eutanásia não voluntária em crianças

Uma das características da eutanásia não voluntária reside no facto de o paciente em questão não formular qualquer pedido ou não possuir a capacidade de raciocínio. Esta situação ocorre nos casos de bebés com graves deficiências (tal como o bebé Houle) ou dos seres humanos mais velhos que sofrem de deficiências mentais profundas que lhes retiraram essa mesma capacidade.

Para Singer, “a diferença entre provocar a morte a bebés deficientes e a bebés normais não reside em qualquer direito à vida que os últimos teriam e os primeiros não, mas em outras considerações acerca do acto de provocar a morte” (Peter Singer, 2002: p. 202). Mas a que tipo de considerações se refere Peter Singer? Como se verifica na maioria dos casos, considerações como a vontade dos pais. Esta vontade varia conforme o estado do bebé em questão, mas também em função do desejo dos pais terem um filho.

Nos dias de hoje, normalmente, os pais planeiam o nascimento do filho para que a partir do nascimento lhe proporcionarem o melhor inicio de vida de acordo com as suas possibilidades quer físicas quer psicológicas, criando afectos que ligam, desde a nascença, o filho aos pais. Mas quando a criança nasce com uma deficiência grave que o impeça de viver uma vida útil e feliz, e ameace não só a felicidade dos pais, mas também a de filhos que possam vir a ter, a situação é bastante diferente:

“Os pais podem lamentar, com bons motivos, que uma tal criança tenha nascido. Nessa eventualidade o efeito que a morte da criança terá nos pais pode constituir uma razão a favor, e não contra a sua morte provocada” (Peter Singer, 2002: p. 203).

Argumentos a favor da eutanásia:

Uma das maiores armas que os apoiantes da eutanásia possuem reside no facto de os mesmos argumentos que apoiam o aborto (actualmente aceite pela lei portuguesa) poderem ser também utilizados para apoiar a eutanásia.

Os indivíduos autónomos têm autoridade moral sobre as suas vidas inclusive para o suicídio, incluindo a assistência de quem pode assistir a esse “tirar a vida” sem dor e com eficiência.

Nenhuma pessoa deve ser coagida a suportar a sobrecarga de dor e de sofrimento: quem as ajudar estará a agir eticamente por compaixão e a respeitar a sua autonomia, já que estará a reconhecer os desgostos do outro, a experenciar a sua dor.

A possibilidade de se recorrer à eutanásia traz conforto aos doentes mesmo sem necessidade de ser praticada. Aliás constitui uma característica essencial de um direito: podemos, se quisermos, a ele renunciar.

Considerações finais

Quanto á eutanásia e geral acreditamos que, em casos raros, existam pacientes a quem foram diagnosticadas doenças incuráveis, por médicos competentes, e que mesmo assim sobreviveram e gozaram anos de boa saúde. Mas em nada este número pode ser comparado com a quantidade de dor e aflição que sofreram e sofrerão os pacientes que se encontram em fase terminal, no caso da eutanásia não ser legalizada. Além disso, com a actual lei estão a ser desperdiçados meios para manter vivos determinados indivíduos cujas consequências são é apenas prolongamento da sua dor e o desperdício de meios que doutra forma poderiam ser usados para casos mais úteis, isto é, para casos em que o seu uso tivesse mais benefícios.

Quanto ao bebé Houle em particular, consideramos insensato e imoral que o Juiz do Tribunal Superior não apoie a vontade dos pais de por em prática a eutanásia passiva e não voluntária porque a vida desse bebé, e, consequentemente, a vida dos seus pais, independentemente do sucesso ou insucesso da operação, seria acompanhada de sofrimento e angústia em muito superior às consequências da sua morte.

Bibliografia

Baird, Robert M; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora
Coleman, Gerald D. "Suicídio Assistido: uma perspectiva ética" in Baird, Robert M; Rosanbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 123-132
Fletcher, Joseph, "Santidade da vida por oposição a qualidade de vida" in Baird, Robert M; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 101-113
Koop, C. Everett, "O direito de morrer: os dilemas morais" in Baird, Robert M; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia as, questões morais Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 83-100
Rachels, James, "Eutanásia activa e passiva" in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais Vendas. Novas: Bertrand Editora, pp. 53-61
Rachels, James, "Mais distinções irrelevantes" in Baird, Robert M.; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp.73-82
Singer, Peter. " Tirar a vida: os seres humanos" in Singer, Peter (2002). Ética Prática. Lisboa: Gradiva, pp. 195-238
Sullivan, Thomas D., "Eutanásia activa e passiva: uma distinção irrelevante?” in Baird, Robert M; Rosenbaum, Stuart E. (1997). Eutanásia: as questões morais. Vendas Novas: Bertrand Editora, pp. 63-71

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