«Uma definição capitalista
De acordo com a terceira das respostas dadas, a elemento preferível para o desenvolvimento da vida boa é o mercado, no interior do qual os indivíduos, homens e mulheres, consumidores mais que produtores, escolhem entre o maior número de opções possíveis. O melhor que se pode ser é um indivíduo autónomo, que escolhe entre as suas possibilidades. Viver bem não significa tomar decisões políticas ou criar objectos belos, mas realizar escolhas pessoais. Nenhuma escolha em concreto, porque nenhuma é essencialmente melhor do que outra: é a própria actividade humana de escolher que nos converte em indivíduos autónomos. O mercado, em cujo seio se escolhe, da mesma forma que ocorria no caso da economia socialista, não precisa do Estado. Requer apenas um Estado mínimo. Não precisa de regulação social, unicamente de actividade policial.
Também neste caso a produção é considerada livre, embora não esteja a falar, como no caso marxista, de liberdade criativa. Mais importantes que os produtores são os empresários, heróis da autonomia, consumidores da oportunidade, que competem ente si para proporcionar tudo aquilo que os consumidores desejam ou são persuadidos a desejar. Nas actividades empresariais rastreiam-se as preferências dos consumidores. Ainda que se trate de uma actividade com momentos excitantes é basicamente instrumental. O objectivo perseguido por todos os empresários (e todos os produtores) é o aumento da sua cota de poder no mercado, maximizando as suas opções. Ao competir entre si, estão a maximizar as opções de todos, inundando o mercado com objectos desejáveis. O mercado é a marca maior da comunidade política ou da economia cooperativa porque se basta a si próprio. De um ponto de vista capitalista, a liberdade é uma função da abundância. Apenas podemos escolher se nos oferecem muitas opções.
Infelizmente também é certo que apenas podemos escolher realmente (não de forma especulativa ou desiderativa) se contamos com recursos suficientes. As pessoas acedem ao mercado aprovisionadas com recursos de forma desigual. Alguns praticamente não têm recursos. Nem todos podem competir com o êxito na produção das mercadorias e nem todos têm acesso a elas. Acontece, por isso, que a autonomia é um valor de alto risco que muitos homens e mulheres apenas podem procurar de facto com a ajuda dos seus amigos. Contudo, o mercado não é um espaço em que se possa exercer de forma adequada a ajuda mútua. Não posso ajudar os outros sem reduzir as minhas próprias opções (pelo menos no curto prazo). E, como indivíduo, não tenho razão alguma para aceitar cortes de qualquer tipo por causa de outra pessoa. Não estou a tentar dizer que a autonomia dê origem necessariamente ao egoísmo, mas que o mercado não é um espaço propício para o exercício da solidariedade social. Apesar dos êxitos da produção capitalista, a vida boa, baseada nas escolhas enquanto consumidor, não é algo que esteja ao alcance de todos. Um enorme número de pessoas vive à margem da economia de mercado ou move-se precariamente numa zona limite.
Em parte por esta razão, o capitalismo, da mesma forma que ocorria no caso do socialismo, depende da acção estatal, que não é só necessária para prevenir roubos ou garantir o cumprimento dos contratos, mas também para regular a economia e garantir um bem-estar mínimo para todos os participantes. Mas estes participantes, na medida em que se movem no âmbito do mercado, não são activos no plano estatal. Tal como acontecia no socialismo, a forma ideal do capitalismo não propugna a cidadania. Se o faz, apresenta um conceito de cidadania baseado em pressupostos económicos, para que os cidadãos se transformem em consumidores autónomos que procuram aquele partido ou programa político que prometa, da forma mais persuasiva possível, reforçar as suas posições no interior do mercado. Precisam do Estado, mas não têm uma relação moral com ele, e controlam aos seus representantes apenas na medida em que os consumidores controlam o que se lhes oferece.
Dado que no mercado não há limites políticos, os empresários capitalistas fogem desta forma ao controlo oficial. Precisam do Estado mas não lhe são leais: o benefício como objectivo pode entrar em conflito com as regulações de tipo democrático. Assim, os traficantes de armas vendem tecnologia militar de ponta a potências estrangeiras e os fabricantes deslocalizam as suas fábricas para não aplicarem as normas como as que regulam os salários mínimos ou a segurança no trabalho. As corporações multinacionais estão à margem (em ocasiões até contra) qualquer comunidade política. Apenas conhecem a sua razão social, que, ao contrário do que acontece no caso dos sobrenomes ou nomes de países, não evocam afectos ou solidariedades, mas apenas preferências.»
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